António Marujo, in Jornal Público
O Papa Bento XVI diz que uma "actividade financeira confinada ao breve e brevíssimo prazo torna-se perigosa para todos, inclusivamente para quem dela beneficia nas fases de euforia". Na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro), dedicada ao tema Combater a pobreza, Construir a paz, vários parágrafos têm críticas severas à globalização da pobreza e ao sistema que permitiu a actual crise financeira.
"A crise recente demonstra como a actividade financeira [é] às vezes guiada por lógicas puramente auto--referenciais e desprovidas de consideração pelo bem comum a longo prazo", escreve Bento XVI. Os objectivos a "brevíssimo prazo" fazem com que o mercado financeiro não cumpra a sua "função de ponte entre o presente e o futuro: apoio à criação de novas oportunidades de produção e de trabalho a longo prazo".
O Papa Ratzinger, 81 anos, refere-se às implicações morais da pobreza - que está "frequentemente entre os factores que favorecem ou agravam os conflitos". Há uma relação entre "desarmamento e progresso", diz Bento XVI, preocupado com "o nível global de despesa militar". Os fundos desviados para o armamento pertencem aos "projectos de desenvolvimento dos povos, especialmente dos mais pobres". E isto está contra o que diz a Carta das Nações Unidas.
Da actualidade Ratzinger retira também a crise alimentar, caracterizada pela "dificuldade de acesso" aos alimentos, por "fenómenos especulativos" e pelo desajustamento das instituições políticas e económicas face às necessidades. Factos que levam o Papa a criticar "a dinâmica dos preços industriais, que crescem muito mais rapidamente do que os dos produtos agrícolas e das matérias-primas dos países mais pobres".
O Papa contesta que o desenvolvimento demográfico cause pobreza. E condena as campanhas de redução da natalidade e o "extermínio de milhões de nascituros" feito "em nome da luta" contra a pobreza. "Contra tal presunção", cita Bento XVI: em 1981, cerca de 40 por cento da população vivia abaixo da pobreza absoluta. Hoje, essa percentagem foi reduzida a metade, "tendo saído da pobreza populações caracterizadas pelo incremento demográfico notável".
Sobre a sida, Bento XVI reafirma que é difícil combater a pandemia "se não se enfrentarem as problemáticas morais associadas à difusão do vírus". As campanhas devem educar para uma sexualidade "respeitadora da dignidade da pessoa", mas o Papa insiste no acesso dos mais pobres aos medicamentos. Incluindo, diz, "uma aplicação flexível das regras internacionais de protecção da propriedade intelectual", ou seja, liberalização das patentes e acesso gratuito à medicação, reivindicações que o Vaticano tem repetido em várias instâncias internacionais.
O combate à pobreza das crianças merece do Papa a definição de objectivo prioritário. E cita: cuidados maternos, educação, acesso a vacinas, cuidados médicos e água potável e "empenho na defesa da família".
O Papa faz ainda um apelo à responsabilidade de cada pessoa: "A marginalização dos pobres só pode encontrar válidos instrumentos de resgate na globalização, se cada homem se sentir pessoalmente atingido pelas injustiças do mundo e pelas violações dos direitos humanos."