Por António Marujo, in Jornal Público
Na abertura da Conferência Episcopal, em Fátima, arcebispo de Braga contestou equiparação das uniões homossexuais à família
O arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, denunciou ontem que "há fome" em Portugal, "mesmo que disfarçada na resignação de pessoas simples habituadas ao sacrifício". Falando no início da assembleia da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), que actualmente preside, Ortiga condenou também o que considera as "campanhas que pretendem dar uma orientação contrária" ao que defende a doutrina tradicional da Igreja e não deixou de criticar a equiparação das "uniões homossexuais" ao estatuto da família.
Foi quase no final do seu discurso de abertura dos trabalhos, em Fátima, que o arcebispo se referiu à situação social do país. "A atenção à família determina o conteúdo das prioridades a considerar pelas instâncias governativas", começou por afirmar. E logo a seguir: "O desemprego cresce e as empresas lutam com dificuldades ou já encararam a realidade da falência. A carência de bens essenciais entrou em muitas casas."
Depois de referir que "há fome", o arcebispo acrescentou que "a vergonha encobre muita miséria". E as estatísticas "lançam alertas que os poderes deveriam ouvir para discernir caminhos que ofereçam aos pobres uma vida digna". D. Jorge Ortiga ainda considera que esta é "a prioridades das prioridades".
Apesar disso, o presidente da Conferência Episcopal dedicou praticamente metade do seu discurso a temas relacionados com a educação e a moral familiar. Defendeu a importância de os pais poderem decidir "o projecto que querem para os seus filhos", manifestou a sua inquietação com a "ausência de valores" ou, mais à frente, com o "relativismo" dos mesmos, que degenera em "antivalores".
Inconformismo cívico
A propósito, o arcebispo de Braga defendeu a possibilidade de "um justo inconformismo cívico, a fim de que seja respeitada e legislada claramente a liberdade de opção dos pais sobre a educação dos seus filhos" - uma alusão, mesmo se implícita, à educação sexual nas escolas.
Defendendo a família como "célula primeira e vital da sociedade", o arcebispo Ortiga identificou uma lista de problemas: "Rupturas familiares, crise social da figura do pai, dificuldades em assumir compromissos estáveis, graves ambiguidades acerca da relação de autoridade entre pais e filhos, o número crescente de divórcios, a praga do aborto, o recurso cada vez mais frequente à esterilização e a instauração de uma verdadeira e própria mentalidade contraceptiva."
Também a "teoria do género", criticada pelo Papa Bento XVI antes do Natal de 2008, foi condenada pelo presidente da CEP. Trata-se de uma "verdadeira ideologia apostada em redefinir a família, a relação matrimonial, a procriação e a adopção", afirmou. E criticou o movimento de emancipação da mulher, que "enveredou por uma competição entre os dois sexos".
A única referência ao casamento homossexual surgiu quando Jorge Ortiga disse haver concepções de igualdade que tratam como "irrelevante" a diferenciação sexual. "As uniões homossexuais pretendem apresentar-se com estatuto idêntico à família", afirmou.
No discurso, o arcebispo criticou ainda o exercício "meramente amistoso" ou "lúdico" da sexualidade, o aborto "banalizado" e o "decréscimo da natalidade", que atinge valores "preocupantes, motivados por interpretações egoístas do dom da sexualidade".
Apesar das críticas implícitas a opções do Governo, o presidente da CEP referiu-se à nova fase "de relacionamento com o poder civil", dizendo que a hierarquia católica quer "continuar a cooperar" na aplicação da Concordata e da Lei da Liberdade Religiosa. A actual situação do país "solicita da Igreja uma atitude muito concreta", acrescentou.
Mas, na leitura do discurso, saltou uma frase que estava no texto: a Igreja Católica não quer "um estatuto de privilégio". Aliás, entre as várias passagens que omitiu, D. Jorge deixou também calada a referência à "violência doméstica".