6.10.07

Cavaco Silva quer que sejam as comunidades a gerir as escolas

Joana Ferreira da Costa, in Jornal Público

Presidente da República quer novo modelo escolar onde participem pais, empresários e autarquias e quer papel do professor prestigiado

Marques Mendes tem preconizado uma filosofia de gestão das escolas muito semelhante à defendida ontem por Cavaco Silva


O Presidente da República, Cavaco Silva, defendeu ontem "um novo olhar" sobre a escola, que deve envolver cada vez mais a sociedade civil e cuja gestão deve ser gradualmente entregue às comunidades. Uma autonomia do ensino que é uma das bandeiras do PSD, que ontem não esteve representado na cerimónia.
No discurso que marcou as comemorações dos 97 anos da Implantação da República, nos paços do concelho, em Lisboa, Cavaco Silva considerou que a educação deve ser alvo de "uma estratégia nacional" que passa por um novo modelo escolar aberto à comunidade envolvendo pais, autarquias ou empresários e em que o professor veja o seu estatuto prestigiado.

"Ao fim de quase um século de existência, temos de reconhecer que a República não conseguiu resolver a principal causa do nosso atraso estrutural: as deficiências na educação das crianças e dos jovens", reconheceu o chefe de Estado.

A estratégia de Cavaco Silva para inverter a situação exige "um novo olhar sobre a escola, sobre o modelo escolar construído à luz da ideia da inovação social". E passa por um novo tipo de envolvimento nas escolas da sociedade civil.

Cultura de auto-exigência

O novo modelo exige uma participação mais ampla dos pais, que não podem continuar a ver as escolas como "fábricas de ensino" e a limitar a sua participação à compra dos livros escolares, a "assistir de vez em quando a reuniões ou transportar os filhos à escola".

"Há toda uma cultura de auto-exigência que deve ser estimulada nos pais, levando-os a envolver-se de forma mais activa na qualidade do ensino", defendeu. É preciso acabar com a ideia de que a educação é uma tarefa que "compete sobretudo aos outros", insistiu.

O presidente quer que a comunidade "tenha a escola como centro"., cabendo às autarquias assumir maiores responsabilidades. "A gestão das escolas deve ser gradualmente entregue às suas comunidades", disse Cavaco, acrescentando que também as organizações não-governamentais e a classe empresarial devem participar de forma mais directa nas escolas.

Uma filosofia de abertura e autonomia de gestão das escolas que tem sido uma das palavras de ordem do ex-líder do PSD, Marques Mendes. Os sociais democratas apresentaram há um ano no Parlamento um diploma de reforma da gestão das escolas do ensino básico em que o director dos estabelecimentos seria escolhido por uma assembleia onde, além dos pais, tinham assento representantes do meio cultural, empresarial e económico envolvente. O diploma acabaria por ser chumbado pela esquerda, precisamente devido a este processo de nomeação de directores.
Ontem o PSD não esteve representado na cerimónia. "A liderança do PSD não esteve representada porque não tinha conhecimento de nenhum convite", afirmou o assessor do partido. Por sua vez, a CML garante que todos os líderes partidários foram convidados, uma situação que fontes do PSD atribuem "a uma confusão", numa altura em que o partido está numa fase de transição para a nova liderança.

Prestigiar os professores

No seu discurso, Cavaco Silva não esqueceu os professores. O Presidente defendeu que a figura do professor "deve ser prestigiada e acarinhada pela comunidade, o que requer, desde logo, a estabilidade do corpo docente". E lembrou que a dignidade da profissão depende do "respeito e admiração que os professores são capazes de suscitar na comunidade educativa, junto dos colegas, dos pais e dos alunos".

Declarações entendidas como um aviso ao Governo, já que "os atropelos à dignidade dos docentes" e o desprestígio da profissão têm sido uma das acusações mais ouvidas à política socialista entre os sindicatos do sector. Mas que, contrariamente, o primeiro-ministro José Sócrates considerou serem de incentivo à política seguida pela ministra da educação. "O Governo não ataca os professores", afirmou aos jornalistas, aconselhando-os a não confundirem "professores com sindicatos". E salientou que o Presidente alertou para a necessidade de estabilidade do corpo docente na comunidade, área onde o Governo já actuou ao lançar os concursos de colocação de professores de três em três anos.

Degradação das escolas

Em sintonia com Cavaco Silva esteve o presidente da autarquia, António Costa, que anunciou um programa de qualificação dos estabelecimentos do pré-escolar e primeiro ciclo, metade dos quais funcionam "sem condições mínimas de dignidade".

O autarca reconheceu ontem que a situação de degradação das 150 escolas públicas da cidade é mais do que preocupante, já que apenas quatro por cento "são de qualidade". A situação no primeiro ciclo não é mais famosa: das 90 escolas do primeiro ciclo, 44 estão em muito mau estado de conservação.

"As condições nas escolas de Lisboa estão, portanto, longe de garantir um local digno de aprendizagem", sublinhou António Costa, garantindo que irá avançar já no próximo ano com o programa de qualificação para o pré-escolar primeiro ciclo, que será continuado depois em 2011/2112.

Um programa que, dada a situação financeira do município, obrigará "a um grande esforço e selectividade no investimento".