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6.9.21

“Há falta de água em Santa Clara, mas a uns cortam e a outros deixam aumentar?”

Ana Dias Cordeiro (texto) e Rui Gaudêncio (fotografias), in Público on-line

Num contexto de seca, a Associação dos Beneficiários do Mira foi autorizada a expandir a área elegível para rega dos grandes produtores de uma monocultura intensiva. Passados dois anos, limitou o acesso à água da Barragem de Santa Clara. Ao impor uma tabela por hectare, a decisão afecta mais os pequenos agricultores, obrigados a cortar na sua agricultura de subsistência na campanha de 2021.

A vida dos pequenos agricultores nas terras do rio Mira deu muitas voltas, antes e depois da construção da Barragem de Santa Clara, nos anos 1960, quando a chuva dava à terra o que ela precisava. Mais tarde, quando pela primeira vez conheceram a seca, valeu-lhes aquilo que trazia a barragem. A água era distribuída e paga.

Em retrospectiva, nunca o que mudou foi tão mau como neste ano nesta freguesia do concelho de Odemira. Prova disso é que nunca antes, como agora, tinham deixado de ver o prado infinitamente verde à sua frente. Mesmo no tempo seco.

Em Março deste ano, a Associação dos Beneficiários do Mira, que detém a concessão da barragem e gere a distribuição para a rega, impôs um limite da água a que os produtores da região têm direito, limite a partir do qual passam a pagar o triplo do preço por litro. Para os pequenos agricultores os novos preços são incomportáveis. Maria Antónia Cortes, que tem na venda dos Cabazes da Horta a sua renda, abdicou de muito. “Eu deixei de poder fazer as produções que exigem mais água: espinafres, agrião, essas coisas tive de reduzir. Não pude pôr coisas na estufa, porque no Verão a estufa pede sempre mais.”

Agora a estufa parece uma tenda desgarrada pelo vento onde a vegetação que secou preenche o vazio. “Eu tinha árvores, eu tinha pêras, pêros, ameixas, pêssegos, nespereiras, figueiras – basta ver agora como estão secas”, diz, acompanhando o gesto com o olhar em volta.

“Eu tinha tudo isso, para meter nos cabazes. Há coisas que não pude cultivar, não tive rendimento delas. O feijão, este ano, foi por metade. O mesmo aconteceu com a couve que exige mais fresquidão.”

Tomateiros, couves e arrozais

Nas décadas de 60 e 70, houve quem entre os moradores destes montes junto ao Rio Mira se tenha mudado de Monchique para Sabóia e freguesias vizinhas, uns 25 quilómetros acima, e comprado terrenos para a agricultura. Outros, vindos das aldeias próximas, apostaram na diversidade das colheitas em terras onde brotavam mantos de arrozais, ao lado de tomateiros, couves, beterrabas, alfaces e muito mais.

Foi o caso de Maria Antónia que nasceu numa aldeia a 11 quilómetros onde agora vai buscar a água que lhe falta junto à barragem.

“Houve tempo em que toda a gente semeava, estas várzeas todas eram semeadas. Agora não”, diz Maria Antónia Cortes. “Umas pessoas saíram daqui, outras ficam velhas e não podem continuar a trabalhar no campo.”
Sem água potável

Mas nem tudo mudou. Agora, como antes, na sua casa, como em tantas outras nestas colinas e vales, não há água canalizada — nunca foi instalada uma rede pública de abastecimento.

O que não imaginava era chegar para lá dos 70 anos sem saber como dar a beber aos animais, ou ter que inventar, e desistir das sementeiras que mais água consomem.

A decisão de Março foi denunciada pelo movimento Juntos pelo Sudoeste e motivou uma reportagem na revista alemã Der Spiegel, publicada na semana passada, sobre o que esta diz serem as “incongruências” de um modelo que depende de rega em grandes quantidades e que continua a crescer em pleno parque natural do sudoeste alentejano, sem que as autoridades portuguesas intervenham para devolver a água aos pequenos regantes. Tal acontece porque a entidade que administra a água da albufeira do Mira é controlada pelos seus maiores usuários — os grandes proprietários, escreve a revista.

Para dar de beber às vacas, Maria Antónia sai munida de uma bilha de 1000 litros, na carrinha com o marido, duas ou três vezes por semana. Vai até ao terreno da família extrair água do canal com uma mangueira. “É para dar uma gotinha às árvores, para elas não secarem mesmo até ao Inverno.”

A agricultora diz que o corte no abastecimento decidido pela Associação dos Beneficiários do Mira (AB Mira) seria acolhido de outra forma se os grandes produtores das monoculturas intensivas de frutos vermelhos, no litoral, não tivessem tido a possibilidade de aumentar a área de cultivo, tendo acesso a ainda mais água.

“Quando passamos no canal, vemos o canal cheio para empresas que nem portuguesas são”, lança Maria Antónia. “É isso que dói. Não é levarem água para lá. Se têm agricultura lá, é necessário levarem água para lá. Dói é tirarem-nos a nós que não temos grande gasto [na agricultura] comparativamente a essas empresas. Mas somos humanos e precisamos porque a água é um bem essencial.”
Reduzir o consumo

Perante estas queixas, o Ministério da Agricultura remete para o contexto em que “os actuais níveis de água na albufeira impõem prudência nos consumos”. Contactado, o gabinete de imprensa lembra que não é o Governo mas a AB Mira que tem “a responsabilidade de gerir os recursos hídricos disponíveis” porque é quem detém a concessão da exploração da barragem.

