23.8.21

Mação | Seniores do concelho dão baile à solidão em prol da saúde física e mental (C/VIDEO)

Por Joana Rita Santos, in MediaTejo

Costuma dizer-se que quem canta seus males espanta… mas a dançar também se pode espantar muita coisa, nomeadamente a tristeza e a solidão. Cientes do isolamento agudizado pela pandemia, a equipa de CLDS 4G Mação Mais Social dinamizou um ciclo de iniciativas “Toca a Balhar”, convidando seniores das várias freguesias do concelho a darem um pé de dança entre vizinhos e amigos da terra, acompanhados pela psicomotricista Ana Santos. A iniciativa teve como ponto alto um último bailarico, na quarta-feira, dia 11 de agosto, com cerca de cem participantes das várias freguesias do concelho a juntarem-se no Pavilhão Municipal de Mação, para um final em grande.

Chegaram de autocarro, em carro próprio, de boleia ou a pé, vindos de diversos pontos do concelho e da própria vila, a fazer lembrar os alunos mais novos na escola, que se iam juntando em pequenos grupos, aguardando indicações e o arranque do evento.

A timidez rapidamente começou a dar lugar a cumprimentos, a lançar um adeus com a mão e um beijo para o ar. Vêm desertos para “balhar”, forma popular de se referir aos bailes, como os de antigamente.

Cada um levava consigo uma garrafa de água, sendo depois convidado a ocupar o seu lugar, num dos bancos distribuídos com espaçamento pelo pavilhão, cumprindo as normas das autoridades de saúde devido à covid-19. A máscara envergada no rosto não impedia que, com menor ou maior dificuldade, as pessoas se fossem reconhecendo e falando umas com as outras.

Homens e mulheres, com idades a rondar entre os 60 e os 95 anos, vieram dar uma lição de resiliência, força de vontade e boa disposição, mostrando que ainda têm muito para viver… ativamente.

É também por isto que, com diversos ritmos e estilos de música, se aposta na psicomotricidade e dança sénior, para servir de estímulo e aumentar a qualidade de vida desta franja da população, que com a idade tem tendência a acomodar-se e a ficar mais parada.

Houve quem até trouxesse netos, os companheiros, outros vieram com os vizinhos e vizinhas. Outros já são conhecidos destas andanças, precisamente por, independentemente da idade, serem pessoas ativas e participativas.

Passo para a esquerda, em frente, agora vira à direita. Troca de par, salva de palmas. Roda para um lado, e depois gira para o outro. Chega um pé à frente, volta para trás. Braços no ar e siga o baile ao jeito tradicional do folclore português. E assim se recordam os tempos dos ranchos folclóricos que antes existiam no concelho, caso do de Ortiga, de onde nasceu o “Passo Lento”. Assim se vai fazendo exercício físico enquanto se dança e aliviando as dores que chegaram com a idade.Foto: mediotejo.net

Que o diga Florinda Moleiro, de 70 anos, residente há 10 anos em Mação mas natural de Rosmaninhal. É frequente encontrá-la em atividades e iniciativas na vila e no concelho, uma vez que integra a Universidade Sénior e o Clube Sénior, e tenta participar ao máximo em tudo o que lhe é proposto ou tudo o que lhe chega divulgação

A sua boa disposição é contagiante, tal como a sua energia. Apesar das maleitas que lhe afetam as pernas, Florinda não se nega a um bom convívio, um momento de aprendizagem, a uma boa dança ou a cantares, e até leituras e apresentações de palco. É mesmo movida a boa disposição e alegria, uma mulher que gosta de (e quer continuar a) gozar a vida.

“Não falho uma, como diz o outro!”, exclama, sorridente e entusiasmada.

Florinda reconhece que este tipo de iniciativas são muito importantes. “São muito boas e eu adoro”, afirma, referindo que é também uma forma de convívio e de conhecer outras pessoas.

Com a pandemia, as atividades presenciais foram suspensas e isso fez-lhe falta.

“Fui muito abaixo por causa disso. Ter de estar em casa fechada, sozinha. O neto vive comigo, mas ia para o trabalho dele. E eu ali ficava sozinha, todo o dia. Agora não! Agora já saio. Estas atividades fazem muita falta”, confessa, desfazendo-se em elogios a estas iniciativas que promovem o envelhecimento ativo e que convidam a sair de casa.

O mesmo acontece com José Lopes, que vem de S. José das Matas, em Envendos. Do alto dos seus 84 anos, tem queda para o humor. De forma simpática e afável diz que são 48 ao contrário e, na verdade, dado o seu espírito e disposição, é possível que seja assim que se sente na maior parte do tempo.

Também é aluno da Universidade Sénior desde a sua fundação, há cerca de sete anos, tal como Florinda, e também integra o Clube Sénior. Assume ser uma pessoa ativa, porque “faz para isso”.

Assim que começou a ter conhecimento das atividades do CLDS 4G, também quis inscrever-se. Quando soube da dança sénior, quis participar porque sempre gostou de dançar, ainda que considere que já não tem a destreza que tinha antes. “Já não sei dançar agora… mas venho”, diz.

