Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Depois dos seis meses de alto perfil da presidência francesa, os Vinte e Sete temem que Praga não assuma um papel impulsionador
Apreensão: este é o estado de espírito com que as instituições comunitárias encaram a presidência da União Europeia (UE) que será assumida a 1 de Janeiro, e por seis meses, pela República Checa.
À partida, nada faria pensar que a presidência de um dos países de Leste que aderiu à UE em Maio de 2004 teria razões para ser pior do que a que foi exercida há exactamente um ano pela Eslovénia, o estreante nestas andanças entre os novos Estados-membros.
Mas, ao contrário de Ljubljana, a República Checa, com os seus dez milhões de pessoas, uma economia em franca recuperação - o nível de rendimento por habitante já ultrapassou o português - e uma diplomacia e administração pública consideradas bem preparadas, tem sido um parceiro bem mais difícil e menos cooperante no seio da UE. Coloca-se regularmente em oposição ao reforço da cooperação europeia, tanto no plano político como económico.
O momento em que Praga assume a presidência não será certamente dos mais fáceis no plano interno: o seu Governo está fragilizado por duas recentes derrotas nas eleições regionais e senatoriais de Outubro, não dispõe de uma maioria parlamentar, está profundamente dividido sobre a Europa e conta com uma forte corrente eurocéptica interna.
Isto não coloca o executivo de Mirek Topolanek nas melhores condições para exercer a liderança forte que a complexidade crescente da UE tende a requerer. Por maioria de razão no actual contexto de grave crise económica e financeira, que coloca nos ombros da presidência a responsabilidade pela coordenação da resposta do conjunto dos Vinte e Sete.
O facto de se tratar de um dos poucos países da UE que deverá escapar em 2009 a uma recessão, a par de uma falta evidente de entusiasmo pelos planos europeus de estímulo à economia e de salvamento do sistema bancário - que Praga considera excessivamente proteccionistas -, não ajudará o Governo checo a assumir o papel de impulsionador que muitos governos esperam da próxima presidência.
Comparação inevitável
Um dos problemas que o primeiro-ministro, Mirek Topolanek, terá de gerir prende-se, aliás, precisamente com a comparação que será inevitavelmente feita, e que jogará contra si, entre a sua presidência e a da sua antecessora, a França. O Presidente Nicolas Sarkozy geriu um semestre particularmente movimentado com um dinamismo ímpar.
Topolanek sabe, por outro lado, que eventuais hesitações ou lacunas da sua acção serão imediatamente preenchidas pelo Presidente francês, (ver caixa).
A posição da nova presidência será ainda fragilizada pelo facto de a República Checa não ser membro do euro e ser, em conjunto com a Irlanda, o único país da UE que ainda não ratificou o Tratado de Lisboa. Topolanek já deixou claro que a ratificação (parlamentar), que poderá ser concretizada a 3 de Fevereiro, não constitui uma prioridade da presidência.
Como se não bastasse, o Governo checo terá ainda de acomodar o Presidente da República, Vaclav Klaus, que, com o seu estilo provocador e polémico, constitui uma das grandes incógnitas da presidência. Assumindo-se como um "dissidente europeu", Klaus lidera a corrente eurocéptica do partido ODS, que também é o do primeiro-ministro, e declarou guerra à UE, ao Tratado de Lisboa e ao euro.
Embora não tenha grandes poderes executivos nem grande influência na condução da presidência, Klaus exige assumir algum protagonismo, eventualmente na condução das cimeiras entre a UE e os países terceiros, como os Estados Unidos, Canadá ou Rússia - o que, dadas as suas posições pró-russas, em oposição à linha do Governo, poderá representar um embaraço real para Topolanek.
Consciente dos receios que a sua presidência está a gerar entre os parceiros da UE, o Governo checo promete um trabalho "sólido e profissional".
As suas prioridades estarão centradas no trinómio "economia, segurança energética e relações externas", com particular ênfase na aceleração do processo de integração dos países dos Balcãs na UE, e reforço da parceria europeia com os vizinhos do Leste - Ucrânia, Bielorrússia, Geórgia, Arménia, Azerbaijão e Moldávia - de forma a colocá-los mais perto do início das negociações de adesão à União Europeia.
Isto, se o próximo semestre decorrer sem imprevistos, o que constitui, afinal, o único receio real de Topolanek.
Topolanek sabe que quaisquer lacunas ou hesitações serão preenchidas pelo hiperactivo Presidente francês.