E sublinha que tal é feito “respeitando os princípios gerais da equidade e as prioridades estabelecidas na lei: em primeiro lugar, o abastecimento público; em segundo lugar, a rega”. Porém, não tem em conta que para os agricultores a prioridade é a rega, como garantia de sustento — até porque não beneficiam do abastecimento público de água.

Para o uso doméstico, como o banho ou a lavagem da loiça ou da roupa, Maria Antónia tem água na cisterna, que é limpa por um filtro. Para beber, ou compra ou vai à fonte em Monchique com garrafões. “É a única maneira. Não temos água potável aqui, não temos água corrente.”

Como um soberano nestes montes, Mário Rui Guerreiro surge lento no horizonte com o seu rebanho. O pastor de 44 anos intercala as passadas com paragens desatentas para navegar no telemóvel. Mais de uma vez escreveu no Facebook que cortar a água desta forma aos pequenos agricultores “é uma coisa que não devia estar a acontecer” — como de um aviso se tratasse para largarem o seu trabalho ou a sua terra.

Sabe de quem faz das tripas coração. Conhece os cantos ao rio Mira, um dos dois que abastecem a Barragem de Santa Clara, e os charcos onde dá de beber às ovelhas.

Pelo sorriso estampado e a conversa fácil, nada mais parece desejar para lá dos declives vazios entre Sabóia (onde se anseia pela chuva no Inverno) e Santa Clara (onde o rio chegou a ser só lodo e este trazia o peixe já morto, antes de ser resposta água na ribeira).

“O principal problema é o modelo de exploração” agrícola que resulta numa expansão de uma agricultura intensiva “que consome cada vez mais água", diz Diogo Coutinho, coordenador do projecto CLARA (Centro para o Futuro Rural) e membro do grupo SOS Rio Mira, para quem há um uso excessivo de um recurso cada vez mais escasso com o aumento da área admitida pelo Estado para as monoculturas intensivas no Perímetro de Rega do Mira dos municípios de Odemira e Aljezur.

A Associação dos Beneficiários do Mira, dominada por dois ou três grandes produtores, nacionais e estrangeiros, através dos votos enquanto associados, é quem define as regras, no quadro da concessão que detém através do acordo com o Governo. Assim, e pela dimensão que assume, uma pequena minoria de multinacionais impõe a sua vontade a uma grande maioria de pequenos produtores, denuncia.

"Há um desequilíbrio gigantesco”, acrescenta Diogo Coutinho. Lembra que o problema se agravou com a permissão do Governo para triplicar a área de produção intensiva do litoral há dois anos. “Não se expandia a área se houvesse preocupação com a redução da água e o aumento da sua eficiência.”
Plano de contingência

Em situação de seca, a AB Mira acciona o plano de contingência. “As suas regras são as mesmas para os ‘grandes’ e os ‘pequenos’”, diz o Ministério da Agricultura quando confrontado com o que dizem os agricultores da região sobre a disponibilização de água em grandes quantidades para as grandes produções de frutos vermelhos em estufas a perder de vista para os lados de São Teotónio. Também questionada, a AB Mira não respondeu.

O plano de contingência foi apresentado na assembleia geral da AB Mira e aprovado por maioria de votos sustentada nas grandes produtoras, enquanto associadas. E nele, é feita a distinção entre os regantes de pleno direito (agricultores integrados na zona definida no contrato de concessão como o perímetro de rega) e os regantes a título precário.
Taxas agravadas

Com a aprovação do plano para a campanha agrícola deste ano, aos primeiros foi estabelecido um limite de 3500 m3 de água por hectare, acima do qual passam a pagar uma taxa agravada em que, por cada litro a mais, pagam três vezes mais; aos segundos, aplicou-se o mesmo regime, a partir do limite máximo permitido de 1000 m3 por hectare. Tal resulta da necessidade invocada pela AB Mira de, nesta campanha, reduzir para menos de metade a captação máxima de água habitual.

“A gente sabe que a água lá está é pouca, a água para sair de lá tem de ser bombada”, diz José Conceição Manuel ao cair da noite ainda atarefado na horta que quase contorna a casa​. “Nós fomos os principiantes disto, aqueles que puseram isto de pé quando tudo aqui começou. Há falta de água. Mas a uns cortam e a outros dão condições para aumentar? Nós estamos indignados é de ver que para os grandes é [água] à vontadinha.”
Vacas como rainhas

Do cimo do monte onde arranjou condições para criar os filhos, que em adultos deixaram Sabóia, José da Conceição Manuel mostra a área hoje seca que ainda no ano passado se cobria de verde.

“Estou a tratar os animais só a seco ali no curral. No ano passado, estava tudo verde para a frente e ali para cima. As vacas eram umas rainhas, tinham tudo o que queriam”, continua.

“Nós fomos avisados para não semear muito e eles ali — na Zambujeira do Mar ou em São Teotónio — não foram em nada reduzidos. Pelo contrário: as grandes companhias que vêm lá de fora, com aqueles grandes projectos, podem fazer hectares de estufas, à farta, e depois aqui não temos”, diz José Monchiquense, como é conhecido por ser natural de Monchique.

“O que estou a pensar fazer? Nada. É acabar de vender os bichinhos que aí tenho, para não morrerem à fome e pôr-me encostado. Eu já tenho quase 80 anos, também já perco pouco.”
"Ninguém dará"

Quem também já não espera e, pelo contrário, nem se revolta é Manuel Lourenço à beira de completar 88 anos. O seu monte é oposto ao de José Monchiquense, mas fica no cimo, do outro lado da estrada, e só acessível por uma estrada estreita de terra batida.

