Clara Viana, in Público on-line
O desafio parte do presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e tem como alvo os manuais que são descontinuados em Portugal, mas que poderão ser utilizados por outros lá fora.
Dezenas de milhares de manuais escolares vão ficar de novo sem uso já a partir de Setembro, porque chegou ao fim o seu prazo de vigência, que geralmente é de seis anos. Os manuais agora descontinuados são os das disciplinas de Ciências Naturais, Físico-Química, História e Inglês do 7.º ano e Biologia e Geologia do 10.º ano.
É uma floresta de livros. Muitas escolas não os estão a aceitar de volta já que quase não têm espaço para acomodar os que ainda servem para alguma coisa. Face a este e outros desperdícios relativos aos manuais, o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, lança este desafio ao Ministério da Educação (ME): “Lançar um plano nacional de recolha de manuais não reutilizáveis com o objectivo de os levar para onde sejam necessários, por exemplo os Países de Língua Oficial Portuguesa”.
O PÚBLICO questionou o Ministério da Educação, mas não obteve respostas. “Este é um trabalho cívico que o ministério poderia assumir e tem meios para o fazer, o que já não acontece com as escolas”, justifica. Algumas ainda tentam, mas nem sempre com bons resultados.
“Acho criminoso deitá-los fora”, desabafa Manuel Pereira. Isto sem falar dos manuais ainda em vigor e que não podem ser reutilizados por se encontrarem em más condições de uso.
É esta avaliação que as escolas têm estado a fazer desde que os manuais utilizados em 2020/2021 começaram a ser devolvidos pelos pais, um procedimento obrigatório para terem acesso a mais livros escolares gratuitos em 2021/2022. A distribuição de vouchers para esse efeito, que tinha início marcado para o próximo dia 16, foi antecipada uma semana e, segundo o ME, até esta quarta-feira tinham já sido disponibilizados 1,2 milhões de vales. Actualmente todos os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória (1.º ao 12.º ano) em escolas públicas têm direito a manuais gratuitos. São cerca de 1,2 milhões.
Só o 1.º ciclo está dispensado da devolução por se ter confirmado que neste nível de escolaridade era praticamente impossível a reutilização.
Riscados e escritos
O prazo para a devolução dos manuais, incluindo os dos alunos com exames, terminou nesta segunda-feira. Na semana passada, o ME deu conta de que pelo menos 60% dos que já tinham sido entregues estavam em condições de serem reutilizados em 2021/22. Há dois anos tinham sido cerca de 50%. No ano lectivo passado, devido à pandemia, o processo de devolução foi suspenso por determinação do Parlamento.
Em simultâneo com os manuais, também foram devolvidos às escolas os computadores entregues aos alunos do 4.º, 9.º e 12.º ano. Até agora, o ME nada disse sobre este processo. As escolas contactadas pelo PÚBLICO indicam que, no geral, se encontram "em bom estado”. A avaliação está a ser feita sobretudo pelos assistentes operacionais, já que na maioria não existem técnicos especializados. Tem sido “um trabalho ciclópico”, comenta Manuel Pereira.
Quantos aos manuais, este director dá conta de que tanto no seu agrupamento, como noutros de quem tem tido notícia, existe “uma percentagem elevada que não está em boas condições”. “As escolas são um reflexo da comunidade em que estão inseridas e quando nesta existem problemas de ordem social e económica tal reflecte-se também no estado do material escolar e não é por mau uso, mas apenas pelo uso que os alunos lhe puderam dar”, especifica.
Mas nem sempre se verifica esta correlação, como constata a directora da Escola Secundária Rainha Dona Amélia, situada numa zona favorecida de Lisboa. “Os manuais vêm muito riscados”, descreve Cristina Dias, em resposta por e-mail ao PÚBLICO. “A maioria entregou ou pagou os manuais [danificados], embora haja muitos em falta. É o caso dos alunos do 12.º ano. Como deixam de ter um vínculo com a escola, não estão preocupados em devolver os manuais e a maioria não o fez”.
Um problema de férias
Todo o processo foi “muito complicado”, desabafa ainda Cristina Dias. “Muitos pais já estavam de férias e partiram do princípio de que não seriam penalizados se não entregassem os manuais, à semelhança do que aconteceu o ano passado porque a situação de pandemia permanece”. Refere que “os directores de turma deram a informação atempadamente”, mas que “os serviços de administração escolar tiveram de enviar muitos e-mails e fazer muitos telefonemas para relembrar os pais”.
Devido à pandemia, os manuais têm de ficar pelo menos 48 horas numa espécie de quarentena sem serem manuseados por ninguém. Só depois é que os funcionários da escola começam a folheá-los, para verificar se não estão rasgados ou se ainda estão riscados ou anotados.
O Agrupamento de Escolas de Mourão ganhou em 2019 um prémio do Ministério da Educação, no valor de 10 mil euros, por ter sido a escola que mais reutilizou manuais (94,5%) Em declarações ao PÚBLICO, o seu director José Rocha dá conta que a taxa de reutilização dos manuais escolares estará este ano nos 90% ou mais. “Por falta de recursos humanos há manuais que ainda não foram vistos”, justifica, lembrando que este processo coincide com a altura em que os funcionários das escolas podem marcar férias. Mas José Rocha está confiante na performance do seu agrupamento: “Tanto os alunos como os professores já estão educados quanto à forma de utilizar os manuais para que estes possam estar em boas condições.”