Sérgio Aníbal, in Jornal Público
Habituados a uma monótona previsibilidade, analistas e investidores parecem desorientados com a variedade de opiniões revelada pelos membros da instituição
No meio de indicadores ainda pouco claros e com a economia da Zona Euro a balançar entre a hipótese de uma recuperação moderada e a ameaça de uma recessão prolongada, os responsáveis máximos do Banco Central Europeu (BCE) deram nos últimos dias uma demonstração impressionante de descoordenação e mesmo desacordo nas suas declarações.
Os primeiros sinais de aparente desencontro de opiniões surgiram nas projecções para a evolução da economia. Ontem, ao mesmo tempo que o vice-presidente do BCE, Lucas Papademos, afirmava que "a recuperação poderá vir mais depressa do que o esperado", Nout Wellink, outro membro do conselho de governadores da autoridade monetária europeia, avisava que é melhor "não ficar demasiado optimista quando se vêem algumas pombas", enquanto Ewald Nowotny, do banco central austríaco, salientava que "as previsões mostram que ainda estamos numa recessão muito profunda e grave".
As últimas previsões foram, aliás, reveladas pelo próprio BCE ontem, no seu boletim mensal. De acordo com 52 analistas independentes consultados pelo banco central, a contracção económica da zona euro deste ano será de 3,4 por cento, um valor bastante mais baixo do que a projecção divulgada em Março pelos técnicos do BCE.
É verdade que as declarações dos responsáveis do BCE sobre a evolução da economia não se contradizem directamente umas às outras. É possível assinalar a gravidade da situação actual e, ao mesmo tempo, acreditar que a recuperação pode surgir mais rápido do que o previsto. No entanto, o que parece claro entre muitos dos responsáveis é que não estão dispostos, ao contrário do que já fizeram o presidente e o vice-presidente do BCE, a arriscar dar um tom mais optimista às suas declarações.
É que, por enquanto, apenas uma coisa é certa: entre Janeiro e Março passados, a zona euro passou por um dos piores trimestres económicos das últimas décadas. Hoje, o Eurostat deverá apresentar, de acordo com a generalidade dos analistas, um resultado para a variação do PIB que é ainda pior do que a contracção de 1,6 por cento registada no final de 2008 e mais acentuada do que a que se verifica nos EUA.
Em Espanha, onde os dados oficiais já foram ontem anunciados, o PIB caiu 1,8 por cento face ao trimestre anterior e 2,9 por cento face ao mesmo período do ano passado, o pior resultado desde o início desta série estatística em 1970.
Com resultados tão negativos no início de 2009, agora está-se à espera que, com o mercado de crédito mais estável e os programas públicos de estímulo económico a começarem a chegar às empresas e famílias, os indicadores económicos dêem sinais de uma inversão da tendência negativa. Se não o fizerem, o risco de entrada numa espiral de contracção económica e descida de preços semelhante à vivida durante a Grande Depressão dos anos 30 torna-se muito maior.
O que vai fazer o BCE?
Se as diferenças de opinião sobre o momento da recuperação económica não são, só por si, um problema, as divergências entre os membros do conselho de governadores do BCE sobre aquilo que o banco deverá fazer a seguir já é mais preocupante.
As últimas declarações mostram uma variedade de posições que não se julgava possível, depois de, na última reunião, a decisão de baixar as taxas para um por cento e de lançar um programa de compra de activos no valor de 60 mil milhões de euros ter sido feita por unanimidade, como afirmou Jean-Claude Trichet.
No centro das discussões está novamente o presidente do banco central alemão. Axel Weber disse na noite da passada quarta-feira que a compra de obrigações hipotecárias estava limitada a um máximo de 60 mil milhões de euros, garantindo que não será preciso mais. E foi ainda mais longe avisando que o estímulo fornecido pelo BCE - através da descida de taxas e da aplicação de outras medidas não-convencionais - poderia vir a ter de ser retirado rapidamente.
Imediatamente depois, o seu colega da Eslovénia, Marko Kranjec, realizou declarações que vão no sentido inverso, afirmando que a tomada de novas medidas por parte do BCE estava em discussão, considerando mesmo "provável" que a compra de activos não ficasse limitada pelos 60 mil milhões de euros.
Esta discussão entre o representante alemão e um membro de um pequeno país parece uma réplica do debate público que envolveu Weber e Anastasios Orphanides, do banco central de Chipre, antes da última reunião do BCE. Surpreendentemente, com o anúncio de compra de obrigações, o cipriota acabou por vencer.
Nos mercados, investidores e analistas, habituados a uma monótona mas estável previsibilidade do BCE, parecem agora desorientados. "Se o desacordo entre os membros mais agressivos e mais moderados do BCE se tornar ainda mais notório, podemos vir a assistir a uma depreciação do euro", afirmou à Reuters um especialista do mercado de câmbios internacional.
Mas há também quem desculpe os membros do BCE pelos últimos sinais de divergências. "Estamos perante uma conjuntura tal que é inevitável que exista um espectro muito largo de opiniões, dada a incerteza em relação à conjuntura, à eficácia da resposta e ao facto de termos entrado em território desconhecido", afirmou ao Wall Street Journal Jacques Cailloux, o economista-chefe do Royal Bank of Scotland para a zona euro.