“Eu tenho de puxar a água da ribeira para aqui, com um motor, mas a ribeira não tem água. Uma gotinha aqui e ali, vai para ali para aquele tanque”, diz apontando, curvado pela idade, no escuro da noite.

“E do tanque vai ali para o lugar de beber, de dar água aos animais.” Manuel Lourenço tem alguma água da barragem para o regadio das plantações mais abaixo, mas não tem para a casa. “Antes tinha porque corria aí na ribeira, agora veio esta seca. Se chover, teremos água e corre tudo bem. Se a chuva não der mais ninguém dará.”

3.9.21

“Se tens um sonho, por favor vai concretizá-lo”

Isabel Moura, in Público on-line

É tímido mas há um regresso às aldeias. E como são “as pessoas que chamam as pessoas”, o mapa do interior centro é feito com rostos. Um projecto dentro de um outro mais vasto, o Mapas Natureza, da INature, que de Julho até 17 de Outubro propõe uma programação multidisciplinar para dinamizar as áreas naturais da região centro.

Contrariando a tendência da desertificação, a pandemia empurrou os portugueses para os meios rurais. O interior foi, subitamente, o destino favorito dos que fugiam dos aglomeramentos. Jasper e Anthonia escolheram, há um ano, a aldeia de Faia, na Serra da Estrela, como casa. Os holandeses são duas das caras que integram o Pessoas-Mapas, um “projecto dentro do projecto Mapas Natureza”, como menciona Miguel Vasco, coordenador da iniciativa. Os mentores partiram da premissa de que para se falar de um território, nada melhor do que ouvir as suas gentes. De entre outras iniciativas, destacam-se, além do Pessoas-Mapas, o Rostografia por darem, literalmente, cara ao projecto.
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O projecto Mapas Natureza, da INature, cujo lema é “Paisagens em vez de paredes”, pretende, desde 30 de Julho e até 17 de Outubro, em dez áreas naturais do interior centro de Portugal, ser um “roteiro artístico que estabelece pontes de diálogo entre a natureza e a paisagem colectiva que é parte indissociável da vida comunitária de todas as cidades, vilas e aldeias que fazem parte do percurso”, pode ler-se no site do projecto. A programação iniciou-se em Sicó/Alvaizére, passou pelas Serras da Estrela e da Lousã e pelo Geopark NaturTejo. Passará ainda pelo Vouga - Caramulo, Serra do Açor, Serras de Aires e Candeeiros, Serra da Malcata, Vale de Foz Côa e terminará na Serra da Gardunha. A viagem pelas dez áreas naturais pretende dinamizar a região, bem como “mudar o olhar que se tem sobre as terras do interior”, diz Miguel Vasco.

O Pessoas-Mapas é uma série de 40 mini-documentários que retrata as múltiplas experiências de habitar os territórios abrangidos pelo projecto. Na primeira pessoa, os habitantes falam da forma como vivem naquelas terras, como viviam, o que anseiam, porque vieram. E ainda “como se relacionam com a comunidade, as suas ambições, os seus sonhos”, acrescenta o porta-voz da iniciativa.

Viver o agora, procurar a paz, apreciar o silêncio, viver em comunhão com a natureza parecem ser os lemas de vida de quem, por ali, decide viver. Foi o caso de Jasper e Anthonia, cujo sonho sempre foi criar um espaço ligado ao turismo. A pandemia antecipou o sonho do casal holandês. Ambos decidiram que era tempo de mudança. Optaram por não esperar pela reforma e avançaram para o sonho. É, aliás, a mensagem que passam no documentário que lhes é dedicado pela INature. “Se tens um sonho, por favor vai concretizá-lo, porque é mais fácil do que pensas”, recomenda Anthonia. Face ao medo que se possa sentir, Jasper incentiva defendendo que é preciso “quebrar o padrão. É pensar: eu consigo!”.

Como confidenciaram ao PÚBLICO, quando se depararam com a beleza da paisagem da Serra da Estrela, sabiam que o sonho deles estava ali, naquele lugar. Tudo fizeram para concretizá-lo. Venderam os bens no país de origem, fecharam os seus negócios, convenceram os pais a alinharem no projecto e, hoje, a Quinta da Portela é o magic place do casal. Com seis estúdios renovados, Jasper e Anthonia vivem essencialmente do turismo, embora também se venham dedicando à agricultura para consumo próprio. Jasper espera, no entanto, poder tirar um rendimento extra dessa actividade no futuro. O casal está mais feliz do que nunca, nesta aldeia com cerca de 200 moradores, que já consideram amigos. Jasper e Anthonia realçam a forma como foram acolhidos pelos habitantes da aldeia e a facilidade com que conseguiram criar uma rede de amigos em tão pouco tempo. “Algo impensável nas grandes cidades”, atira Jasper.

E o projecto do INature aproximou ainda mais os habitantes. À volta de uma programação multidisciplinar, desde música, caminhadas, workshops, conversas, a iniciativa pretende ser “um momento de encontro e partilha”, diz Miguel Vasco. É um convite à criação de novas memórias.

Isilda Mendes, habitante de Ferraria de S. João, concelho de Penela, é, também ela, uma das protagonistas do Pessoas-Mapa. É, sem dúvida, uma das “embaixadoras do território”, como Miguel Vasco qualificou todos os actores dos 40 documentários. “Mais do que embaixadores formais, procuraram-se pessoas comuns com predisposição para falar”, diz o coordenador do projecto. Isilda, com 61 anos, sempre viveu naquela aldeia da Serra da Lousã, “uma aldeia simples mas onde é bom viver porque existe paz”, adianta a sexagenária.

