Rosário Silva, in RR
Preocupado com o fenómeno do despovoamento, D. Francisco Senra Coelho pede melhores condições para que os jovens não tenham de sair da região ou do país e defende a descentralização de serviços: “Não falo de uma descentralização despesista, falo de uma valorização das regiões, para que Portugal se consolide num só e não viva nesta situação de desequilíbrio.”
“Neste momento se Portugal fosse um barco, viraria totalmente e não se aguentaria a flutuar, porque a população está toda virada para um lado, numa situação marcadamente desequilibrada.” A afirmação é do arcebispo de Évora, preocupado com o despovoamento que assola a região, confirmado, de resto, pelos resultados preliminares dos Censos 2021, divulgados recentemente.
Em período de férias e a pouco mais de um mês de dar início ao novo ano pastoral, D. Francisco Senra Coelho, em entrevista ao semanário “A Defesa”, da diocese que dirige, fala com preocupação das questões que afetam esta região, que perdeu, numa década, 6,9% da sua população.
“A problemática da desertificação no Alentejo é muito grave”, considera o prelado. “Uma terra despovoada, sem presença humana, é uma terra abandonada, e quando se encerra mais um centro de saúde, uma escola ou um jardim de infância, está-se a dizer, simplesmente, que estamos a levantar o acampamento”, sublinha.
Para D. Francisco, são decisões “irrefletidas e desmotivadoras”, que depauperam a região. “Uma política que marca o seu atuar por estes gestos, não pode dizer que quer promover, aí, a renovação da população.”
Motivos que afastam os jovens da sua região e do seu país, onde “não há um desenvolvimento compatível aos seus sonhos, que lhes ofereça um futuro”, levando-os a partir. “Vão ficando os idosos, as pessoas de meia idade que estão ao serviço da região, marcada por alguma indústria e a resistência dos empresários que cá estão”, alude.
A “revolução agrária” e a falta de mão-de-obra
Nesta entrevista ao jornal da arquidiocese, o prelado fala da “grande revolução agrária” que está a acontecer no Alentejo, com a agricultura a beneficiar da grande barragem do Sul, mas alerta para o problema da falta de mão-de-obra.
“Estamos a ver a paisagem do Alentejo a mudar e sabemos que suscita diferentes opiniões”. Contudo, “isso tem trazido a necessidade de mão-de-obra e a região não tem pessoas para este efeito”.
Por isso, recorda, “foi necessário acolher migrantes em larga escala”, o que abriu portas a outros problemas, como a exploração laboral, uma questão para a qual as dioceses de Évora e Beja já chamaram a atenção das entidades competentes, mas “sem respostas concretas.”
Também ao nível do trabalho social, a falta de pessoas para trabalhar no apoio domiciliário, em residências para idosos ou centros de dia é uma “realidade preocupante”, levando o prelado a concluir que o “fenómeno de não termos capacidade de cuidar da nossa terra é grave”, demonstrando que “não foram tomadas, a tempo, determinadas atitudes”, colocando a descoberto “o abandono da região”.
“Como se consegue travar a diminuição da população quando os jovens partem?”
A pergunta é feita pelo próprio arcebispo, logo seguida da resposta: “a única forma é olhar com interesse para o Alentejo.”
D. Francisco Senra Coelho defende a “criação de condições para as novas gerações”, para que não seja necessária a saída da sua própria terra.
“Não podemos aceitar que, para tudo, se tenha de emigrar. Seja para ir para um lar ou para um hospital” e, “muito menos, para se ter um lar e um futuro”, acentua.
Lembrando as palavras do Papa, “o grito da Terra e dos pobres”, o pastor da diocese eborense afirma que “há muitos gritos de pobres no Alentejo”, como “o grito dos avós e dos pais que veem o lugar dos seus netos e filhos, vazios à mesa”, não sendo mais que “o grito de saudade, de um povo muito arreigado à sua terra.”
O arcebispo de Évora considera que “é necessário discriminar pela positiva o Alentejo e o interior de Portugal”, dando como exemplo o que já acontece com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
“Esta interioridade gera situações que não nos dão as mesmas possibilidades de quem vive num litoral desenvolvido ou numa cidade onde tudo é próximo, onde tudo é acessível”, lembra, apelando a que “Portugal não viva uma centralização” e que sejam trazidos serviços públicos para as capitais de província.
“Não é necessário estar tudo em Lisboa, podemos ter serviços nas diversas regiões com uma razoável e racional forma de aproveitamento de renovação de recursos e de despesas”, defende. “Não falo de uma descentralização despesista, falo de uma valorização das regiões, para que Portugal se consolide num só e não viva nesta situação de desequilíbrio.”
A falta de presença humana “paga-se com a desertificação, com os incêndios ou com o descuido do património”, por isso, D. Francisco pede aos decisores políticos que “o Alentejo seja visto e olhado com cuidado.”