António Vitorino, in Diário de Notícias
Os efeitos da crise internacional nas sociedades desenvolvidas atingem, em primeira linha, os sectores sociais mais desfavorecidos. Com especial relevo para aqueles que têm situações laborais precárias. Por isso, nos países ocidentais, o principal enfoque do combate à recessão económica tem que assentar na defesa e promoção do emprego.
O novo pacote de estímulo económico que se aguarda seja apresentado pelo Presidente eleito dos EUA logo após a sua tomada de posse, a 20 de Janeiro, centra-se na salvação de cerca de três milhões de postos de trabalho. Do lado europeu, não havendo medidas que se possam considerar como directamente equivalentes às americanas, atentos os diferentes quadros institucionais, as respostas nacionais de relançamento económico têm que responder às previsões sombrias de um aumento do desemprego no próximo ano na ordem dos 2,7 milhões de pessoas!
Muitas vezes, a leitura destes grandes números faz-nos perder a dimensão humana dos dramas que eles encerram.
Nos países desenvolvidos, as primeiras camadas da população a sofrerem as consequências do desemprego são os imigrantes de entre os trabalhadores não qualificados e, de entre os trabalhadores qualificados, os jovens licenciados à procura do primeiro emprego. A resposta a estes dois tipos de desempregados da "primeira hora" da crise tem que ser distinta e adaptada às realidades de cada grupo em causa.
Frequentemente o impacto dos dramas sociais da crise económica leva-nos a esquecer o efeito induzido da "nossa" crise noutros países e noutras zonas do globo.
A redução da empregabilidade dos imigrantes leva, por via de regra, a uma diminuição das remessas que esses imigrantes enviam para os seus países de origem (remessas que em 2007 representavam cerca de 250 mil milhões de dólares, dez vezes mais do que a ajuda financeira directa anual do Banco Mundial). A crise económica global leva os países desenvolvidos a adoptarem programas de reafectação da despesa, cortando no que não se lhes afigura prioritário. De entre estes cortes avulta a chamada "ajuda ao desenvolvimento", ou seja, as verbas que os países desenvolvidos destinam a apoiar o desenvolvimento dos países mais pobres e que, de acordo com o compromisso de Monterrey, deveria fixar-se em cerca de 0,7% do PIB de cada país. Ora, mesmo antes da crise global, apenas a Holanda e os países escandinavos estavam em linha com esse objectivo, estando os demais distante dos tais 0,7% pretendidos.
Neste quadro, se conjugarmos a quebra das remessas com a diminuição da ajuda financeira externa por parte dos países doadores, os países em vias de desenvolvimento só podem acalentar a esperança de alcançarem os Objectivos do Milénio em termos de desenvolvimento sustentado, muito em especial no que diz respeito à erradicação da pobreza extrema em 2015, se a actividade económica global o permitir, ou seja, se beneficiarem de investimento directo estrangeiro e se encontrarem compensação àqueles factores adversos numa negociação comercial vantajosa, que fomente as suas exportações.
Ora, mau grado as declarações nesse sentido formuladas pelos líderes do G20 em Washington há cerca de um mês, a verdade é que não se vislumbra que seja possível chegar a acordo sobre a denominada Ronda de Doha de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio até ao final do corrente ano. O que significa que entraremos em 2009 com a perspectiva de uma quebra do comércio internacional, o que ocorrerá pela primeira vez desde 1982. Por outro lado, tudo leva a crer que a crise de confiança no sistema bancário e financeiro induzirá, da mesma forma, a uma retracção do investimento directo estrangeiro nos países em vias de desenvolvimento no ano que vem. Em qualquer caso o risco de os países em causa voltarem a cair nas malhas de um endividamento endémico é muito elevado.
Este quadro sombrio chama a atenção para os efeitos devastadores da crise económica global naqueles países que são os mais pobres e vulneráveis. E que a saída da crise, para ser uma saída inclusiva, não pode deixar de incorporar os específicos pontos da agenda económica e financeira internacional que afectam os países menos desenvolvidos. Desde logo e à cabeça o objectivo de erradicar a pobreza mais profunda até 2015.