Com pouco mais de 40 habitantes, a aldeia sofre com a desertificação humana. A própria Isilda sente, na pele, as consequências desse fenómeno. Para além das saudades dos filhos que migraram, refere, com nostalgia, as tradições que se vão perdendo e a socialização que é cada vez menor, por falta de gente. Porém, o turismo rural que foi surgindo tem animado um pouco a aldeia. Aos visitantes, Isilda tem dado workshops de pão e de queijo para, como diz, “que as crianças da cidade saibam que o pão que vêem na mesa não nasceu ali. Nasceu da terra, tudo vem da terra”.

E foi pela terra, pela montanha, pela natureza e pela tranquilidade que Pedro Pedrosa decidiu, há dez anos, instalar-se em Ferraria de S. João. O vizinho de Isilda é um dos promotores do turismo rural na aldeia. Aos 40 anos, após 20 anos a viver em Leiria e 20 em Lisboa, Pedro “queria sair da cidade. Era o momento, não adiava mais”, confessa ao PÚBLICO. Foram vários os motivos que o levaram a tomar essa decisão. “Na cidade tinha cada vez pior qualidade de vida”, adianta Pedro. A actividade profissional também permitia ao empresário trabalhar fora da cidade, “como permite a muitas pessoas, mas a maioria não dá o passo”, refere o próprio. Considera que existiu também uma “abertura das zonas do interior para receber novas pessoas, com incentivos económicos para a criação de empregos.” Em termos pessoais, Pedro salienta o facto de “querer que os filhos crescessem num lugar como aquele”.

“As estrelas alinharam-se no céu para vir para a aldeia. Foi uma sucessão de acontecimentos”, menciona o empresário. Comprara umas ruínas em Ferraria, tempos antes, sem sequer ter intenção de ir para lá viver. Quando decidiu sair da cidade, Pedro, que já trabalhava na área do turismo e viu na aldeia de xisto uma possibilidade. Sem quaisquer raízes familiares, foi em Ferraria que decidiu fixar-se. Pedro e a mulher transformaram a ruína para habitação própria, com a valência de Bed & Breakfast. Mais tarde, recuperaram mais três casas, tiveram os filhos e estabeleceram ali as raízes. Porém, o casal não vive apenas do turismo rural. A mulher é professora e Pedro tem uma empresa ligada ao turismo. Porém, o empresário acredita existirem muitas oportunidades de negócio no interior, “para não falar da possibilidade de, actualmente, se poder trabalhar remotamente”, argumenta. Os confinamentos foram a prova disso. Várias pessoas optaram por trabalhar, durante esses períodos, nas aldeias do interior.

As pessoas puxam pessoas

Para combater o despovoamento, Pedro considera que é necessário atrair gente com gente, porque as “pessoas puxam pessoas”, defende. Desvaloriza os incentivos financeiros e preconiza, “desde já, a criação de uma comunidade, com um número mínimo de pessoas. Essas pessoas, dentro dessa comunidade, vão criar sinergias, tanto económicas como sociais, que permitem que se ultrapassem os obstáculos naturais de sair de uma cidade e vir para o campo. Desde logo, a vida social, mas também a própria entre-ajuda. O próprio nível cultural - que as pessoas trazem e muitas vezes não existe no local - que permite interacções culturais, vida social, vida cultural, que de outro modo é impossível porque não há massa crítica.” Achou, por isso, o projecto Mapas-Pessoas interessante. Para Pedro, “tiveram o dom de vir ter com as pessoas e fazer coisas que costumam fazer nas cidades. Trabalharam a proximidade. As pessoas sentiram-se ouvidas, acompanhadas”.

Sentiram-se também vistas e retratadas. O programa Rostografia do Mapas-Natureza está a cartografar e documentar as gentes das aldeias do interior centro de Portugal. Tratam-se de “retratos a preto e branco, acompanhados por textos na primeira pessoa que lançam a debate ideias, projectos e esperanças de crianças, jovens e adultos residentes numa zona onde a beleza natural se preenche com a manutenção de práticas de vida em harmonia com o território”, refere o site do projecto. Miguel Vasco confere ao Rostografia uma filosofia mais casual do que ao Pessoas-Mapas já que é fruto de “breves encontros que registam os habitantes da comunidade.”

Tanto os documentários como os retratos têm sido apresentados, em primeira mão, nos lugares onde foram realizados. Os documentários “só vão para o site (do Mapas-Pessoas) e para as plataformas digitais (facebook, instagram e youtube) depois de projectados ao ar livre, no local”, revela Miguel Vasco. Já os retratos ficam afixados apenas nas localidades os fotografados habitam. “A ideia da proposta era também de podermos ir ali, àquela rua, e percebermos um pouco as caras que estão por detrás daquelas paredes, daquelas portas”, admite o coordenador do projecto. Para além dessa instalação fotográfica, são distribuídos postais com uma frase do retratado.

Quanto ao futuro do projecto, como confidenciou Miguel Vasco, a organização está a “equacionar formas de o poder levar mais além, explorar novos mapas, novos caminhos”.

O Mapas-Natureza contou com financiamento do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), através do Centro 2020 – Programa Operacional Regional do Centro.

De 3 a 5 de Setembro, a próxima paragem do Mapas-Pessoas é em Vouga - Caramulo.

Texto editado por Ana Fernandes

25.8.21

Arcebispo de Évora. “Não podemos aceitar que, para tudo, se tenha de emigrar”

Rosário Silva, in RR

Preocupado com o fenómeno do despovoamento, D. Francisco Senra Coelho pede melhores condições para que os jovens não tenham de sair da região ou do país e defende a descentralização de serviços: “Não falo de uma descentralização despesista, falo de uma valorização das regiões, para que Portugal se consolide num só e não viva nesta situação de desequilíbrio.”

