por Ana Rute Peixinho, in Diário de Notícias
Maioria tem hoje mais de 35 anos. A mudança de lei e a evolução na ciência fizeram cair a pique o número de casos. Testes de ADN, exigidos pelos tribunais, tiram dúvidas.
Há mais de 150 mil portugueses sem o nome do pai no bilhete de identidade (BI). A maioria tem mais de 35 anos, até porque ser filho de pai incógnito é uma realidade que a lei forçou a diminuir.
Ainda assim, segundo dados do Ministério da Justiça (MJ) fornecidos à Lusa, mais de oito mil crianças com menos de 15 anos não têm paternidade definida.
"Divergências entre progenitores, comportamentos de risco ou factores sociais [como filhos nascidos de pais não casados antes de 1976] conduzem a que muitas vezes fique omissa a paternidade na declaração de nascimento", refere o MJ.
Antes do 25 de Abril, nascer fora do casamento era ser ilegítimo e muitas mulheres suportaram sozinhas a educação das crianças.
"O peso da palavra era esmagador e de uma tremenda injustiça. A ilegitimidade era não reconhecer o filho e envergonhar-se de o ter tido", diz o pediatra Mário Cordeiro.
Dos portugueses com paternidade desconhecida (151 889), 108 195 têm mais de 35 anos ( cerca de 70 %). É o caso de Paulo, que prestes a completar 40 anos nunca foi assumido ou procurado pelo pai e tem no BI uma lacuna que surpreende muita gente.
"Quando me casei, fui tratar da certidão de nascimento e a funcionária pensou que havia um erro. Ficou incrédula com a falta do nome do pai", contou.
Paulo soube desde cedo a sua história. A mãe assumiu sempre que o pai não o quisera, contando--lhe todos os pormenores, inclusivamente quem era o homem que biologicamente o tinha gerado.
"Curiosamente sei bem quem ele é. Já me cruzei profissionalmente com ele várias vezes, até porque quis o destino que seguisse a mesma área", conta. "Já lhe falei, já lhe apertei a mão até, mas ele não sabe quem sou. Porque nunca quis saber", relata.
Garante que nunca teve vontade de confrontar o pai biológico e que agora convive bem com a ausência de apelido paterno. Mas admite que a situação teve consequências: "Não tenho memória praticamente de nada da minha infância até aos sete anos."
Para o pediatra Mário Cordeiro, a verdade contada "de forma calma e progressiva" pode mitigar a desilusão e a dor nestes casos: "mas há sempre alguma dose de perplexidade e de sentimento de rejeição", nestes filhos.
"As pessoas aguentam muito. E o passado não é necessariamente o futuro. As crianças não estariam condenadas à partida, porque poderiam encontrar outras pessoas de referência que representariam a figura psicológica do pai", defende o pediatra.
Casos de rejeição de filiação são hoje mais raros, até por imposição legal, com a alteração ao Código Civil em 1976, que pretendeu salvaguardar os direitos fundamentais das crianças.
Além da falta de obrigação legal de filiação, na década de 70 a ciência não dispunha dos meios actuais de determinação da paternidade. A procura de testes de paternidade tem aumentado no País.