17.5.09

"Se as empresas não tiverem pessoas, não têm futuro"

Ana Rute Silva, in Jornal Público

Ex-primeiro-ministro holandês alerta para perigos dos estímulos para combater a crise e aconselha a manter trabalhadores


Wim Kok, ex-primeiro-ministro da Holanda e responsável pela European Employment Taskforce em 2003, pensa que, para países com elevada dívida pública, os pacotes de estímulos para combater a crise encerram perigos. E que é preciso conservar os trabalhadores perto dos empregos, porque só assim as empresas conseguirão retomar os negócios. "Se não tiverem as pessoas, não têm futuro", disse, em entrevista ao PÚBLICO, Kok, 70 anos, actual membro do conselho de supervisão da Shell e da KLM, à margem da conferência internacional da consultora Hay Group, que terminou sexta-feira em Valência.

Há 27 milhões de desempregados na Europa, e Portugal, por exemplo, perdeu 94 mil postos de trabalho entre Agosto do ano passado e Março. Quais devem ser as prioridades dos países membros da União Europeia para resolver este problema?

Se a economia cai, e é expectável que cai durante algum tempo, o emprego não sobe. Por isso, o aumento do desemprego é inevitável. Os governos podem tomar medidas para o reduzir, mas esta tendência não pode ser parada. Na minha opinião, é muito importante os governos, os trabalhadores, os sindicatos e outras instituições estarem totalmente conscientes do facto de não se poder desencorajar as pessoas. É preciso manter as pessoas o mais próximo possível do mercado de trabalho. Começa pelos jovens e é importante explorar a possibilidade de estágios ou especializações. Se não se consegue oferecer um emprego a tempo inteiro, ofereça-se então alternativas.

E essas alternativas devem ser dadas por quem?

Os governos têm um papel importante na educação, mas as empresas também devem intervir, tal como os sindicatos. É preciso procurar alternativas. Hoje as organizações estão a tomar medidas como a redução de horário e de salários ou lay-off (redução do tempo de trabalho ou suspensão temporária de contratos). Quando a economia voltar a funcionar, têm as pessoas necessárias para relançar o negócio, não perdendo esses funcionários qualificados. É difícil agora para as empresas formular planos para o futuro, mas não devem limitar a sua estratégia às fusões e aquisições ou a despedimentos. Se não tiverem as pessoas, não têm futuro.

O Fundo Monetário Internacional pediu mais coordenação entre os países europeus para combater a crise. Também pensa que esta falta de cooperação pode ter consequências negativas na economia dos Estados membros?

A coordenação europeia podia ter sido melhor, mas penso que os Estados membros estão muito conscientes de que precisam de fazer tudo o que puderem para restaurar a confiança e a saúde económica. Penso que devemos tentar resolver o problema em vez de olhar para trás e criticar. Isso não ajuda.

As medidas tomadas até agora de estímulo à economia são as mais correctas?

Sim. Não se trata apenas de colocar dinheiro na economia, mas de pensar como vamos pagar as dívidas assim que os mercados começarem a funcionar. Neste aspecto, vejo algumas diferenças na União Europeia. Penso que a Alemanha e os países escandinavos estão mais inclinados a considerar o futuro e a pensar no que devem fazer quando chegar a recuperação. Não quero especificar, mas alguns países põem muito ênfase no "estímulo, estímulo, estímulo" e não conseguem saber se essas medidas vão funcionar quando a economia crescer. E alguns desses países já têm défices elevados.
Como Portugal.

Sim. Penso que é preciso fazer um equilíbrio entre os pacotes de estímulos e as medidas que é preciso tomar depois da crise. Se isso não acontecer, haverá problemas durante muito tempo. Aumentar a dívida não será um problema apenas para o Governo, os cidadão terão de a pagar de uma forma ou de outra.

Com ou sem crise, pensa que os objectivos da Estratégia de Lisboa, de tornar a economia europeia na mais competitiva do mundo em 2010, eram realistas?

Não podemos encará-la como um objectivo. A competitividade económica é um instrumento para, por exemplo, fazer funcionar o modelo social. Não é um objectivo em si. A Estratégia de Lisboa foi boa nos primeiros anos desta década, mas talvez não devesse ter sido dito que queríamos ser a maior economia do mundo. Isso talvez não tenha sido realista. Neste momento, não devemos cometer o erro de esquecer os desafios que temos de enfrentar quando a crise acabar.

Aponta o envelhecimento da população como um desses desafios.

Exacto. Essa é uma realidade. Haverá uma geração muito maior de pessoas mais velhas e serão os jovens a pagar um preço elevado para financiar estas reformas. Por outro lado, a Europa vai perder relevância no mundo, tal como os Estados Unidos, mas isso não é um drama. Portugal e outros países europeus podem lucrar com a expansão da Ásia, mas para isso têm de estar actualizados. São considerações realistas. Depois da crise, o crescimento será muito mais frágil e haverá estes novos desafios. É preciso tomar medidas para que os países europeus se tornem modernos, atractivos, sem esquecer a agenda ambiental. Não podemos pensar que os desafios terminam assim que a economia começar a recuperar.