“Neste momento se Portugal fosse um barco, viraria totalmente e não se aguentaria a flutuar, porque a população está toda virada para um lado, numa situação marcadamente desequilibrada.” A afirmação é do arcebispo de Évora, preocupado com o despovoamento que assola a região, confirmado, de resto, pelos resultados preliminares dos Censos 2021, divulgados recentemente.

Em período de férias e a pouco mais de um mês de dar início ao novo ano pastoral, D. Francisco Senra Coelho, em entrevista ao semanário “A Defesa”, da diocese que dirige, fala com preocupação das questões que afetam esta região, que perdeu, numa década, 6,9% da sua população.

“A problemática da desertificação no Alentejo é muito grave”, considera o prelado. “Uma terra despovoada, sem presença humana, é uma terra abandonada, e quando se encerra mais um centro de saúde, uma escola ou um jardim de infância, está-se a dizer, simplesmente, que estamos a levantar o acampamento”, sublinha.

Para D. Francisco, são decisões “irrefletidas e desmotivadoras”, que depauperam a região. “Uma política que marca o seu atuar por estes gestos, não pode dizer que quer promover, aí, a renovação da população.”

Motivos que afastam os jovens da sua região e do seu país, onde “não há um desenvolvimento compatível aos seus sonhos, que lhes ofereça um futuro”, levando-os a partir. “Vão ficando os idosos, as pessoas de meia idade que estão ao serviço da região, marcada por alguma indústria e a resistência dos empresários que cá estão”, alude.

A “revolução agrária” e a falta de mão-de-obra

Nesta entrevista ao jornal da arquidiocese, o prelado fala da “grande revolução agrária” que está a acontecer no Alentejo, com a agricultura a beneficiar da grande barragem do Sul, mas alerta para o problema da falta de mão-de-obra.

“Estamos a ver a paisagem do Alentejo a mudar e sabemos que suscita diferentes opiniões”. Contudo, “isso tem trazido a necessidade de mão-de-obra e a região não tem pessoas para este efeito”.

Por isso, recorda, “foi necessário acolher migrantes em larga escala”, o que abriu portas a outros problemas, como a exploração laboral, uma questão para a qual as dioceses de Évora e Beja já chamaram a atenção das entidades competentes, mas “sem respostas concretas.”

Também ao nível do trabalho social, a falta de pessoas para trabalhar no apoio domiciliário, em residências para idosos ou centros de dia é uma “realidade preocupante”, levando o prelado a concluir que o “fenómeno de não termos capacidade de cuidar da nossa terra é grave”, demonstrando que “não foram tomadas, a tempo, determinadas atitudes”, colocando a descoberto “o abandono da região”.
“Como se consegue travar a diminuição da população quando os jovens partem?”

A pergunta é feita pelo próprio arcebispo, logo seguida da resposta: “a única forma é olhar com interesse para o Alentejo.”

D. Francisco Senra Coelho defende a “criação de condições para as novas gerações”, para que não seja necessária a saída da sua própria terra.

“Não podemos aceitar que, para tudo, se tenha de emigrar. Seja para ir para um lar ou para um hospital” e, “muito menos, para se ter um lar e um futuro”, acentua.

Lembrando as palavras do Papa, “o grito da Terra e dos pobres”, o pastor da diocese eborense afirma que “há muitos gritos de pobres no Alentejo”, como “o grito dos avós e dos pais que veem o lugar dos seus netos e filhos, vazios à mesa”, não sendo mais que “o grito de saudade, de um povo muito arreigado à sua terra.”

O arcebispo de Évora considera que “é necessário discriminar pela positiva o Alentejo e o interior de Portugal”, dando como exemplo o que já acontece com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

“Esta interioridade gera situações que não nos dão as mesmas possibilidades de quem vive num litoral desenvolvido ou numa cidade onde tudo é próximo, onde tudo é acessível”, lembra, apelando a que “Portugal não viva uma centralização” e que sejam trazidos serviços públicos para as capitais de província.

“Não é necessário estar tudo em Lisboa, podemos ter serviços nas diversas regiões com uma razoável e racional forma de aproveitamento de renovação de recursos e de despesas”, defende. “Não falo de uma descentralização despesista, falo de uma valorização das regiões, para que Portugal se consolide num só e não viva nesta situação de desequilíbrio.”

A falta de presença humana “paga-se com a desertificação, com os incêndios ou com o descuido do património”, por isso, D. Francisco pede aos decisores políticos que “o Alentejo seja visto e olhado com cuidado.”

29.11.18

Desamparados – para uma geografia emocional do interior

Álvaro Domingues (texto e fotografia), in Público on-line

Enquanto se questiona a incapacidade de se fechar uma estrada de Borba que se equilibrava, periclitante, no meio de duas crateras gigantes, reaparecem nas notícias, o “país real”, a província, as aldeias, o dito interior. Um espaço de "geografia incerta", hoje administrado “por governos com as finanças apertadas, ultracentralizados, burocráticos e distantes”. Uma reflexão sobre uma parte do país que parece ter calhado "no lado errado do mapa".

Chamam-lhe territórios de baixa densidade. Nada como uma boa expressão tecnocrata para tentar apaziguar este sentimento de que há uma espécie de maldição que caiu sobre o lado errado do mapa, o que se afasta do mar e, da Serra da Peneda ao Guadiana, se estende pela maior parte do território de Portugal.

