Lucília Tiago, in Jornal de Notícias
Daniel Amaral não acredita que o défice consiga ficar abaixo dos 6% e defende a manutenção das medidas de combate à crise durante o ano de 2010
O combate ao desemprego e à exclusão social têm que ser, para o economista Daniel Amaral, as áreas em que o Governo deve centrar todos os esforços.
Em entrevista ao JN, diz não acreditar que o défice fique nos 5,9% em 2009 e admite o adiamento de alguns investimentos, mas apenas por motivos financeiros.
Há indicadores que vão já dando conta de alguma recuperação da economia e há quem acredite que a crise já bateu no fundo. Partilha esta leitura?
Não, de todo. Os economistas têm por hábito usar como imagem as letras V, U e L: a primeira, reflectindo uma queda com recuperação imediata, é mera utopia; a segunda, com recuperação mais lenta, é uma boa aposta; e a última, se bem que improvável, não está posta de lado. Uma recente projecção do FMI para 2010 coloca a Zona Euro a crescer menos de 1%. E como Portugal está refém das exportações, o mais provável é que não cresça enquanto a Europa não crescer. Estamos no fundo do U. Resumindo: este ano o PIB deverá cair 3,5%, e em 2010 talvez chegue a valores positivos mas na vizinhança de zero. A marcha do desemprego apavora-me…
A partir de quando é que os apoios à economia deverão ser retirados? Será já em 2010?
Possível será, mas não é aconselhável. Quando o Governo definiu o seu plano anti-crise, apontou para gastos da ordem de 1% do PIB - um valor irrisório, quando comparado com os EUA, a Alemanha ou o Japão. E até hoje só aplicámos 42% do total. Os estímulos americanos deverão atingir 6%, elevando o défice deste ano para uns temerários 12% do PIB. Seja como for, seria suicida acabar com os estímulos já em 2010. Resta saber qual será a reacção de Bruxelas, e também o que poderá fazer um Governo que é minoritário no Parlamento.
O Governo mantém o valor do défice em 5,9%. Seria desejável que o próximo Orçamento de Estado tivesse já preocupações de consolidação orçamental?
Ponto prévio: não acredito neste número. E explico porquê: o PIB de 2008 foi de 166 mil milhões de euros. Com uma queda em volume de 3,5% e um deflator nulo, o PIB de 2009 deverá baixar para 160 mil milhões. E 6% são 9,6 mil milhões. Mas, em apenas nove meses, o subsector Estado já "comeu" 9,1 mil milhões (95%). Como é que vamos alimentar o bicho nos três meses restantes? Eu sei que o Governo está amarrado aos seus famosos 5,9%. E o INE confirmou-os no seu reporte sobre défices excessivos. Morro de suspense pelos resultados finais… Respondendo à sua pergunta: claro que não. Em 2010, o Governo deverá preocupar-se com o desemprego, a miséria e a exclusão social. O orçamento pode esperar.
Este orçamento tem margem para subir ou descer impostos?
Em relação a descidas, o melhor é esquecer: a margem de manobra é nula. Quanto a subidas, não sei. Tudo depende da elasticidade que Bruxelas nos consentir. Mas será muito difícil manter tudo como está. Deixo algumas críticas às oposições. Quando se trata de aprovar estímulos, o Governo é um sovina, porque ignora os pobrezinhos. Quando se trata de medir o défice, o Governo é um incompetente, porque gastou de mais. É mesmo necessário ser demagogo?
Este Governo fará um favor ao país se avançar ou travar os grandes investimentos públicos?
A história do investimento público está mal contada. A ideia que muitos portugueses hoje têm é que Sócrates é um lunático, um obcecado por "obras". A realidade é diferente: o investimento público de Sócrates é, de longe, inferior àquele que em igual período foi realizado por Durão Barroso - tendo a seu lado a ministra Manuela Ferreira Leite. Eu sei que por investimento público se entende aeroporto e TGV. Mas em política não vale tudo. Sobre estes projectos, a minha opinião é a seguinte: o aeroporto é indispensável; e, quanto ao TGV, há compromissos de Estado que gostaria que o meu Estado respeitasse. Mas admito adiamentos, por razões meramente financeiras.
Num estudo recente defende-se a tributação das mais-valias dos rendimentos bolsistas. Aprova?
Li a versão simplificada desse estudo. O meu primeiro impulso foi de concordância. Se há um rendimento de capital, se os outros rendimentos são taxados e se a generalidade dos outros países também o faz - porquê deixar de fora as mais-valias bolsistas? Mas depois reflecti melhor. Em boa verdade, as aplicações não são iguais: num depósito a prazo, o ganho está na taxa de juro, maior ou menor mas sempre positiva; na compra de acções nunca se sabe o que há - pode ser um ganho, um prejuízo, ou até uma perda integral. O último ano é um bom exemplo. Acho que o assunto deve ser debatido. Uma solução razoável pode ser a aplicação de uma taxa mais baixa.
O Governo definiu como prioridade desta legislatura o crescimento económico. Concorda?
Que o crescimento económico é prioritário parece-me consensual. Mas precisamos de definir o conceito. Porque não basta um crescimento qualquer. Um bom crescimento é aquele que cria muito emprego e que, na medida do possível, evita o endividamento.
Que orientações serão necessárias para ir concretizando aquela prioridade?
Os motores do crescimento económico são três: o consumo, o investimento e as exportações. Mas do consumo não há muito a esperar, face à inevitável contenção nos salários. E as exportações estão em parte bloqueadas, devido à crise que se generalizou na Europa. Resta-nos o investimento: pode ser público ou privado, tanto faz; o que é preciso é que tenha um bom efeito multiplicador.
A presente entrevista faz parte de um conjunto de oito que o JN publica sobre as áreas mais delicadas da legislatura.