18.10.07

Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza - 64 milhões de euros para causas sociais

Sérgio Pereira Cardoso, in Correio da Manhã

Sessenta e quatro milhões de euros. Na prática, foi esta a quantia que o padre José Maia pediu ontem ao Governo que direccionasse para causas sociais. O local e o timing da solicitação não terão sido escolhidos ao acaso pelo presidente da Fundação Filos.

Aconteceu em plenas jornadas intituladas ‘Nova Geração de Respostas Sociais – O Terceiro Incluído’, que abrangeram a apresentação e declaração de princípios da plataforma ‘Compromisso com a Inclusão’, projecto que reúne várias organizações e que visa ajudar as pessoas e populações que vivem uma particular situação de vulnerabilidade, como idosos e consumidores de droga.

Quanto ao timing, justifica-se pela especificidade do pedido do padre, que ao solicitar “um por cento dos 640 milhões que o Estado vai receber no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN)”, fê-lo exactamente no dia em que esse adiantamento de fundos comunitários para Portugal foi concretizado em papel, no Centro de Congressos de Lisboa, com a presença do primeiro-ministro José Sócrates e do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

“O que peço é simplesmente que se gaste menos dinheiro em rotundas e piscinas e que se possibilite mais fundos para ajudar causas sociais”, rematou José Maia, aproveitando a comparência de Isabel Oneto, governadora civil do Porto, a quem direccionou a solicitação.

Esta tinha acabado de discursar e acabou por não responder directamente ao padre José Maia. Ainda assim, ficaram das palavras da governadora civil, os elogios à iniciativa levada a cabo ontem, no CACE Cultural do Porto. “Se não houver uma resposta em relação à procura de valores como a justiça e a solidariedade, a sociedade vai-se deteriorando”, apontou Isabel Oneto, que incentivou ainda a acção das diferentes organizações: “É muito importante que a sociedade civil continue a fazer este levantamento de situações complicadas.”

Da plataforma apresentada ontem, que tem como campo de actuação os concelhos da Área Metropolitana do Porto, destacaram-se os projectos de residências partilhadas para idosos e de centros de acolhimento e abrigo para toxicodependentes, sendo estes os principais alvos da ajuda do ‘Compromisso com a Inclusão’, visto serem “pessoas a quem não é permitido o exercício pleno da cidadania”.

'ZÉ MANEL', UM CASO DIFERENTE

‘Privilegiar a pessoa’. Este poderia ser o lema da Associação Piaget para o Desenvolvimento (APDES), tal a convicção com que é dita por José Queiroz, responsável da entidade.

E a verdade é que a mensagem tem sido bem aceite e a melhor prova desse facto dá pelo nome de José Manuel Fernandes, toxicodependente em tratamento que foi apoiado pelo GiruGaia, equipa de rua da APDES que ajuda os consumidores de droga.

Hoje, ‘Zé Manel’, como é conhecido por todos, tenta ultrapassar o seu problema e tem como principal objectivo contribuir para o crescimento de uma nova associação que defende os interesses do toxicodependente: a CASO, ou seja, Consumidores Associados que Sobrevivem Organizados.

Nas jornadas de ontem, ‘Zé Manel’ concentrou todas as atenções dos presentes e viria a receber o maior aplauso da manhã no CACE Cultural do Porto. Foi o testemunho de um toxicodependente que subiu ao palanque para contar o seu passado e revelar os seus sonhos de futuro.

“Quero lutar pela pessoa que está em cada toxicodependente e da qual muitos se esquecem. Há muito mais para lá do vício e é contra esse estigma que a CASO se revolta”, revelou quem tem o 12.º ano de escolaridade e trabalhou como dactilógrafo até ser despedido, devido aos problemas com a droga.

Inspirados pelo holandês Theo Von Dam, que já ajudou a fundar mais de 50 associações de defesa dos consumidores de drogas em toda a Europa, ‘Zé Manel’ e os companheiros da CASO querem funcionar como a mão salvadora para muitos toxicodependentes. “Temos de acreditar nas capacidades de todos os seres humanos”, afirma ‘Zé Manel’, deixando também críticas a certos esquecimentos em relação aos consumidores de drogas: “Há várias campanhas a criticar quem maltrata os imigrantes, os homossexuais, mas ninguém fala no toxicodependente.”

Aos 34 anos, ‘Zé Manel’, que já foi co-autor, com mais outras 19 pessoas, de um livro intitulado ‘Laços de Palavra’, tem também como objectivo de vida licenciar-se em Economia.

EXCLUSÃO E POBREZA EM RITMO HIP HOP

Além da apresentação da plataforma ‘Compromisso com a Inclusão’, a manhã de ontem no CACE serviu também para a concretização de um protocolo entre a Fundação Filos, o CM e a Associação Sementes de Rua, que tem como objectivo a realização de um concurso de hip hop, quer na vertente rap quer na de graffiter.

O documento foi assinado pelo padre José Maia, presidente da Fundação Filos, Octávio Ribeiro, director do CM, e por Nuno Costa, um jovem representante da Sementes de Rua, associação nascida em Novembro de 2006.

O concurso, a nível nacional, subordinado ao tema ‘Pobreza e Exclusão Social em Versão Hip Hop’, foi aplaudido por Octávio Ribeiro, que garantiu que o CM estará sempre ao lado deste tipo de acções. “Quando o cidadão é desfavorecido, o CM está com o cidadão. Há projectos com grande qualidade. Só falta mudar o tempo verbal do condicional para o futuro”, afirmou.

Já para Nuno Costa, em representação da Sementes de Rua, esta é uma “oportunidade fantástica para dar visibilidade nacional a uma actividade que continua a ser vista de lado e mal entendida”. Sobre o concurso, Nuno Costa pouco pode adiantar, esperando apenas que tenha uma “grande adesão em todo o País”.

NOTAS

VERGONHA

Cavaco Silva inaugurou o Banco de Bens Doados, em Lisboa, e disse que os números da pobreza, entre os piores da Europa, o deixam envergonhado.

ACORDAR

Centenas de universitários deitaram-se ontem numa cama gigante, em Lisboa, para minutos mais tarde “despertarem juntos contra a pobreza”.

BANHO

Balneário público de Alcântara, em Lisboa, permite uma média semanal de 500 banhos grátis, 300 a homens e 170 a mulheres, na sua maioria sem-abrigo.

ESCOLAS

Perto de 700 alunos das escolas do Ensino Básico e Secundário de Santiago do Cacém juntaram-se à iniciativa ‘Levanta-se Contra a Pobreza’.

INCISIVO

Júlio Magalhães, moderador de um dos debates da manhã de ontem, deixou também a sua crítica. “É pena que estas associações tenham que mendigar apoios para fazer o que outros, que deviam fazê-lo, ignoram. Isto num País em que os 200 mais ricos, lá continuam cada vez mais ricos”, desabafou.

APONTAMENTOS

14 por cento dos portugueses que tinham emprego, em 2004, estavam em risco de pobreza. Na União Europeia a taxa era de oito por cento.

24,9 por cento é a percentagem de despesa com a protecção social em relação ao PIB em Portugal. Na UE, as despesas contabilizavam 27,3 por cento do PIB.

24 por cento dos jovens com menos de 16 anos portugueses estavam em risco de pobreza em 2005. No conjunto da UE, a taxa era de 19 por cento.