Portugal, apesar da pequena dimensão, é constituído por um mosaico com variações e contrastes bruscos. Sempre foi. Não é tudo a mesma coisa nessas terras do dito interior. Percorrem-nas vias rápidas, redes de energia, telecomunicações; emergem nesse panorama depressivo uma mão cheia de centros urbanos de pequena dimensão, capitais de distrito quase todos, e um sem número de vilas, sedes de concelho que resistem enquanto não fecharem todos os postos dos CTT, os centros de saúde, as escolas básicas e secundárias, os tribunais, as casas da cultura ou câmaras municipais, quem sabe. A história de como aqui se chegou é conhecida e, resumidamente, pode-se contar assim.

Estávamos no início da década de 1960, governava uma ditadura arcaica e conservadora e a elite pensante e o poder aglomeravam-se em Lisboa, como sempre desde os afonsinhos. A modernização acontecia aos solavancos, descoordenada e na maior parte do território corria a debandada geral da emigração a fugir da pobreza dos campos, da vida rural e dos horizontes curtos. O mau viver desse interior empurrou a gente para o exterior. Nas lendas e narrativas do Portugal romântico e fantasioso, essa era a terra idílica dos camponeses, a mesma que enxameava os livros da Escola Primária, a propaganda do SNI, os concursos das aldeias mais portuguesas, os Guias de Portugal, ou os relatos pitorescos das viagens de férias da burguesia que ia à “província”, narrativas muito distintas daquelas dos que, simplesmente, iam “à terra” quando podiam. Apesar do regime tornar ilegal e dificultar essa sangria emigratória, tinha começado o último episódio do fim da pré-modernidade portuguesa. Algures em França, na Alemanha ou nas Américas organizava-se a vida, trabalhava-se, poupava-se, sonhava-se com o regresso à terra sem a escravatura do trabalho nos campos, os casebres a cheirar a fumo ou a sobranceria dos notáveis que gostavam do povo simples e, sobretudo, barato e submisso.

Quando apareceram os sinais desse regresso – as casas novas – a elite instalada alvoroçou-se. Aqueles novos-ricos estavam a construir umas casas exóticas, perturbadoras daquela paz onde o sino tocava e a torre da igreja branquejava no vale onde antes se cantava na vindima ou na ceifa e os carros de bois chiavam nos caminhos. No 10 de Junho, o da Raça que depois foi de Portugal, de Camões e das Comunidades, baixava o tom e mudava o registo: os emigrantes eram uns heróis que enviavam divisas, punham os filhos na escola e equilibravam a balança de pagamentos do país. No dia a seguir voltava tudo ao mesmo. Entretanto, os filhos deles também partiram, organizaram vida algures e agora os seus pais ou avós já passam mais tempo onde toda a vida trabalharam do que nas casas vazias que semeiam o território das origens.

Houve uma revolução entretanto. Já tardava. Passadas as convulsões iniciais, o país rapidamente integrou a então Comunidade Económica Europeia e o tempo acelerou. Em menos de trinta anos Portugal mudou mais do que em toda a sua longa história. A construção rápida do Estado Social distribuiu infraestruturas, bens e serviços públicos por toda a geografia nacional: estradas e auto-estradas, rede eléctrica, telecomunicações, água, esgoto, escolas, hospitais, universidades, politécnicos, equipamentos culturais e desportivos…, seguindo as políticas sectoriais do Estado Central e apoiando o novo municipalismo democrático.
A unanimidade acerca deste surto de investimento público era praticamente total. Como em qualquer política keynesiana, o Estado investiria, modernizaria o país e os privados viriam a reboque aproveitando essas vantagens e economias externas produzidas para uma sociedade mais desafogada e equilibrada, mais educada e com maior poder de compra, e um território finalmente tornado funcional, desencravado e equipado. Música celestial.

Lá fora o mundo acelerava com o capitalismo neoliberal em modo de desregulação global e a velha Europa entrava na cena a medir forças com os EUA ou as economias emergentes da Ásia. Rapidamente as vantagens da semi-periferia portuguesa (salários baixos, integração na UE e boas dotações infraestruturais) se foram diluindo na vertigem da economia a marchar ao clarim do sistema financeiro e do mundo aberto: algures, salários de miséria e fiscalidade nula; por perto, paraísos fiscais; em lugares remotos, Estados tomados de assalto por interesses privados; jogos sem fronteiras em todos os continentes. A fluidez da cibernética da globalização económico-financeira não se fez acompanhar de nenhum dispositivo político de regulação do que quer que seja à mesma escala.

Estado de coma
Portugal tinha-se democratizado e fundado, a contra-ciclo, um Estado Social. Passado o ímpeto dos investimentos públicos co-financiados pela UE, o tal investimento privado não veio e a saída da população também não parou. O processo de desruralização (a desconstrução do edifício da ruralidade tradicional, das economias familiares de auto-subsistência, das práticas agrícolas ancestrais, das tradições, dos ranchos de filhos, do abandono dos campos) aprofundou-se e ganhou velocidade, em alto contraste com o tempo longo em que permaneceu sem grandes sobressaltos até praticamente ao final dos anos de 1950’. Parece que foi ontem e por isso o país está cheio de presenças materiais desse longo ciclo que agora lentamente se esvaziam e arruínam: casas, caminhos, espigueiros, moinhos, muros, celeiros, campos. Das novas gerações que entraram no ensino superior (este que escreve também é o primeiro diplomado na família, como a maioria dos diplomados na casa dos cinquentas), as primeiras ainda saíram beneficiadas com o ciclo de desenvolvimento do Estado Social; as seguintes sentiram na pele a mudança brusca do clima económico, dos anos duros da troika e do Estado endividado metido na deriva neoliberal a “reestruturar” o sector público, a privatizar, a concessionar. Os governantes diziam aos jovens que emigrassem. Assim fizeram (como sempre, desde há séculos).

