Andreia Sanches e Romana Borja-Santos, in Jornal Público
Relatório da Segurança Social nota que foi superada a meta de retirar do sistema de acolhimento 25 por cento das crianças e jovens
Continua a ser elevado o número de crianças e jovens que vivem em lares ou famílias de acolhimento: eram perto de dez mil no final de 2008, a maioria dos quais adolescentes a partir dos 12 anos. Cerca de 40 por cento estavam acolhidos há mais de quatro anos. Mas apenas 11 por cento tinham como projecto de vida a adopção. Até porque muitos já não tinham idade para ser alvo dessa medida (o limite são 15 anos).
O mais recente Relatório de caracterização das crianças e jovens em situação de acolhimento mostra que muitos menores são retirados aos pais pouco depois de nascer: 12 por cento dos meninos com até três anos de idade vivem numa instituição há dois... ou três anos. E um quarto dos que têm entre quatro e cinco anos passaram pelo menos dois quintos da sua vida num lar, centro de acolhimento ou algo semelhante.
Os tempos médios de permanência no sistema variam, de resto, conforme o tipo de resposta: são especialmente altos nos lares, onde sete em cada dez acolhidos aí permanecem há mais de dois anos. Mas são mais altos ainda nas famílias de acolhimento (onde o tempo médio de permanência é cinco anos). Isto quando a lei é clara: as situações de acolhimento institucional devem prolongar-se o menos possível. Para bem das crianças.
O documento do Instituto de Segurança Social (ISS) tem, contudo, boas notícias: é que nunca a percentagem de jovens a sair do sistema foi tão grande como em 2008.
A "taxa de desinstitucionalização" (definida como "a percentagem das crianças e jovens que cessaram o acolhimento por terem sido concretizados projectos em meio natural de vida face ao total" dos que passaram pelo sistema de acolhimento) atingiu os 27 por cento, sublinha Edmundo Martinho, presidente do ISS.
Quando, em 2005, ganhou as eleições, o Governo de José Sócrates tinha-se comprometido com uma meta: "Promover a desinstitucionalização de 25 por cento dos jovens" acolhidos. Os dados apontavam para cerca de 14 mil crianças em instituições nesse ano, ainda que levantamentos exaustivos não fossem feitos.
A meta foi superada. Em 2008, passaram pelo sistema de acolhimento quase 14 mil jovens. E quase quatro mil saíram (o que representa um aumento de 23 por cento no número de "saídas" face a 2007).
166 não vão à escola
Para onde foram? A maioria regressou aos pais. Ou à família alargada. E 438 (13 por cento), sobretudo crianças com menos de nove anos de idade, foram confiadas a pessoas seleccionadas para a adopção.
Cerca de um quarto dos jovens que saíram tinham mais de 18 anos - a idade limite para a protecção legal conferida pela lei de protecção de crianças e jovens em perigo.
Neste universo de "saídas" do sistema há um número significativo de crianças e jovens que ajuda a engrossar o número dos "desinstitucionalizados". A saber: em Janeiro de 2008 foi publicada legislação que passou a considerar como famílias de acolhimento (uma das figuras jurídicas de acolhimento) apenas as que não têm laços sanguíneos com a criança acolhida. Resultado: o grosso (cerca de 900) das crianças acolhidas por parentes, ainda que acompanhadas pelos serviços, já não entra nas contas dos acolhidos em instituições. No final do ano, 9956 crianças e jovens permaneciam "institucionalizados" - menos 12 por cento do que em Dezembro do ano anterior.
O documento nota que, tal como em 2007, o peso das crianças e jovens sem projecto de vida definido (2419, um quarto do total) continua a ser alto - o que é justificado pelo ISS pelo maior rigor que passou a ser posto na definição dos mesmos. Já entre as crianças com um projecto de vida traçado pelos serviços, o regresso à família biológica é o cenário mais apontado. A adopção aparece em terceiro lugar.
O regresso à família biológica "é sempre a situação ideal", sublinha Edmundo Martinho, presidente do ISS. E a adopção? "A adopção é uma solução nobre, mas nem sempre é o ideal. Não podemos decidir as coisas com a oposição dos pais, a não ser que o tribunal assim o entenda. É importante não esquecer que muitas vezes, a médio prazo, é possível eliminarmos os factores de risco que justificaram o acolhimento."
Martinho diz, por fim, que todas as soluções "são muito ponderadas, acompanhadas a cada momento e alteradas ao longo do ano, se necessário". Apesar de todo o cuidado, o documento nota que há 166 miúdos em idade de escolaridade obrigatória que não estão na escola.