Céu Neves, in Diário de Notícias
Crise. Bispos denunciam dificuldades económicas em mensagens natalícias
Prelado destacou as crianças e pobres envergonhados
O Bispo de Setúbal alertou, ontem, para o aumento de pobres no distrito e para o fenómeno de pobreza envergonhada que se vive na região. Em entrevista à Rádio Renascença, D. Gilberto Canavarro dos Reis denunciou, em particular, a situação de crianças que apenas fazem a refeição diária que é fornecida na escola.
"Há escolas em que me dizem que, se não fosse a refeição que as crianças comem na escola, ficariam praticamente sem comer. Umas vezes por falta de recursos e outras por descuido, essa situação acontece e em mais do que um lugar", sublinhou o bispo. Outra fenómeno que ilustra as dificuldades económicas que vivem os setubalanses, na opinião do bispo, é a pobreza envergonhada. "(...) há situações de uma pobreza envergonhada que faz com que as pessoas arranjem estratagemas" para sobreviver e, muitas vezes, usam como estrategema "esconder as suas necessidades passando mal", referiu.
O cenário referido por D. Canavarro Reis lembra anteriores ciclos de crise-económica vividos no distrito. O facto da maioria da população trabalhar em grandes e pequenas industriais locais, auferir baixos salários e não ter outros recursos económicos faz com que sejam particularmente vulneráveis às flutuações da economia, explica o bispo resignado de Setúbal, D. Manuel Martins. Por isso, a situação não o surpreende, embora salienta que as dificuldades financeiras existam em todo o País.
O actual bispo de Setúbal aconselhou os mais atingidos pela crise a terem esperança, a não cruzarem os braços e a não se calarem. "Eu diria a estas pessoas que estão pior que gritem. Não fica mal a ninguém gritar. Ficar em casa sem comer ou ficar em casa desesperado é o pior que pode acontecer. Gritem e Deus, através desses gritos, está mais próximo do que se poderia imaginar e estou certo que lhes dará resposta".
D. Canavarro não foi o único a manifestar-se esta Natal sobre as dificuldades dos mais pobres, 18% da população segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística.
Também o bispo de Aveiro abordou o tema na mensagem natalícia: "Somos chamados a viver em tempo de crise económica e financeira, de empresas a fechar, de desemprego a aumentar, de posições extremadas entre pessoas e grupos, de diálogos interrompidos, de pobres a quem tudo falta, de gente sem pão, sem casa, sem trabalho".
D. António Francisco dos Santos defendeu, no entanto, que a maior pobreza é a falta de esperança "já visível em tantos rostos tímidos e envergonhados". E pediu à diocese de Aveiro que nos próximos cinco anos a "Igreja renovada na caridade e na esperança no mundo".
D. Manuel Martins junta-se às vozes que alertam para a pobreza no País, o que considera dever ser uma missão. "A Igreja vai alertando, mas penso que é sem grande convicção. Desejava que mergulhasse bem na situação do país e chamasse a atenção para as situações de injustiça, podendo ter como base precisamente o combate ao espírito do novo Código de Trabalho.