Neste turbilhão veloz de construção e desconstrução do Estado Social, de desenvolvimento seguido de crise prolongada, a geografia do país foi-se extremando. Entretanto, o estado ex-empreendedor foi desinvestindo, fechando ali um centro de saúde, acolá um tribunal ou uma escola. As mazelas do centralismo do Estado (e da Administração Pública) dividido pelas capelas ministeriais nem se deu conta que muitas das decisões sectoriais do emagrecimento coincidiam nos mesmos lugares. A folha de cálculo não estava georeferenciada. O certo é que entre o ciclo positivo do Portugal pós-adesão à UE e o país que hoje temos não aconteceu nenhuma reestruturação assinalável na estrutura fortemente hierárquica e polarizada da organização do estado/administração.

O ciclo vicioso — emigração, envelhecimento, quebra da natalidade, despovoamento, escassez de oferta de emprego —, deixou a maioria do país em estado de coma. A rapidez do processo provocou um certo atordoamento. Chega a haver escolas novas para alunos que não há; sem os serviços de apoio aos idosos que são cada vez mais, e mais fragilizados e ainda mais idosos. O paradoxo é que mesmo onde há investimentos agrícolas fortes — Douro Vinhateiro, perímetros de rega do Mira e do Alqueva —, a saída de população continua e o emprego não aparece. Para os trabalhos sazonais dessa nova agricultura hipertecnológica — o agro-negócio —, aparece gente do longínquo Nepal para jornas onde no tempo da miséria apareciam os trabalhadores das migrações internas, os “ratinhos” e as “rogas” da ceifa e da vindima. A globalização é a lei do dinheiro que faz dinheiro, seja com as tecnologias, com o trabalho, com as mercadorias, com o transporte, com a finança. São os mercados. A regulação dos sistemas económicos no contexto dos Estados-nação desbordou e explodiu. A centralidade do Estado na condução das políticas sectoriais ou territoriais afundou-se com a dívida, com o canto da sereia neoliberal, com uma exagerada distância entre governo central e municipal e respectivos orçamentos e competências. Com os sectores estratégicos privatizados — desde a energia, aos correios e às telecomunicações — e a penúria para financiar os sistemas básicos do Estado Social como a justiça, a saúde, o ensino e a segurança social, pouco fica para, através das políticas públicas, orientar o que quer que seja.

Futebol, sempre
Por isso o povo se sente desamparado. Umas vezes é cidadão e reclama direitos e Estado de Direito; outras vezes é utente, protesta e assina petições nas redes sociais; na maior parte das vezes é apenas cliente: se tem dinheiro, compra, se não tem, não tem. Na ditadura havia o Estado paternalista, autoritário e somítico; depois houve uma democracia generosa e agora há os governos com as finanças apertadas, ultracentralizados, burocráticos e distantes. Os orçamentos municipais continuam escassos e a descentralização emaranha-se em discussões inúteis. Pela política adentro entrou uma retórica poderosa que se perde em adjectivos e causas de que não se percebem as vantagens para a vida de todos os dias — tudo será sustentável, verde, património, resiliente, coeso, empreendedor, empoderado, comunidade, participado, ambientalmente saudável, descarbonizado, inteligente…, e tudo o mais que é articulado neste latim pastoso, no inglês andadeiro ou em algoritmos tecno-burocráticos. Para variar, um tema fracturante sobre género, sociedade da informação, protecção da natureza ou mobilidade suave. Futebol, sempre.
Por isso este mal-estar quando tudo arde, quando desabam estradas e barrancos, quando morrem famílias, quando a TV (cada vez mais irreal) vai ao país real, quando ao lado do último cosmopolitismo lisboeta do Web Summit ou de mais um escândalo envolvendo milhões, políticos profissionais, bancos e negócios, aparecem as notícias avulso da província, das aldeias, do interior, ou de qualquer outro nome que tenha esta geografia incerta do Portugal metido nas névoas ou amacacado em regionalismos e tipicismos para o turismo rural e para a vertigem da circulação das imagens nas redes e nas vidraças dos telemóveis.

Dissonância cognitiva é o nome que se dá a certas patologias psicológicas caracterizadas pelo conflito derivado da percepção de coisas ou situações que surgem em simultâneo e que parecem muitas, inconsistentes, contraditórias, anacrónicas, difíceis de ponderar ou de avaliar segundo os esquemas simplificados que existem para as entender.

É por isso que estou sempre a lembrar-me de um escrito que estava na porta do gabinete de uma minha professora: teoria é quando sabemos tudo mas nada funciona; a prática é quando tudo funciona mas não sabemos porquê; aqui, juntamos teoria e prática: nada funciona e não sabemos porquê (mas vamos fazer um inquérito, uma averiguação, uma nova legislação, umas multas, uma comissão parlamentar, uma política de mitigação de risco, um sistema de alerta, um abaixo-assinado, um dia nacional sem desastres, uma missa cantada, um site, um workshop…). Como dizia François Ascher a propósito da sociedade hiper-moderna, face a estes acontecimentos que nos ultrapassam, façamos de conta que os organizamos.

23.12.15

Boticas atribuiu mil euros por criança e 50 euros mensais até completarem 3 anos

In "Sic Notícias"

Em Boticas, no distrito de Vila Real, a autarquia está a dar mil euros por cada bebé que nasça no concelho e ainda um apoio mensal de 50 euros até completarem os 3 anos. Para este concelho do interior a medida é importante, mas o problema da desertificação tem de ser encarado com projectos a nível nacional.

