10.5.19

Alejandro Aravena: “A casa é uma ferramenta contra a pobreza”

Valdemar Cruz, in Expresso

Arquiteto chileno, Prémio Prtizker, esgota casa da Música, no Porto, com conferência sobre estratégias de construção em países pobres e para pessoas sem recursos, a fechar congresso internacional sobre habitação acessível

O problema da habitação económica é já um dos desafios maiores, não apenas para os arquitetos, como para a prossecução de políticas públicas capazes de encontrarem solução para uma realidade cada vez mais desafiante para a sociedade contemporânea. Há dois mil milhões de pessoas a precisarem de casa nos tempos mais próximos. A maioria vive em países pobres e dispõe de escassos ou nulos recursos.
Como resolver o problema, que não será apenas daquelas pessoas em concreto, mas da sociedade no seu todo, face aos dificuldades inerentes à ausência de uma casa que seja algo mais que uma espécie de frágil abrigo contra intempéries, é a grande resposta que terá de ser encontrada, mesmo se, como dizia Alejandro Aravena ao princípio da noite desta quarta-feira na casa da Música, “o desafio da habitação acessível continua a estar na periferia da arquitetura”.

E quando fala em “habitação acessível”, Aravena, 52 anos, Pritzker de Arquitetura em 2016 e curador da Bienal de Veneza no mesmo ano, está mesmo a referir-se a casas realmente baratas, cujo preço, com terreno incluído, pode oscilar entre pouco mais de €6 mil e perto de €20 mil.

A encerrar o congresso internacional “Habitação acessível. O legado do século XX. Aprendendo com o passado. Que futuro?” numa Sala Suggia da casa da Música, no Porto, a abarrotar de gente, o chileno explorou a experiência do seu gabinete, que ao longo dos anos se distinguiu pela qualidade das soluções apresentadas num ambiente de escassez e em que uma das partes mais importantes do trabalho passa pela identificação dos problemas e reais necessidades das pessoas.

Não por acaso, logo a abrir a conferência, e após ter realçado a qualidade da arquitetura portuguesa, ao ponto de, enquanto curador da Bienal de Veneza ter tido necessidade de afastar alguns arquitetos portugueses, porque havia demasiados na seleção feita, Aravena sublinhava que “uma das chaves passa por deixar de olhar para as pessoas como parte do problema, já que podem transformar-se em parte da solução” se houver uma aposta nas soluções corretas, de modo a que a junção dos arquitetos possa proteger a conceção das casas.

Para situar a audiência, o chileno descreveu uma experiência elucidativa sobre o que significa falar de habitação social. Depende do contexto onde estejamos inseridos. Assim, referiu, ao “googlar” “social housing” deparase-lhe todo um universo e um conjunto de soluções habitacionais próprias de um mundo, o da Europa ou mesmo dos EUA, que está nos antípodas do resultado obtido quando procura “vivenda social”. Um simples olhar para as imagens proporcionadas por cada uma das buscas põe a nu as assimetrias e a diversidade de realidades vividas em cada um daqueles “mundos” em termos de oferta habitacional acessível.

E se não há dinheiro?
É hoje mais ou menos consensual que, diz o arquiteto, “é possível viver razoavelmente com 80m2 para uma família de classe média”. O problema é consubstanciado numa pergunta decisiva: e se não há dinheiro?
Nesse caso, prossegue Aravena, “podem ser adotadas duas estratégias: ou reduzir o tamanho das casas, ou expulsar as pessoas para as periferias, onde o terreno não tem valor”.
Pensa-se em casas mais pequenas, porque uma das razões das migrações massivas para as cidades passa pela ambição de beneficiar de tudo quanto proporciona a cidade. Quando a vida tem de ser feita na periferia, os níveis de pobreza aumentam e torna-se mais difícil o acesso ao emprego, por exemplo.

Então, como referia Aravena, “quando falamos de uma pequena casa, falamos mesmo de casas muito pequenas, com um máximo de 40m2”. Aqui há uma questão a considerar, e que será decisiva para o posterior trabalho desenvolvido pelo gabinete do Prémio Pritzker. Acontece que “se não se consegue entregar 80m2 as pessoas vão encontrar forma de construir a diferença entre o que se oferece com os fundos públicos (40 m2) e os 80m2. É um facto. Acontece, mesmo que não se queira”. Com uma consequência decisiva. Se essa autoconstrução é feita sem qualquer linha indicadora, sem qualquer referência, o resultado será desastroso, até mesmo em termos de aspetos decisivos de segurança num país sísmico como é o Chile.

O que se passa é que “as casas que vão sendo contruídas à medida das possibilidades, com o processo de expansão a ser feito com materiais e processos de baixa qualidade”. Não por acaso, grande parte das vítimas do último terramoto do Chile aconteceram nestas casas cujos aumentos foram feitos sem qualquer controlo.

O processo de expansão tende a ser a parte mais difícil da construção. O grande desafio passou a ser a necessidade de deixar no projeto as estruturas que vão permitir essa evolução à medida que melhoram as possibilidades económicas das famílias. Ou seja, e Aravena mostrou imagens com múltiplos exemplos, adota-se um modelo de casa potencialmente elástica. Começa por ser construída uma área habitável de 40m2, mas toda a estrutura da casa fica desde logo pensada, designadamente com telhado, para a possível extensão para o dobro.

Esse aumento vai acontecer à medida que a família encontra os rendimentos que o possibilitarão. Foram, por isso, inúmeras as imagens de bairros em que surgiam casas já com a volumetria total, e ao lado, outras que permanecem com os 40m2 iniciais, mas prontas a expandirem-se. “Se não há dinheiro suficiente, façamos agora o mais difícil, e criemos as condições para que no futuro as famílias possam desenvolver a casa”, referiu o arquiteto.

Os 40m2 iniciais surgem como solução de compromisso. Até porque, acentuou Aravena, “a questão chave da habitação económica não é quantos metros quadrados, mas onde” situar a casa. Desde logo “porque a localização não pode ser mudada pela família ao longo do tempo”, enquanto o tamanho, sim. Pode ser alterado.


O poder da casa

Por definição, afirmou ainda o arquiteto, com a posse de uma casa “esperamos que valorize ao longo do tempo”. Se isso acontece, ao contrário do que sucede com os carros “a casa pode ser vista como um investimento e não como uma despesa social”.

É neste contexto que o Pritzker defende que a casa “pode funcionar como uma ferramenta contra a pobreza. Se a família vê crescer o valor da sua casa, pode usar isso como instrumento para pedir um empréstimo” que lhe vai proporcionar eventualmente outras condições de vida.

Na parte final da conferência, Alejandro Aravena realçou a importância da “Operación Sitio”, criada em 1965 em resposta à emergência causada pelos temporais. Mais tarde converteu-se numa via formal para dotar de acesso à habitação a população com menos recursos. No essencial, tratava-se de conceder empréstimos para a compra de lotes unifamiliares urbanizados e ligados à cidade, onde as populações construiriam as suas casas.
Com o Governo de Unidade Popular, presidido por Salvador Allende (1970-1973), determina-se que a casa é um direito irrenunciável da população e determina-se que é obrigação do Estado proporcionar casa ao seu Povo e ela não pode ser objeto de lucro.

Após o golpe de Estado de Pinochet, em 11 de setembro de 1973, a casa deixa de ser um “direito irrenunciável” das populações e passa a ser considerado um direito que de adquire com esforço e poupança. À medida que avançam as teorias neoliberais, aplicadas com especial intensidade no Chile de Pinochet, o Estado passa a assumir um papel meramente subsidiário na habitação social, em benefício das empresas privadas de construção.