Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias
Pobreza e precariedade levam 326 mil pessoas a acumular trabalhos.
Para muitos trabalhadores, um emprego só - e apenas um salário - não chega para pagar as contas. Em Portugal, 326 mil pessoas são confrontadas com a necessidade de acumular um segundo trabalho.
É um sinal dos baixos salários pagos no país, de tal forma que são frequentes os casos de sérias dificuldades entre os trabalhadores, ou seja, de pessoas a quem o trabalho não redime da pobreza. Centenas de milhar de pessoas saem de um emprego e entram noutro, também remunerado, aponta o Instituto Nacional de Estatística (INE), no relatório do primeiro trimestre. E fazem-no, na larga maioria, porque não têm alternativa, dizem vários estudiosos do fenómeno do trabalho, ouvidos pelo JN.
Um terço dos empregados (perto de um milhão e meio) não leva para casa mais do que 600 euros ao final do mês, líquidos, e outro milhão ganha um pouco mais: até 900 euros por mês. Há mais pessoas a ganhar menos de 310 euros do que a tirar entre 1800 e 2500 euros (o que pode ser explicado pelo trabalho a tempo parcial).
"Salários baixos" é a resposta disparada por António Dornelas, docente universitário, para explicar o acumular de empregos. "As pessoas precisam de uma segunda actividade para terem rendimento suficiente", disse.
As dívidas - as famílias portuguesas são as segundas mais endividadas da União Europeia - é outra explicação aventada por João Ferreira do Amaral, professor no ISEG, num sistema que interliga inúmeros factores: a precariedade, que leva a procurar mais do que uma fonte de rendimento; o trabalho em "part-time" forçado, de onde não sai dinheiro suficiente; e as quase 900 mil pessoas que têm o hábito de trabalhar além do limite das 40 horas semanais previsto na lei. São todas explicações para o duplo emprego, entende Aurora Teixeira, professora na Faculdade de Economia do Porto.
Entre os "duplamente empregados", quase todos têm um primeiro trabalho na agricultura e pescas ou nos serviços, mas todos procuram a mesma segunda ocupação: um lugar nos serviços, destino de seis em cada dez pessoas com segundo emprego; só um décimo escolhe trabalhar a terra, ainda que para consumo próprio.
Ao invés, serão a restauração (com picos de trabalho intervalados com horas mortas) ou os trabalhos de segurança, sobretudo nocturnos, que mais atraem as pessoas à procura de um rendimento extra, admite João Ferreira do Amaral.