20.12.08

Salários podem ter os aumentos mais baixos das últimas décadas

Ana Rita Faria, Ana Rute Silva e Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Há sectores patronais que defendem o congelamento dos salários ou a actualização em linha com a inflação prevista (1 por cento)


A forte deterioração da conjuntura económica e a esperada redução da taxa de inflação estão a levar as empresas portuguesas de variados sectores a apontar em 2009 para os aumentos salariais nominais mais baixos das últimas décadas. Os responsáveis das associações empresariais contactados pelo PÚBLICO revelam a existência de muito pouca receptividade em alguns sectores para que as empresas realizem actualizações salariais que ultrapassem a taxa de inflação prevista, que, de acordo com as últimas revisões efectuadas pelos analistas, se deverá situar próximo de um por cento (ver texto ao lado).

Os únicos factores a contribuírem pela positiva são o aumento de 2,9 por cento para os funcionários públicos e a subida do salário mínimo nacional de 5,6 por cento, decididos pelo Governo antes do mais recente agravamento da crise.

A confirmar-se este cenário, se mesmo assim ainda é possível que os salários reais apresentem uma evolução positiva, a variação nominal dos salários arrisca-se a ser a mais baixa das últimas três décadas, período em que nunca ficou abaixo de dois por cento, de acordo com os números da Comissão Europeia.

É que nas empresas, na sequência dos últimos indicadores económicos, a possibilidade de não haver aumentos salariais é mesmo considerada por alguns responsáveis associativos como a mais provável. "A escolha a fazer não será entre aumentar ou não os salários, mas sim entre manter ou não postos de trabalho", disse ao PÚBLICO Joaquim Cunha, presidente da Associação PME Portugal, referindo-se à situação vivida pelas empresas de pequena e média dimensão, responsáveis por 2,1 milhões de postos de trabalho em Portugal (75,2 por cento do emprego privado). "Face ao actual contexto económico, a maior parte das PME vai tentar apenas manter-se em funcionamento e, num cenário assim, é muito difícil falar de aumento do que quer que seja", explica Joaquim Cunha.

Por seu lado, José António Barros, presidente da Associação Empresarial de Portugal, defendeu recentemente que ultrapassar um aumento de um por cento "só pode resultar em perdas de competitividade" das empresas e "mais desemprego". "Apoiaremos fortemente as posições que o Governo vier a tomar em termos de moderação salarial", disse, acrescentando que a "função pública não pode aqui ser uma excepção". A Confederação da Indústria Portuguesa e a Associação Industrial Portuguesa escusaram-se a falar sobre políticas salariais para o próximo ano.

Perspectivas sombrias

Especificamente no sector automóvel, um dos mais afectados pela crise económica e financeira, as perspectivas para as actualizações salariais são também sombrias. Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP) defende que, "dada a realidade das empresas e as perspectivas desanimadoras para 2009, não é aconselhável o aumento acima da inflação". Há no entanto, excepções. A Autoeuropa já assinou um pré-acordo laboral de dois anos que prevê aumentos salariais na ordem dos 5,8 por cento durante esse período. Apesar da crise do sector, a fábrica de Palmela - que emprega quase três mil pessoas - mantém a subida salarial acima da inflação esperada, compensando "os colaboradores pelo seu desempenho nos últimos dois anos".

No turismo, sector onde estão 600 mil trabalhadores, "a manutenção dos salários, por si só, já seria bom", diz José Carlos Pinto Coelho, presidente da Confederação do Turismo Português (CTP). E ao nível da restauração, defende, nem isso está assegurado. Formado sobretudo por pequenas empresas, o sector "só conseguirá manter os salários se houver medidas de excepção como, por exemplo, a redução do IVA", sustenta o presidente da CTP.

Também o director-geral da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Paulo Vaz, acredita que as empresas vão optar por "medidas restritivas nas políticas salariais", já que "qualquer aumento comprometeria a sua própria viabilidade". O presidente da ATP acrescenta que a subida do salário mínimo para 450 euros veio trazer "complicações adicionais" ao sector.

E os salários reais?

Há outros sectores, no entanto, em que as perspectivas são um pouco mais optimistas no que diz respeito a salários. João Reis, director-geral da Associação Nacional das Empresas Metalúrgicas e Electromecânicas (ANEMM), acredita que os aumentos vão ultrapassar a inflação prevista. Mas avisa que as políticas salariais do sector terão de ser prudentes, visto que "os dados micro e macroeconómicos nunca foram tão voláteis".

A opinião é partilhada por José António Rousseau, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED). Este sector até pode esperar subidas salariais acima de um por cento, mas para o responsável há que ter prudência, dada a conjuntura económica. No El Corte Inglés, por exemplo, os cinco mil trabalhadores terão aumentos acima da inflação. "É prática corrente (...). Estamos em crer que este próximo ano não será excepção", disse fonte oficial.

No comércio e serviços, a previsão é de que as remunerações cresçam. E, segundo o vice-presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, João Vieira Lopes, o aumento real dos salários pode vir a ser maior que noutras ocasiões, visto que a inflação pode cair mais do que o previsto.

O responsável diz ainda que os salários dos trabalhadores do sector são, neste momento, a última preocupação das empresas. Mais importante é haver aumentos em todos os sectores, fundamentais para "evitar que o consumo estagne completamente" e para "ajudar ao relançamento da economia".

É por causa das previsões mais optimistas em determinados sectores e, principalmente, devido aos aumentos já decididos para o salário mínimo e para a função pública, que ainda é possível, apesar dos aumentos muito modestos em termos nominais no sector privado, um ano positivo em termos de ganhos reais para a média dos trabalhadores.

Se a taxa de inflação ficar próxima de um por cento como apontam as últimas previsões, os funcionários públicos terão, pelo primeira vez desde 1999, um aumento salarial de tabela superior à subida de preços, já que o Governo decidiu avançar com uma actualização de 2,9 por cento.

De igual modo, a subida do salário mínimo nacional em 5,6 por cento pode vir a beneficiar, segundo as contas do Governo, 254 mil trabalhadores.

Estas duas decisões do Governo foram tomadas antes de se tornar mais provável que o ano de 2009 seja de crescimento económico negativo e de inflação muito baixa.

5,8%
Na Autoeuropa, as negociações do acordo de empresa resultaram numa actualização salarial de 5,8 por cento para abranger dois anos de actividade na fábrica de Palmela