30.5.09

Mais 17 mil apoiados pelo Banco Alimentar

por Rita Carvalho, in Diário de Notícias

Num ano, subiram para 250 mil as pessoas apoiadas pelos bancos contra a fome. Mais grave é a chegada das carências básicas à classe média.

António ainda nem estendeu a mão para se apresentar e já vai dizendo: "Eu sou dos novos pobres, dos que não o eram, sabe?" Aos 62 anos, com seis filhos em casa ainda a estudar, está desempregado. Sabe que o futuro continuará difícil, tal como têm sido os últimos tempos. Mas há um ano, perdeu a vergonha: pediu ajuda e passou a integrar a estatística do Banco Alimentar. É apenas uma das 17 785 pessoas que, de há um ano para cá, aí começaram a matar a fome.

No total, são actualmente 250 971 os portugueses que recorrem aos 15 bancos espalhados pelo País, apoiados através de 1528 instituições. É para continuar a alimentar tantos milhares que hoje e amanhã, a Federação Nacional de Bancos Alimentares lança mais uma campanha de recolha nos supermercados. Será a primeira grande acção em plena crise.

Os números, comparados com os de 2008, mostram como a pobreza cresceu. Há mais pedidos de ajuda - só em Lisboa são mais 1855 pessoas - e mais 196 instituições a colaborar com os bancos. Mas também mais voluntários, - mais 5310 nesta campanha - , e maior adesão dos supermercados: agora 1 219.

Um fenómeno novo é o aparecimento de famílias da classe média. Os novos pobres são desempregados e pessoas endividadas que nunca se imaginaram na situação que agora atravessam, diz Isabel Jonett, presidente da federação, referindo a "pobreza envergonhada".

É este o sentimento de António, cujo nome fictício demonstra a reticência em se identificar e deixar fotografar. "Ainda não estou muito habituado a esta situação. Tenho algum acanhamento", desculpa-se com uma enorme simpatia. António não era pobre, nem ponderou problemas de pobreza quando decidiu ter 10 filhos. Agora, quatro já não estão em casa, mas os seis que ainda aí vivem estão a estudar, três dos quais na faculdade, e representam enormes despesas. Algo que o rendimento social de inserção (RSI) , e algumas ajudas pontuais, não conseguem cobrir.

Este ex-agente imobiliário diz-se uma das "vítimas" do subprime. "Aquele que começou nos EUA e chegou até cá", conta acrescentando que o negócio começou a ficar mal já em 2007. "Deixei de vender, depois foram-se as economias e os amigos. Entrei em desespero. Estava perdido, não aguentava mais", diz, recordando o dia em que tomou uma atitude e dirigiu-se à assistente social dos Anjos. Aí encontrou orientação: "ajudaram-me a pedir casa social, a ir ao centro de emprego, a pedir o RSI e o SASE (Serviço de Acção Social Escolar)".

Mas a grande mão que se estendeu, diz, foi a da Irmã Ângela, do Centro Social e Paroquial de S.Sebastião da Pedreira, no coração da capital. É daí que recebe o cabaz mensal que o Banco de Lisboa disponibiliza, a "instituição fantástica" que não se cansa de enaltecer.

Mesmo com 62 anos, António não perde a esperança. E acelera a entrevista para não falhar a chamada inesperada do centro de emprego. "Nunca se sabe...", atira.