Sérgio Aníbal, in Público on-line
Ao contrário da actividade económica, que continua abaixo dos níveis pré-crise, o número de empregos já recuperou e está a um nível superior ao de há dois anos. Mas nem todos os segmentos do mercado de trabalho sentiram esse resultadoDepois de uma queda abrupta no início da pandemia e de alguns altos e baixos desde aí, a economia ainda está a vários meses de voltar a ser o que era, mas o número de pessoas empregadas em Portugal, apoiado pelas medidas de apoio lançadas pelo Estado, já regressou, no segundo trimestre deste ano, ao nível em que se encontrava antes do início da pandemia. O problema é que esta retoma mais rápida no mercado de trabalho não chegou a todos os segmentos da população.
Pela primeira vez desde o início da crise, as estatísticas do mercado do trabalho publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam um número de pessoas empregadas em Portugal que é superior àquele que se registava antes do segundo trimestre de 2020, o primeiro em que se sentiu o impacto negativo da pandemia.
De acordo com os dados publicados esta quarta-feira, existiam, no segundo trimestre de 2020, 4810 mil empregos em Portugal. Este é um valor que não só significa um acréscimo de 128,9 mil empregos face ao trimestre imediatamente anterior e 200 mil empregos face ao trimestre homólogo do ano anterior, como supera em 66 mil trabalhadores o número de empregos registado no primeiro trimestre de 2020 e em 36 mil trabalhadores o resultado do segundo trimestre de 2019, o melhor ponto de comparação pré-crise, para retirar da análise os efeitos da sazonalidade.
Este regresso aos níveis do passado constitui uma confirmação daquilo que tem sido evidente desde o início da pandemia: o emprego tem resistido bastante melhor à crise do que a actividade económica. Isso foi particularmente evidente no segundo trimestre de 2020, quando o PIB se afundou 14% e o emprego apenas 3% e deveu-se, em larga medida, aos apoios públicos que têm vindo a ser disponibilizados para evitar que as empresas reduzam de forma abrupta a sua força de trabalho. Em particular, a medida do layoff simplificado, ao manter o vínculo laboral entre trabalhadores e empresas numa altura em que a actividade parava ou era fortemente reduzida, contribuiu para que, em Portugal, tal como na generalidade dos países europeus, se tivesse evitado uma quebra abrupta dos níveis de emprego semelhante à queda a pique da economia.
Agora, numa altura em que a economia recupera, o ritmo de crescimento do emprego é, sem surpresa menor que o do PIB. No segundo trimestre, o emprego cresceu 2,8% em cadeia e 4,5% face ao período homólogo, num trimestre em que a economia cresceu 4,9% em cadeia e 15,5% em termos homólogos. Mas isso não impediu que o número de empregos chegasse já ao nível pré-crise, enquanto o valor do PIB, no segundo trimestre deste ano, ainda estava 4,7% abaixo do registado antes da pandemia.
O problema destes valores agregados para a evolução do emprego é que escondem realidades diferentes em alguns segmentos do mercado de trabalho. Para alguns tipos de trabalhadores e em alguns sectores de actividade é possível verificar que o número de empregos está neste momento ainda significativamente abaixo daquele que se verificava antes da crise.
Quando se olha para os sectores de actividade, verifica-se, por exemplo, a subsistência de um nível de emprego muito inferior ao passado no alojamento e na restauração. O turismo foi um dos sectores mais afectados e persistem entraves à sua actividade, que se reflectem nos postos de trabalho criados. No segundo trimestre deste ano, existiam neste sector ainda menos 72,9 mil empregos do que em igual período de 2019.
Em contrapartida, há sectores que já revelam aumentos fortes do número de empregos, destacando-se em particulares áreas como a informação e comunicação, actividades científicas, técnicas e de consultoria, educação e saúde.
Para além dos sectores, é também particularmente evidente, nos dados disponibilizados pelo INE, o tipo de trabalhadores que mais saíram a perder durante a crise e que ainda não concretizaram uma retoma. Por tipo de contrato de trabalho, existem agora mais 158,7 mil empregos por conta de outrem com contrato sem termo, enquanto há menos 131 mil contratos com termo.
Uma interpretação benigna deste resultado seria a de que se está agora a apostar em vínculos laborais menos precários em Portugal, mas a explicação para estes resultados está essencialmente no facto de, no início da crise, a perda de empregos ter atingido os contratos com termo, passando quase ao lado daqueles que tinham um vínculo mais sólido. Medidas como o layoff simplificado serviram especialmente para proteger este último grupo, enquanto os trabalhadores mais precários foram as vítimas naturais da tentativa das empresas de reduzir custos num cenário de crise.
Outra característica evidente nos empregos que ainda não regressaram é o facto de serem menos qualificados. Os dados do INE mostram que há agora, em comparação com há dois anos, menos 108 mil empregos para “trabalhadores de serviços pessoais, segurança e vendedores” e menos 103 mil empregos para “trabalhadores não qualificados”. Em contrapartida, a grande maioria do aumento de empregos (176 mil) foi para “especialistas das actividades intelectuais e científicas”. Beneficiando das possibilidades do teletrabalho e maioritariamente em empresas menos afectadas pela crise, estes últimos viram os seus empregos resistirem bem à crise, ao passo que os primeiros, em trabalhos com necessidade de contacto pessoal mais evidente e com um peso elevado em sectores como a restauração e alojamento, sofreram muito mais.
Por fim, há a diferença das idades, sendo evidente que as idades mais avançadas, que à partida contavam com vínculos laborais mais estáveis, resistiram melhor à crise do que os mais jovens. Nos segmentos entre os 16 e os 44 anos, o nível do emprego é agora ainda inferior ao período pré-crise, enquanto o oposto acontece para os segmentos que vão dos 45 aos 89 anos.
Para além disso, há dois anos, no segundo trimestre de 2019, havia em Portugal, 191,5 mil jovens que não estão, nem empregados, nem em educação ou formação. Agora, apesar da diminuição dos últimos trimestres, esse valor ainda é mais alto, situando-se em 210,5 mil no segundo trimestre de 2021.