Andreia Sanches, in Jornal Público
Conferência Episcopal convocou investigadores, gestores, organizações não-governamentais, empresários e escritores para debater "o futuro da solidariedade"
A ideia já foi testada e João Meneses, comissário do simpósio Reinventar a Solidariedade (em tempo de crise) - que hoje marca o arranque das comemorações dos 50 anos do Cristo-Rei -, gostava de vê-la aplicada em Portugal. E se o dinheiro não reclamado nos bancos fosse encaminhado para um fundo de combate à pobreza? E se o mesmo acontecesse com os seguros de vida que também ninguém reivindica?
"Em Inglaterra, criou-se uma comissão dos activos não reclamados. Dinheiro em contas bancárias, juros de obrigações, dividendos de acções, seguros de vida e outros não reclamados há mais de 20 anos devem ser devolvidos à sociedade", defende.
"Só em activos financeiros não reclamados há, em Inglaterra, 19 mil milhões de euros", continua. É muito dinheiro. Dinheiro de pessoas que morreram, que ninguém reclamou, ou de pessoas que não precisam dele. "Criou-se um banco social e é ele que financia as políticas do ministério para o Terceiro Sector. Se, em Portugal, houvesse apenas dois mil milhões de euros em activos não reclamados, isso bastava para revolucionar o Terceiro Sector. Era uma bomba que ia transformar o combate à pobreza e os mecanismos de coesão social", diz. Até lá, "o dinheiro está perdido nos balancetes dos bancos". E das seguradoras. E de outras sociedades...
João Meneses tem 34 anos, é presidente de uma organização não-governamental chamada TESE, tem experiência de direcção financeira de organizações não-governamentais e um interesse especial sobre inovação social.
Há alguns meses, foi convidado para ser comissário do simpósio organizado pela Comissão Episcopal da Pastoral Social e pela Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais. O objectivo deste encontro é "reinventar a solidariedade em tempo de crise", ou, pelo menos, recolher ideias, de muitas pessoas de diferentes sectores, sobre o assunto.
João Meneses tem, ele próprio, várias ideias para reinventar a solidariedade. "Se fosse ministro", diz, a criação de uma comissão dos activos não reclamados "era a primeira medida que tomava...".
Mudar visão assistencialista
Foram convidados para o simpósio jornalistas, escritores, gestores, representantes de organizações não governamentais, para integrar os diferentes painéis. O encontro, no Centro de Congressos de Lisboa, arranca com intervenções de Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, João Ferreira do Amaral, Mário Murteira. O encerramento será feito por Manuel Clemente e Carlos Azevedo.
A organização tinha recebido até meio desta semana mais de 600 inscrições para aquele que é o primeiro evento das celebrações dos 50 anos do monumento do Cristo-Rei (mais informações na pág. 23 do caderno Local Lisboa). A Conferência Episcopal quer interpelar a sociedade "convocando todos os cidadãos para uma reflexão alargada e profunda sobre o futuro da solidariedade". O comissário tem uma convicção: "Tanto as organizações da sociedade civil como o próprio Estado têm o dever de mudar de abordagem". Ainda predomina, frequentemente, uma visão assistencialista dos mais pobres, admite. "E a maneira como as instituições sociais olham para os beneficiários ainda não é de igual para igual" - ainda não passa, muitas vezes, por ver no outro "uma oportunidade e não um problema".
Para além disso, "falta criatividade e imaginação". Meios também, mas muitas das ideias que podem fazer a diferença nem sequer custam dinheiro, garante.
João Meneses acredita, pois, que há "um campo imenso de inovação social que não está a ser potenciado". "A inovação tem sido considerada o factor principal de geração de valor ao nível da economia, dos negócios, da ciência... Porque é que no domínio social não se percebe que pode ser igualmente geradora de valor, tanto mais que as realidades sociais estão sempre a mudar?"
O presidente da TESE dá vários exemplos do que é isto de inovar socialmente. Este é ilustrativo: "A Google e a General Electric criaram um contador que mede a energia eléctrica gasta, não em kilowatts mas em euros, ou em dólares. Este contador fica em casa das pessoas, à vista. Com ele ficamos a saber quanto é que custa, em euros, mudar a temperatura do ar condicionado, quanto é que custa fazer uma torrada, quanto é que custa manter a televisão ligada... A conclusão a que já se chegou é que as famílias começam a poupar dez a 15 por cento, num mês, no seu consumo. Em termos de impacto ambiental isto significa muito: se seis famílias pouparem dez a 15 por cento isso é o equivalente a tirar um automóvel da estrada para sempre, em termos de emissões de carbono." E o que custa esta ideia? Nada. "Nem ao Estado nem a ninguém."
"O Obama acaba de abrir um Office of social innovation na Casa Branca e o Sarkozy abriu uma unidade para a inovação social. Em Inglaterra, leva-se tão a sério o Terceiro Sector que se criou um ministro só para o Terceiro Sector. O Estado português não percebeu ainda a importância do que é a inovação social, nem do voluntariado... Está a léguas de distância de conseguir capacitar a sociedade civil."
Hoje, ao longo do dia, o objectivo é, pois, alimentar a imaginação. Para ajudar a reinventar desde os modelos de organização económica e social à forma como se actua para ajudar quem sofre os efeitos da crise.