23.12.08

Pobreza envergonhada

RV/Bárbara Afonso, in RR

A Renascença esteve na Misericórdia do Barreiro, onde ouviu famílias em que a crise bateu à porta.


Com o Natal à porta, as famílias portuguesas reúnem-se à volta do tradicional jantar de consoada. No Barreiro, muitas delas não teriam consoada, não fosse a ajuda da Santa Casa da Misericórdia (SCMB).

Famílias iguais às dos nossos vizinhos do prédio, as quais dizemos "bom dia", todos os dias. Humildes, trabalhadoras, mas que na intimidade do seu lar passam fome e precisam de ajuda.

Esta é a característica dos novos pobres: pessoas, com rendimentos, que pedem ajuda.

O "desemprego súbito e a falta de medidas de protecção sociais" são as principais causas destes novos pobres, como disse a responsável pelos carenciados na SCMB, Maria José Caixeirinho.

Numa sala, construída há pouco tempo para não terem de esperar na rua, estas famílias aguardam com a cabeça cabisbaixa pela hora de ir buscar a sua refeição.

O Provedor da SCMB, Júlio Freire, afirma que desta forma as famílias "sentem-se mais à vontade, e não se expõem tanto".

Marcelino, pai de família com quatro filhos, ficou desempregado quando se mudou para o Barreiro, há cerca de um ano. A mulher é a única que leva para casa um salário, que não chega para tantas despesas.

Através da Segurança Social, recorreu à SCMB, há cerca de 2 meses, que lhe garante a alimentação. Este serviço presta também auxílio na higiene pessoal, tratamento de roupa, medicação urgente, e faz um encaminhamento ou acompanhamento social e psicológico.

Dois dos quatro filhos de Marcelino precisam de medicação continuada, situação em que a SCMB não pode ajudar. Pedir à Segurança Social é o próximo passo, mas "a burocracia é muita".

A Comunidade de Inserção da SCMB é um projecto que já existe há cerca de 15 anos, mas só há um ano é que foi estabelecido o protocolo de apoio com a Segurança Social, de acordo com a vice-Provedora da SCMB, Sara Oliveira.

"A maioria dos casos que temos aqui chegam-nos através da Segurança Social e só há um ano o nosso projecto de comunidade de inserção foi reconhecido. É gritante", afirmou Sara Oliveira.

Há cerca de duas semanas Felismina recorreu à SCMB. Está desempregada e é mãe de duas filhas. "Estou numa situação muito complicada. Não tenho comer em casa. Tenho a água, a luz, o gás, as prestações ao banco, tudo atrasado. As dividas estão-se a amontoar (...) O meu marido também está desempregado. Pago 325 euros de renda, que está atrasada três meses. Dia para dia devo ser despejada", disse.

Nunca esperou encontrar-se nesta situação. A opção de liquidar as dívidas que a família tinha, obrigaram Felismina a pedir ajuda alimentar à Segurança Social, que a encaminhou para a SCMB.

Já Paula pode dizer que está agora a renascer das cinzas. Há seis meses que recebe o apoio da SCMB, mas quando chegou encontrava-se na mesma situação que Felismina.

Mãe de cinco filhos, viu também o desemprego bater-lhe à porta. O marido de um momento para outro ficou desempregado. O seu salário não aguentava com todas as despesas mensais.

Pede ajuda à Segurança Social que a encaminha para a SCMB. Durante um ano vê a sua vida dar uma volta de 180 graus. O filho mais velho teve de desistir do curso universitário de economia, e imigra para o estrangeiro. O segundo mais velho desiste de estudar para ir trabalhar. O abono familiar, nessa altura, era apenas de 75 euros.

Agora, Paula e o marido encontram-se empregados. As coisas começam a endireitar-se.

Cenários como este repetem-se cada vez mais. Famílias com rendimentos que, de um momento para o outro, vêem a sua vida transformar-se num beco sem saída.

A falta de consistência em matéria de políticas sociais e a falta de apoio imediato são alguns factores, que estas famílias gostavam de ver melhoradas.

O papel de instituições de apoio como a SCMB é fundamental para a sobrevivência de famílias como as de Felismina, Marcelino e Paula.