Também concorda que estas atividades são importantes para promover o convívio de forma segura, em tempo de pandemia, crendo que é “preciso ter cuidado e usar as máscaras, porque há muita gente que não faz isso e abusa um bocadinho”.

Elogia a organização do evento, e as condições de segurança. “Gostei da dança, gostei de tudo e correu tudo muito bem”, afirma.

Ao longo do mês de julho em atividades descentralizadas, e com o fecho da iniciativa em agosto, os grupos puderam não só aumentar a sua saúde física, como também criar e fortalecer laços com os outros participantes, conversando, partilhando experiências e preocupações, ouvindo e sendo ouvidos, porque voltar a conviver é importante para a reforçar a vida em comunidade e por questões de saúde mental.

Num concelho envelhecido como Mação, muito extenso e com muita população mais isolada, todas as iniciativas que se possam promover para tirar de casa as pessoas e envolvê-las em atividades de grupo e em sociedade são poucas.

Mação tem diversa oferta para o público sénior, nomeadamente a Universidade Sénior, o Clube Sénior entre outras iniciativas na área social, nomeadamente de apoio e visitas de proximidade pelos serviços de ação social do Município e pelas próprias freguesias e IPSS do concelho, contando ainda com patrulhas da Guarda Nacional Republicana que apoiam na sinalização e acompanhamento de seniores mais isolados em aldeias recônditas do concelho.

No caso do projeto do CLDS 4G Mação Mais Social, cuja entidade responsável é o Centro de Proteção à Terceira Idade de S. Silvestre em Aboboreira, um dos eixos do plano de ação é precisamente a “promoção do envelhecimento ativo e apoio à população idosa”, e é nesse aspecto que têm sido dinamizadas iniciativas como a Dança Sénior, mas também o Ginásio da Mente, as visitas de proximidade e combate ao isolamento e solidão “Aproxi|Mação” e ações de sensibilização e consciencialização sobre temas de atualidade, entre outros.

O projeto conta ainda com um Banco Local de Mobiliário e Electrodomésticos para doação a famílias e pessoas necessitadas, que sejam sinalizadas ou que peçam ajuda para tal.

Este é o ponto de partida do CLDS 4G Mação Mais Social, reconhecendo-se que apesar da pandemia “a vida tem que continuar”, sobretudo para a população idosa que precisa ser estimulada e incentivada a uma vida mais ativa – situação que a pandemia veio travar por impor maior distanciamento social e maior isolamento.

A equipa de CLDS 4G Mação Mais Social com José Fernando Martins, presidente da direção do Centro de dia de Aboboreira, entidade responsável pelo projeto e com a psicomotricista Ana Santos que tem dinamizado esta atividade de dança sénior. Foto: mediotejo.net

“A pandemia trouxe solidão e isolamento, as pessoas tiveram que recolher a casa e isto é um recomeçar, com as pessoas a voltarem à sua vida normal, porque aquele isolamento da pandemia traz outros problemas, nomeadamente na saúde mental, e estamos a fazer um trabalho, dentro das possibilidades e do que é permitido dadas as circunstâncias que vivemos, para não deixar ir longe de mais este tipo de problemas, que podem gerar outros de maior envergadura no futuro. É isso que queremos tentar combater e atenuar o máximo possível”, explica Daniel Jana, coordenador do projeto do Contrato Local de Desenvolvimento Social de 4ª Geração (CLDS 4G).

Quanto à iniciativa de dança sénior é dedicada à psicomotricidade dos mais velhos, mas também é convidativa à intergeracionalidade, uma vez que muitas vezes os netos acompanham os avós.

“Estamos, através da dança e da música, a fazer um trabalho para as pessoas se tornarem mais autónomas. A contrariar a ideia de que já se tem muita idade e que isso é motivo para desistir. Não… os anos que passaram não contam; pretendemos que as pessoas vivam os anos que ainda têm pela frente com maior autonomia, mais saúde e que se sintam cada vez melhor no que ainda lhes falta da vida, não do que já passou”, admite Daniel Jana.

Este projeto pretende chegar à população sénior que está mais isolada e que não faz questão de sair da zona de conforto do lar, e para isso as ações de proximidade assumem importância para divulgar junto dessas pessoas as vantagens em fazer parte destes grupos seniores.

“Não queremos atuar só na vila em si, porque as pessoas aqui já têm diversidade grande de oportunidades e oferta. Queremos ir buscar as pessoas mais isoladas, para combater esse isolamento e solidão. É esse o nosso objetivo central”, reconhece o coordenador.

Por outro lado, as iniciativas são gratuitas e vão variando, permitindo que as pessoas participem quando entenderem ou mais lhes aprouver, havendo sempre grupos descentralizados, percorrendo o CLDS 4G todas as freguesias para dar oportunidade a todos em participar.

Afinal, como costuma lembrar Daniel aos mais velhos, “o que importa não são os anos que passaram, mas sim os que ainda estão pela frente”. Basta dizer que sim, e alinhar nos desafios que a equipa propõe. A partir daí estão reunidas condições para se proporcionar bons momentos, muitas aprendizagens, partilha intergeracional e grandes doses de felicidade.