13.11.09

Participação de mulheres em cargos de topo está congelada

Por Ana Rute Silva, in Jornal Público

Em dez anos, o acesso de mulheres a lugares de direcção pouco se alterou. Os preconceitos, a gravidez ou o apoio à família ainda as penalizam


Era fácil reconhecer Susana Santos. A barriga de sete meses não deixava margem para dúvidas. Mas o caça-talentos que a tinha contactado por telefone para combinar uma entrevista de emprego vacilou. "Está grávida? Deixe-me falar primeiro com o meu cliente". Depois, nada. Susana tinha deixado de ser uma candidata elegível.O episódio é o único negativo numa longa lista de conquistas profissionais. A actual directora de serviço pós-venda, assistência técnica e apoio ao cliente da Fagor, de 37 anos, não voltou a sentir entraves à subida na carreira. Tem duas filhas, está a amamentar, e na empresa onde trabalha desde 2003 entrou directamente para o topo da hierarquia. Resta-lhe o degrau da direcção-geral.

Apesar dos avanços sociais, a disponibilidade das mulheres para assumirem cargos de chefia ainda é posta em causa pelos empregadores. E as estatísticas dos últimos anos tardam em reflectir grandes evoluções em matéria de igualdade. Pouco ou nada mudou no número de mulheres que assumem posições de chefia nas empresas ou na administração pública.

Desde 1998, a última série do Inquérito ao Emprego publicada pelo INE, que a percentagem de mulheres em cargos de direcção insiste em manter-se pouco acima dos 31 por cento. Há, hoje, menos igualdade de género: o ano passado apenas 31,2 por cento dos quadros superiores e dirigentes da administração pública e das empresas eram preenchidos por mulheres (30,7 no primeiro semestre de 2009). Em 1998, o peso era 31,8 por cento. Em matéria de liderança feminina, Portugal está na média europeia, mas é ultrapassado pela França e Itália. Em Espanha, 35 por cento dos presidentes de empresas são mulheres, revelam dados da Comissão Europeia.

Não há uma só explicação para a estagnação (e mesmo recuo) espelhada nos números. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO lembram que uma década é pouco tempo para se assistir a mudanças estruturais na sociedade, dominada por estereótipos que atribuem ao homem um lugar de direcção e à mulher de apoio. A maternidade persiste como factor de discriminação, as tarefas domésticas são protagonizadas pelas mulheres (apesar de cada vez mais homens assumirem também esse papel). E a desigualdade salarial é uma realidade transversal em todas as profissões há mais de 30 anos - os quadros superiores do sexo feminino ganham menos 31 por cento, por exemplo.

Muro invisível

"Há uma espécie de muro invisível que dificulta o acesso a determinados cargos, sobretudo quando envolvem poder. Mas há um percurso da igualdade de oportunidades e uma abolição progressiva de estereótipos. Dez anos é muito pouco para assistirmos a mudanças estruturais e há questões de fundo que nem mesmo em 30 anos se alteram", alerta Manuel Lisboa, director do Observatório Nacional de Violência de Género.

Mas hoje, como em 1998, no processo final de recrutamento para o mesmo cargo, a escolha pende mais facilmente para o candidato do sexo masculino. "Não é por mal, é por acharem que as mulheres, com os filhos e a família, têm menos tempo para dar", diz Teresa Beleza, directora de recursos humanos da Dalkia, empresa do sector da energia do grupo Veolia Environnement e da Electricité de France. Jorge Armindo, empresário e presidente da Amorim Turismo, admite que não é possível ignorar que as tarefas familiares são divididas de forma diferente entre géneros. "Há, de facto, cargos onde a disponibilidade é muito importante, mas há formas de contornar isso. Por exemplo, tenho um caso concreto na empresa em que foi recrutado um adjunto júnior para apoiar uma gestora, sobretudo nas deslocações", ilustra.

O tratamento diferenciado é quase inato. E são, muitas vezes, as próprias mulheres a prescindir da carreira. "Acontece com frequência serem elas a dar o passo atrás", lembra o gestor João Cotrim de Figueiredo, administrador da Fundação Ulisses que gere o The Lisbon MBA. O desafio começa quando optam por conciliar os dois mundos.

"Senti-me uma vez discriminada. Trabalhava numa empresa como directora financeira e engravidei. Na véspera de regressar de licença de maternidade, assinei a rescisão do meu contrato de trabalho", conta Teresa Beleza. A rescisão foi assinada por mútuo acordo, deixando, por isso, pouca margem para apresentar queixa formal na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE).

Uma gestora com três filhos ouvida pelo PÚBLICO contou que nunca ficou mais de dois meses em casa, de licença de maternidade. Porque estar fora do escritório é dar um sinal de que se é facilmente substituível. Outra citou o desabafo do seu superior hierárquico cada vez que uma trabalhadora anuncia estar grávida: "Lá está mais uma!...". José Bancaleiro, CEO da HumanCap International, confirma que a situação de gravidez "é um verdadeiro obstáculo para conseguir um novo emprego".

Queixas na CITE disparam O ano passado chegaram à CITE 36 queixas e 1035 pedidos de esclarecimento. Este ano, com a entrada em vigor do novo Código do Trabalho e o reforço da parentalidade, o número de queixas mais do que triplicou (aumentou 247 por cento), a maioria devido a "questões relacionadas com a maternidade", revela a comissão criada em 1979. Os pareceres emitidos distribuem-se, nomeadamente, entre "despedimentos de mulheres grávidas, puérperas ou lactantes e homens em gozo de licença de parentalidade".

A taxa de participação feminina no mercado de trabalho em Portugal é uma das maiores da União Europeia (62,5 por cento), mas, diz a CITE, para os mesmos níveis de habilitações as mulheres ficam com os trabalhos menos qualificados. Do total de licenciados, 67 por cento são do sexo feminino. Por que não chegam ao topo? "Há quem argumente que dentro de alguns anos será possível assistir a uma mudança, mas estudos feitos, nomeadamente sobre o sector bancário, indicam outra realidade", explica Virgínia Ferreira, professora e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. E continua: "Acompanhámos o percurso de recém-licenciados durante cinco anos e, ao final desse período, elas ganhavam menos. Eles já tinham sido promovidos".

Dois meses depois de ter sido dispensada, Teresa Beleza entrou na Dalkia para adjunta da direcção financeira e, hoje, como directora de recursos humanos, tem um lugar na comissão de direcção. É a única mulher, entre oito. Francisca Vermelho, directora-geral da Triumph, não sofreu entraves para chegar ao topo e diz mesmo que o facto de ter trabalhado em "ambientes masculinos" a favoreceu. Também Clara Guedes, administradora da Queijo Saloio, nunca sentiu que a sua evolução seja mais lenta por ser mulher. "Podemos mudar as coisas dando mais flexibilidade. Mas fazer carreira só é possível com ajuda em casa", lembra.

A participação das mulheres está a dar passos subtis, mas ainda pouco visíveis nas últimas estatísticas. "É toda uma estrutura social. Mudar leva tempo", desabafa Virgínia Ferreira.