in Jornal Público
Investiram o que tinham em coelhos, agora pedem ajuda para comprar pão
Foram emigrantes durante 20 anos, pouparam algum dinheiro e há uns anos decidiram voltar a Trás-os-Montes, onde construíram uma pequena casa. Ana, de 44 anos, e José, de 52, queriam investir as poupanças, montar um negócio "e, se fosse possível, criar alguns postos de trabalho" na região.
Há cerca de quatro anos, quando ainda estavam cheios de optimismo, uma amiga engenheira deu-lhes a ideia de criar coelhos. "Eu disse-lhe: 'Coelhos? Mas eu não percebo nada de coelhos.'" Ana ri-se. E minutos depois começa a chorar.
Sempre tinha trabalhado na indústria hoteleira e o marido só percebia de construção civil. Ainda assim, arriscaram. Montaram um "projecto industrial": construíram dois pavilhões, equiparam-nos, compraram 1200 coelhas reprodutoras. "Investimos tudo o que tínhamos." Pelo meio, nasceu o quarto filho - um menino que tem hoje dois anos. Os restantes têm seis, 12 e 23. "O mais velho está na Universidade de Coimbra", conta José, um pai angustiado. "São 500 euros por mês" só para ele, para o quarto, os livros, a alimentação.
O negócio não correu como esperado. As coelhas não se reproduziram como o previsto. "As reprodutoras não se adaptavam aos bebedouros que colocámos num dos pavilhões, mas nós não sabíamos que era problema dos bebedouros nem os veterinários descobriam o que era", conta José. "Estivemos sempre a perder dinheiro." Quando os bebedouros foram finalmente trocados e as coelhas começaram a parir como deviam, o preço da carne baixou. "Neste momento precisávamos de uma injecção de capital", continua José. Mas não há dinheiro. Aliás, as dívidas têm-se acumulado (só a factura da luz ronda os 250 euros por mês).
"Há dias em que para comprar pão e leite para os miúdos é preciso pedir ao pai" de José, diz Ana.
Não há muito mais ajudas. As crianças, por exemplo, não têm direito a apoio para livros e refeições através do sistema de acção social escolar. E a razão é simples: como não sabiam o funcionamento do sistema fiscal em Portugal, Ana e José optaram pelo regime simplificado de impostos. "Disseram-nos que esse estava bem." Resultado: o produto das vendas entra no IRS, mas não os custos. "Para todos os efeitos temos um IRS muito alto. E só ao fim de três anos podemos mudar de regime."
José já pensou acabar com o negócio e voltar à Suíça. "Estou tão desiludido." Ana chora: tem uma dívida para pagar à Direcção-Geral de Impostos de seis mil euros. "Já escrevi ao ministro das Finanças e da Segurança Social."
Esta é apenas uma das muitas famílias que fez chegar o seu apelo à Associação Portuguesa de Famílias Numerosas. E umas das muitas que pedem o anonimato quando se trata de divulgar publicamente a sua situação. "As pessoas não querem falar com a imprensa sobre as dificuldades que estão a atravessar", diz Ana Cid, a secretária-geral da associação.
Ana e José são, pois, nomes fictícios. A.S.