por Diana Mendes, in Diário de Notícias
Nos primeiros três meses do ano, a despesa com medicamentos aumentou 7,9% relativamente a 2009. Há unidades de oncologia que já superaram os 2,8% definidos pela tutela. Os cortes vão doer.
As novas medidas de austeridade para o sector da saúde põem em risco o tratamento de doentes em áreas como a do cancro. Isto mesmo foi admitido ao DN por médicos e administradores hospitalares. A oncologia depende muito de medicamentos inovadores, e a despesa nesta área é da ordem dos 25% dos gastos hospitalares. "Não tenho dúvida de que tentarão cortar logo o acesso a estes remédios, é o caminho mais fácil", diz ao DN Jorge Espírito Santo, presidente do colégio de oncologia da Ordem dos Médicos.
O Ministério da Saúde aprovou há dois dias um pacote de dez medidas para reduzir a despesa e os desperdícios no SNS, definindo que esta não cresça mais de 2,8% em 2010. No entanto, e segundo dados do Infarmed a que o DN teve acesso, as despesas com estes medicamentos, só nos primeiros três meses de 2010, já subiram 7,9%, cerca de 207 milhões de euros, a nível nacional relativamente ao período homólogo.
No caso da oncologia, a situação é bem pior, já que o aumento da despesa é muito superior, chegando a atingir os 39,7% no Porto; 18,1% em Lisboa e 8% em Coimbra. Há unidades que fazem tratamentos oncológicos, como São João, no Porto, ou Santa Maria, em Lisboa ,com subidas de 12% em relação a 2009.
Pedro Lopes, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares acha "difícil os IPO reduzirem a despesa até aqui". Jorge Espírito Santo pede excepções para os IPO, mas fonte do Ministério da Saúde diz que "não haverá excepções para nenhum hospital".
O dirigente da Ordem acha os hipotéticos cortes inaceitáveis, porque "quem prescreve é o médico. Só ele sabe se o doente deve tomar o medicamento, e não o administrador.
António Sousa, director do serviço do Hospital de São Francisco Xavier, também acredita que haverá limitações, em casos específicos. "Hoje já existem. É natural que se aperte mais a malha", admite. No caso dos remédios inovadores, exemplifica, "pode estreitar-se o critério: em vez de 4 ou 5 remédios (linhas de tratamento) podemos ficar por três ou quatro". Outro exemplo é o de doentes muito idosos e com doenças associadas. "Muitos países já fazem estas opções, porque haverá outros doentes que necessitam mais de medicamentos. Nós ainda tratamos todos; noutros países, chegam a ter de pagar se quiserem tratar-se". Mas esta hipótese "levanta inúmeros problemas de ética", alerta.
Ao DN, o ministério garantiu que os tratamentos aos doentes "não serão postos em causa. O objectivo é dar acesso a mais remédios inovadores, mas, para isso, é preciso cortar no desperdício e nos erros de prescrição, por exemplo. Sabemos que a grande poupança está na correcção do desperdício", diz a mesma fonte.
Outra forma de reduzir gastos é "negociar com a indústria e pressionar a redução de preços", refere Pedro Lopes. A ministra Ana Jorge disse ontem na comissão da saúde que "toda a indústria farmacêutica deve pensar seriamente em ser um parceiro". E referiu que tem de ser feita "uma análise muito criteriosa" sobre os fármacos, com preços "muitas vezes exagerados", disse, citada pela Lusa.
Pedro Lopes admite o desperdício em unidades, mas sempre foi assim. Para reduzir gastos "é necessário negociar preços e criar políticas de medicamento entre vários especialistas", refere. O bastonário Pedro Nunes admite: "Se o tratamento falhar, a ordem irá pronunciar-se". E avança a necessidade de se criar critérios de prescrição para todo o SNS, para se poupar.