Ana Rita Faria, in Jornal Público
Fechar os mercados torna-se quase inevitável em tempos de crise. Mas a factura a pagar em termos económicos e sociais pode sair demasiado elevada
Há quem assegure que os sinais de proteccionismo no comércio internacional vão permanecer circunscritos a alguns países, evitando que se repitam os mesmos erros de um passado recente. Mas há também quem acredite que se está a produzir um fenómeno em cadeia, que não é mais do que um produto da crise internacional. Entre os especialistas contactados pelo PÚBLICO resta apenas uma certeza comum: uma eventual onda de proteccionismo iria acentuar a crise actual.
"Objectivamente, já não estamos neste momento num cenário de comércio livre, porque todos os países se começam a tentar proteger", afirmou ao PÚBLICO o economista António Mendonça. Para o presidente do conselho directivo do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), as tendências proteccionistas tornam-se "inevitáveis" em alturas de crise, pois são "fenómenos de ajustamento das próprias economias".
A opinião é partilhada pelo economista Miguel St. Aubyn. Para o também professor do ISEG, a actual crise económica tem levado os governos a tomar medidas proteccionistas de modo a tentar manter o emprego a curto prazo e, nalguns casos, a assegurar a permanência de certas actividades industriais nos seus países (como por exemplo a indústria automóvel).
Na realidade, destaca António Mendonça, a tendência ao nível do comércio não é muito diferente do que se passa a um outro nível, o universo familiar. "O esquema é o mesmo - poupar e proteger os recursos - e está em contradição com aquilo que qualquer crise exige - que se gaste mais para ressuscitar o dinamismo económico", explica.
No entanto, o economista considera que "dificilmente poderemos escapar a estas tendências proteccionistas, que começam a sentir-se nos países mais desenvolvidos, com os Estados Unidos à cabeça". E nem Portugal deverá ficar de fora.
"É natural que também no território nacional se caminhe para um controlo das importações e para medidas que canalizem o consumo para a produção interna, até como forma de dinamizar as nossas pequenas e médias empresas, que estão a ser afectadas pela quebra da procura internacional", explica António Mendonça.
O resultado final, contudo, está longe de ser o ideal. "Se, no curto prazo, as medidas proteccionistas podem aliviar o impacto de uma conjuntura adversa, a verdade é que a sua adopção simultânea por vários países pode ter consequências adversas de amplificação de efeitos de retracção", explica Miguel St. Aubyn.
Segundo o professor do ISEG, o fechamento dos mercados prejudica sempre os consumidores internos, impede que a concorrência desempenhe o seu papel e acaba muitas vezes por prejudicar a inovação e o crescimento económico.
Catástrofe pouco provável
Podem até ser tentadoras do ponto de vista político, sobretudo numa altura em que os governos estão cada vez mais virados para resultados imediatos, mas são também, e acima de tudo, prejudiciais. É esta a opinião de Vítor Bento, presidente da Sociedade Interbancária de Serviços (SIBS), sobre as medidas proteccionistas que têm vindo a ser implementadas em países como a Rússia, China ou França.
João César das Neves vai mais longe e assegura mesmo que se trata uma "abordagem populista, que parece resolver o problema mas que, de facto, aumenta os custos, impede o ajustamento e exporta a crise, criando novos efeitos que recairão sobre quem tomou tais medidas".
Também João Cravinho alerta para "a perturbação com custos sociais muito elevados" que o agudizar destas tendências proteccionistas pode vir a causar. Em última instância, adianta o ex-ministro socialista, seria como reviver o surto de proteccionismo que assolou o mundo na década de 30, depois da crise de 1929.
Para Vítor Bento, a experiência no período entre guerras do século passado é um bom exemplo do resultado a que conduzem as medidas proteccionistas: "Menor crescimento e mais desemprego." O presidente da SIBS realça mesmo que, "se a política tivesse memória, seria um bom antídoto para as tentações".
Ainda assim, estes economistas são unânimes em defender que é muito pouco provável que um surto proteccionista volte a espalhar-se pelo mundo. Para João Cravinho, essa possibilidade "não é muito significativa", ao passo que César das Neves defende as medidas anunciadas são "esporádicas, não são representativas, nem vão ser dominantes". Para o professor da Universidade Católica, tem havido aliás várias orientações contrárias a isso, no sentido de reanimar a ronda de Doha da Organização Mundial do Comércio e de promover a abertura comercial.
"É possível que venha a haver algum proteccionismo", admite César das Neves, "mas será esparso e pouco influente". Até porque o preço a pagar seria demasiado elevado, sustenta o economista, para quem uma reacção proteccionista global levaria ao colapso do comércio internacional, à queda drástica das exportações em todo o mundo e a uma depressão generalizada. "A catástrofe seria tal que, por isso mesmo, me parece muito pouco provável", conclui.
Para o economista César das Neves, as barreiras ao comércio não são mais do que uma "abordagem populista".