Por Manuel Carvalho, in Jornal Público
O ciclo da dívida acabou. O crescimento está nas mãos das empresas capazes de vender lá fora. Um desafio gigantesco para um país habituado a consumir
Em Novembro de 2000 a revista britânica The Economist dedicou a Portugal um extenso trabalho para apresentar ao mundo uma história de sucesso. "A economia está a crescer mais de 3,5 por cento ao ano. O desemprego está abaixo dos cinco por cento. Os padrões de vida aumentaram muito rapidamente", lia-se. Sete anos depois, Portugal tinha perdido o fascínio e a revista lastimava "O novo doente da Europa". O que tinha acontecido ao país vibrante de 2000?
Nas últimas semanas, Portugal tornou-se um dos principais alvos das dúvidas dos mercados financeiros. Não tanto por causa do défice público, que está abaixo do do Reino Unido, por exemplo, ou da dívida do Estado, que fica muito longe da da Bélgica. O que move a suspeita dos analistas financeiros, dos investidores e das organizações internacionais é a debilidade da economia. Ou, por outras palavras, da dificuldade das empresas nacionais de poderem competir no mercado mundial.
As contas não iludem: "Portugal, no começo do século XXI, entrara no período de mais longo abrandamento do crescimento económico desde a Segunda Guerra Mundial", observa Rui Ramos na sua História de Portugal. E as previsões para os próximos anos reforçam o desencanto: o país vai continuar a empobrecer relativamente.
O que aconteceu para justificar esta espécie de condenação? O problema, que a crise mundial tornou mais cruel, tem dez anos e nunca foi encarado de frente. Nos dias do deslumbramento da Expo-98 e do crescimento que parecia ilimitado, os governos de Cavaco e de António Guterres fizeram opções que ainda hoje condicionam a nossa vida. Cavaco Silva aprovou o Novo Sistema Retributivo da Função Pública, que na década seguinte implicou um crescimento na ordem dos dez por cento ao ano dos custos do pessoal do Estado. Nos anos de Guterres, a função pública foi engrossada com mais 50 mil funcionários. Entre 1995 e 2005, Portugal foi o país da Europa onde a despesa pública mais cresceu (6,9 por cento).
Para que a espiral de despesas ficasse completa faltava ainda contar com a participação dos privados. O corte das taxas de juro provocou o disparo no consumo. Em 1998/99 a compra de automóveis aumentou 30 por cento. Em dez anos, 700 mil portugueses adquiriram casa própria.
Como num jogo, quando se gastam trunfos numa opção, deixam-se outras sem recurso. A euforia gastadora alimentava-se de juros baixos e salários altos. Com os recursos alocados no consumo público e privado, as empresas obrigadas a competir no mercado mundial foram esquecidas. Com custos laborais mais altos do que a concorrência, com o investimento a dirigir-se para carros ou casas, as empresas foram falindo ou perdendo nervo. Em muitos sectores, as empresas tiveram de concorrer com os chineses com salários e custos europeus.
Enquanto o país perdia posições no exterior, o ritmo das importações acelerou. Com as poupanças exauridas e sem recursos próprios para pagar o nível de consumo, Portugal entrou numa espiral de endividamento. A balança de transacções correntes, que na primeira metade da década de 1990 estava equilibrada, entrou em desvario: em 1994, 2,3 por cento do que o país consumia era financiado pelo estrangeiro; nos anos 2000, nunca esteve abaixo dos 7,5 por cento e atingiu até 12,1 por cento em 2008. Em cada passo desta estratégia, economistas como Silva Lopes ou Daniel Bessa chamavam a atenção para a "perda de competitividade do país".
Quando a euforia do gasto público e privado abrandou, a economia estagnou e o país empobreceu. O rendimento percapita passou de mais 80 por cento da média da União Europeia a 25 para 70 por cento. Portugal foi ultrapassado pela República Checa, Grécia, Malta e Eslovénia em termos de riqueza. Em 2003, já depois da entrada no euro, foi o primeiro país a violar o pacto de estabilidade e crescimento, que impõe limites para o défice e a dívida pública. O Governo de José Sócrates tentou responder a alguns desses problemas, aprovando um novo modelo de financiamento das pensões ou tentando travar o crescimento dos custos da função pública.
Mas as causas que limitam a capacidade de as empresas poderem ser mais concorrenciais não se alteraram. Apesar dos avisos, os custos laborais, empurrados pelo sector público ou pelas empresas que não se sujeitam à concorrência internacional, como a PT ou a EDP, continuaram a aumentar. As exportações permanecem abaixo dos 30 por cento do PIB, um valor muito reduzido para economias com a dimensão da portuguesa.
Enquanto houve crédito fácil, a ilusão da prosperidade pôde ser vendida. Agora com a desconfiança sobre a solvabilidade do Estado, o coro dos que reclamam reformas profundas aumenta de tom. O consumo já não pode ser a mola do crescimento. As expectativas recaem agora nos "bens transaccionáveis". Nas empresas que exportam e que concorrem no exterior com os produtos da China ou dos países de Leste.
Nada será feito num estalar de dedos. O "ajustamento" do consumo e a redução dos gastos públicos serão "penosos e ainda se vão prolongar no tempo", avisa o académico António Figueiredo. Desta vez, porém, não parece haver alternativa. Sem contenção nos gastos, sem que a subida dos salários seja compensada pelo aumento da produtividade, não há criação de riqueza. Os alemães sabem isso há muito. Os portugueses acabam de o aprender. com Luísa Pinto