26.6.17

A comunidade cigana – mitos e realidades

Por Fernando Antunes, in Abril

O primeiro estudo sobre as comunidades ciganas em Portugal aponta para a existência de 37 mil pessoas, sendo que 91,3% não tem o 3.º ciclo do Ensino Básico. Todavia, sendo este o primeiro estudo com uma natureza mais formal é de admitir que possam existir mais alguns milhares.

Seja como for, o seu diminuto número face ao conjunto da população deixa cair alguns mitos que por aí circulam. Afirmar isto não significa que se ignorem problemas e dificuldades, desde logo quanto à sua forma de estar no espaço público.

A verdade é que se nada resolve procurar «tapar o sol com a peneira», é certo que também nada resolve, antes pelo contrário, não valorizar e destacar o que de positivo é possível assinalar e registar. Por exemplo, há indicadores que apontam para o facto de 95% das crianças ciganas cumprirem o Plano Nacional de Vacinação. E, a importância deste dado está muito para além dos estritos aspectos de saúde, o que já não seria pouco olhando casos e polémicas recentes.

A sua importância é revelar a existência de ligação com as instituições, elemento-base para a possibilidade de abrir outros caminhos que, neste como noutros casos, terão de ser construídos com os próprios.

Não sendo propósito desta abordagem entrar pelo detalhe, anotava três aspectos:

O primeiro, o tão falado Rendimento Social de Inserção (RSI). Em 2015, o número de beneficiários do RSI era de cerca 296 mil pessoas, com um valor médio de 94,84 euros, sendo que cerca de 100 mil tinham 18 ou menos idade. Não havendo, e bem, registos segmentados, calcula-se que a comunidade cigana constitui somente 7% desse total de beneficiários.

Para mais de 50% dos abrangidos pelo estudo acima referido, o RSI foi o factor que fez regressar ou manter na escola as crianças, aspecto de grande importância para o processo de socialização. Haverá casos de fraude? Porventura haverá, mas a comunidade cigana não têm o exclusivo nesta matéria. O valor social do RSI, para além de outros aspectos, é de uma importância incalculável como contributo para uma política de inserção das crianças na escola.

O segundo, a questão do casamento e da habitação. A endogamia1 marca a relação entre os ciganos e isso favorece os casamentos precoces.

Do estudo referido, dois terços dos ciganos casaram antes dos 19 anos e 16%, fizeram-no entre os 12 e os 14 anos. A tradição conduz, em muitos casos, a que a rapariga vá viver para casa do rapaz (nunca o inverso), acabando por se constituírem famílias alargadas. Este é um elemento que importa ter presente na resposta às questões de habitação.

Mas o referido estudo anota que os interpelados, quando questionados sobre quem não queriam ter como vizinho, responderam: «outros ciganos». Isto conduz à desmistificação da ideia de que «são todos ciganos, dão-se todos bem, ficam todos juntos», seguindo um falso critério de homogeneização, como se fosse um conjunto indistinto. Tais critérios só podem conduzir à criação de bairros estigmatizados e, por outro lado, à potenciação dos factores que dificultam o estabelecimento de outras regras de relação social.

Por fim, os aspectos ligados com o espaço público, um dos principais, se não mesmo o principal problema potenciador de mal-estar e conflitualidades. Em locais de concentração de comunidades ciganas é comum a existência de muito lixo no espaço público envolvente.

Todavia, dentro de casa reina a limpeza, mesmo para os que vivem em barracas. Estamos em presença daquilo que a professora Teresa Costa Pinto sintetiza como «gosto pela casa, desgosto pelo bairro». Conforme referido atrás, a concentração das comunidades não ajuda à resolução do problema, ao contrário, aumenta-o exponencialmente.

O problema da deposição de lixo requer especial atenção, tendo presente que uma das principais actividades são as feiras, logo há mais cartão, embalagens, etc. Aliás, o mesmo acontece em bairros com concentração de comunidades africanas, nalguns casos com pequenas hortas, com plantação de milho e a sua desfolhagem, com tradições festivas próprias, etc.

Pretender tratar igual o que o não é, só pode ter um resultado. Ao contrário, terá de ser a partir da realidade concreta e do positivo que essas comunidades contêm, e é muito, que as soluções para um desenvolvimento harmonioso devem ser construídas. Os exemplos da Quinta do Mocho (Loures) ou do Bairro da Bela Vista (Setúbal) estão aí para o ilustrar.