7.5.15

Quase 80% do território em situação de seca moderada

in Jornal de Notícias

Quase 80% de Portugal continental encontra-se em situação de seca meteorológica moderada e 3,4% do território regista seca severa.

De acordo com o boletim climatológico de abril do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, "a 30 de abril, e segundo o índice meteorológico de seca (PDSI), verificou-se um aumento significativo da extensão e da intensidade da seca meteorológica, estando cerca de 17,6% em seca fraca, 79% em seca moderada e 3,4% em seca severa".

O IPMA adiantou que nos últimos cinco meses os valores da quantidade de precipitação mensal têm sido sempre inferiores ao normal, pelo que se mantém a situação de seca em todo o território do continente, sendo as regiões do norte e centro as mais atingidas.

No boletim, o IPMA explicou que a seca está a ser provocada pela falta de chuva, que tem sido inferior ao que é normal.

De acordo com o boletim, o mês de abril foi muito quente e seco, sendo o valor médio da quantidade de precipitação (59,4 milímetros), foi inferior ao valor médio (78,9 milímetros).

"O valor médio da temperatura média do ar, (15,08°C) foi superior ao valor normal em mais 1,92°C, sendo para o mês de abril o terceiro valor mais alto dos últimos 18 anos (valor mais alto em 2011, 17,1°C).

O IPMA indica também que o valor médio da temperatura máxima do ar corresponde ao segundo valor mais alto dos últimos 18 anos (valor mais alto em 2011, 23,08°C).

No boletim climatológico, o IPMA revela que nos primeiros dias do mês verificou-se um período muito quente, com valores muito altos da temperatura do ar, em particular da máxima, verificando-se a ocorrência de uma onda de calor que se iniciou em 27 de março e terminou a 7 de abril.

Esta onda abrangeu quase todo o território do continente, com exceção do sota-vento Algarvio e da região oeste entre o Cabo Carvoeiro e Setúbal.

O valor mais elevado de pressão atmosférica foi registado no dia 2 de abril em Alcácer do Sal, distrito de Setúbal, (32,9 graus).

11.6.13

“Olhem para o Interior! Não somos um problema, somos uma solução”

por Olímpia Mairos, in RR

Autarca de Miranda do Douro vê no seu concelho potencial suficiente para ajudar o país a sair da crise e desafia o Governo a uma visão alargada sobre o território nacional.

O presidente da Câmara de Miranda do Douro apela ao Governo que olhe para o interior como uma solução para a recuperação do país. “A recuperação do país não é apenas um conceito financeiro, não se faz apenas a partir de Lisboa, mas sim a partir de pequenas iniciativas e da aposta nos produtos endógenos”, defende o autarca em declarações à Renascença.

Artur Nunes defende que é chegada a hora de o Governo tomar consciência das potencialidades do interior do país e apoiar as iniciativas que estão a surgir na região.

“Nós podemos dizer ao país e ao mundo que a Terra Fria é grande nos produtos que tem, na qualidade que tem”, salienta, referindo “nós não somos um problema, como nos querem dizer de Lisboa; nós somos uma solução para a recuperação do país”.

O autarca considera que o desenvolvimento do país começa pelo interior, onde existem pequenos produtores e iniciativas capazes de contribuir para o desenvolvimento do concelho, da região e do país.

“Olhem para nós a todos os níveis e apoiem-nos”, desafia o autarca, assegurando que a região é um exemplo "ao nível agrícola, da produção animal, dos produtos cinegéticos e da cultura”.

A ideia de Artur Nunes passa por exportar para o resto do país e para todo o mundo os produtos endógenos produzidos na região, mas para isso precisa do apoio do Governo, de modo a “fixar jovens e investimento”, refere o autarca.

Lança, por isso, um repto ao Executivo: “Olhem para nós. Não somos um problema, somos uma solução para ajudar o país a sair da crise”.

16.7.12

O país está a fechar nas zonas longe do poder

in Jornal de Notícias

As sucessivas políticas de encerramento de serviços públicos penalizam sobretudo os distritos interiores do Norte e do Centro. É o Estado a fechar-se ao Interior e a recuar nas funções sociais.

É uma tripla ameaça: perderam escolas, serviços de saúde e estão na iminência de ficar sem tribunais. A investigação realizada pelo JN identificou 27 concelhos nestas circunstâncias, onde as populações têm dificuldade crescente no acesso aos serviços públicos que garantem direitos fundamentais: Educação, Saúde e Justiça.

Foram as maternidades, as urgências, as consultas à noite, as extensões de saúde nas localidades mais recônditas, as escolas primárias isoladas, primeiro com menos de dez alunos e, mais recentemente, com menos de 21.

25.3.12

Desertificação avança 317 campos de futebol por dia

Alfredo Maia, in Jornal de Notícias

Sinais de alerta: incêndios deixaram o solo escalavrado, com pedregosidade extensa


Já não é uma previsão. Nos últimos 20 anos, mais de 23 mil quilómetros quadrados de terra, à razão de 317 campos de futebol por dia, ficaram suscetíveis à desertificação, que já atinge 62% de Portugal.

Até no Norte, que no nosso imaginário está longe de ser um Sul "ameaçado pelo deserto do Norte de África", a área suscetível à desertificação já representa quase 30% da superfície. No Alentejo, o problema atinge praticamente 100% do território (ver infografia) e está a agravar-se com o aumento da frequência das secas.

"Por isso andamos a chamar a atenção para o que está a acontecer, porque já está a acontecer com as alterações climáticas", exclama o presidente da Comissão Nacional de Coordenação de Combate à Desertificação, Lúcio do Rosário.