Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público
As Finanças quiseram aplicar a taxa de IRS à totalidade dos rendimentos de 2010. O PSD reagiu e José Sócrates mudou de opinião
Os portugueses vão pagar mais um mês de taxa adicional de IRS. Ontem, o primeiro-ministro decidiu antecipar a sua aplicação para 1 de Junho, quando fora anunciada apenas para o segundo semestre.
A antecipação surge após as declarações do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, citadas pelo jornal i, de que a taxa adicional iria incidir, sim, sobre a totalidade dos rendimentos de 2010. Essa foi a resposta à questão da jornalista sobre o que aconteceria aos subsídios de férias pagos em Junho pelas empresas.
Ou seja, se as retenções na fonte se iniciavam no segundo semestre de 2010, logo após a aprovação da medida, os contribuintes iriam ser confrontados com uma liquidação adicional após a entrega, em 2011, da declaração de IRS, relativa aos meses não abrangidos pela retenção na fonte.
O Ministério das Finanças não justificou ao PÚBLICO a razão da antecipação. Nomeadamente, se não seria uma compensação orçamental, dado que - a verificar-se a intenção das Finanças - se iria prescindir de seis meses de tributação. Fica, porém, no ar que a antecipação visa, pelo menos, tributar os subsídios de férias.
A alteração da posição do Governo surge depois de a manchete do jornal i ter suscitado comentários do vice-presidente do PSD e fiscalista, Diogo Leite de Campos, que defendeu estar-se a tributar retroactivamente rendimentos, o que era inconstitucional.
Por outro lado, o economista Nogueira Leite, responsável pelo PSD na negociação do acordo com o Governo, afirmou à SIC que o noticiado não fazia parte do acordo. Nos restantes casos - leia-se o caso das mais-valias e taxa de 45 por cento, cuja tributação incide sobre os rendimentos anuais - era um problema do Governo, mas na taxa adicional tratava-se de respeitar o acordado.
Ontem à tarde, o primeiro-ministro refez a posição do Governo. "Não, não há retroactividade", afirmou José Sócrates. "É um imposto adicional e extraordinário que será cobrado a partir de 1 de Junho", garantiu, no final de uma reunião de concertação social. E uma nota das Finanças esclareceu, pouco depois, esse aspecto. "As novas taxas de IRS, integrantes do pacote de medidas adicionais, tendo embora aplicação na liquidação de IRS respeitante a todo o ano de 2010, apenas incidirão sobre a parcela do rendimento angariada a partir de 1 de Junho, tal como sucederá com as novas tabelas de retenções na fonte", refere-se.
Contradições entre medidas
Nada disto deveria ser novidade. Tributar os rendimentos anuais será a regra a aplicar tanto na tributação das mais-valias mobiliárias, como nos rendimentos sujeitos à taxa máxima de IRS de 45 por cento, medidas recentemente aprovadas pelo Parlamento.
O próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, defendeu essa lógica num artigo publicado no jornal Expresso, a 1 de Maio passado. Nele sustentou que, ao contrário da polémica que a tributação das mais-valias tinha suscitado, não havia qualquer retroactividade, porque "valem as regras gerais do IRS e sujeita-se à nova taxa de 20 por cento o saldo entre mais e menos-valias apurado no final do ano". Aliás, alegou-se que essa tributação dos rendimentos anuais inviabilizaria as jogadas especulativas desencadeadas para evitar a tributação, através da corrida à venda de activos, antes da aprovação das medidas.
Mas, na verdade, a confusão gerou-se, desde a aprovação da taxa adicional, quando o Governo anunciou a medida a 13 de Maio passado numa "conferência de imprensa" apenas para as televisões, sem esclarecer qual seria o período da sua aplicação. Nesse dia, o PÚBLICO questionou as Finanças se o IRS adicional iria ser aplicado desde o início de 2010, e cobrado em 2011. Ficou sem resposta.
No dia seguinte, o Ministério das Finanças emitiu uma nota sobre os impactos orçamentais das medidas. A taxa adicional de IRS representaria 0,2 por cento do PIB em 2010 e 0,4 por cento em 2011. Ou seja, tudo indiciava que os rendimentos do primeiro semestre de 2010 não seriam tributados.
A declaração do secretário de Estado, se é coerente com posição sustentada pelas Finanças, surgiu ao arrepio da ideia deixada desde o início pelo Governo e nunca aclarada.
Confusões várias
Mas a alteração da posição do Governo suscita diversas questões.
A primeira é que as declarações do primeiro-ministro anunciam uma antecipação do prazo antes anunciado. O calendário inicial era que tudo seria feito para a taxa adicional apenas no segundo semestre de 2010. A 13 de Maio, o Ministério das Finanças anunciou: "Estima-se que as medidas entrem em vigor a 1 de Julho."
Mas a antecipação acarreta outro problema. Para ser aplicada a 1 de Junho, o Parlamento e o Presidente da República terão de acelerar a aprovação e promulgação da medida (ver caixa).
A segunda questão é saber se, apesar de o PSD não fazer sua a questão, a incoerência de critérios face à tributação das mais-valias e à taxa agravada de 45 por cento não será ainda suscitada pelos contribuintes. Nomeadamente os contribuintes beneficiários de elevados rendimentos de mais-valias que poderão tudo fazer para impugnar a aplicação da tributação.
Mas o argumento referido por Sócrates para não aplicar a taxa adicional de IRS a todos os rendimentos de 2010 - o da "não retroactividade" - pode virar-se contra o executivo.
Se o primeiro-ministro reconhece - contra o argumento dos responsáveis das Finanças - que haveria retroactividade em aplicar as taxas de IRS desde Janeiro de 2009, então terá de reconhecer que há retroactividade na tributação sobre as mais-valias e sobre os rendimentos taxados à taxa de 45 por cento. E se o fizer, admitirá que esses casos são inconstitucionais. Na melhor das hipóteses, o primeiro-ministro terá de admitir que se enganou e que não há retroactividade em nenhum dos casos.