Por Graça Rosendo*, in Sol
Os cortes em algumas das pensões sociais não contributivas – previstos no PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento) e já aprovados pelo Governo – estão a criar um profundo mal-estar entre os técnicos da Segurança Social
As primeiras dúvidas e críticas às novas regras a aplicar ao rendimento social de inserção (RSI) e ao subsídio social de desemprego, entre outros, surgiram, aliás, dentro do gabinete da própria ministra do Trabalho, Helena André, e do secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques. Mas estenderam-se aos técnicos que têm acompanhado o dossiê e que lembram, por exemplo, o facto de os cortes irem incidir sobre os mais pobres, quando estamos em pleno Ano Europeu de Luta contra a Pobreza – iniciativa a que Portugal se associou ao mais alto nível.
«Como vamos explicar isto às pessoas? Somos nós que lidamos com elas e com os seus problemas todos os dias», lamentou ao SOL um destes técnicos, pedindo o anonimato. O problema, apontam, é o facto de a medida incidir apenas sobre algumas das pensões sociais não contributivas. De fora ficam, por exemplo, o complemento solidário para idosos e o subsídio social de reforma – pensões prometidos nas campanhas eleitorais de José Sócrates e criadas pelo seu Governo.
O Executivo vai impor os cortes no RSI e no subsídio social de desemprego através da aplicação de regras apertadas de verificação da condição de recursos – ou seja, reduzindo o subsídio a quem, por exemplo, tenha alguns bens ou outros rendimentos. Mas os técnicos da Segurança Social contactados pelo SOL alegam que o novo modelo – que foi ontem discutido em Conselho de Ministros – é demasiado restritivo e terá como consequência que uma parte significativa (entre 10 a 15%) dos actuais beneficiários do RSI acabe por perdê-lo. Isto além de ser certa a redução de todas as prestações, sem excepção, para aqueles que se conseguirem manter dentro do regime.
«As consequências vão ser drásticas. Uma medida como esta devia avançar mas de forma harmoniosa e com tempo», avisa outra fonte do sector.
Vieira da Silva desautorizado
Em 2009, o Governo gastou cerca de 500 milhões de euros com o RSI e 50 milhões com o subsídio social de desemprego. No total, o Governo anunciou uma poupança, com estes cortes, da ordem dos 90 milhões em 2010. O ministro da Finanças foi o principal defensor desta solução dentro do Governo – argumentando, inclusive, com a existência de fraudes no RSI. Em oposição, bateu-se Vieira da Silva – o actual ministro da Economia, que liderou a Segurança Social no anterior Governo, obtendo excelentes resultados, nomeadamente no combate à fraude.
O secretário de Estado Pedro Marques também se opôs a estas medidas e, num dos últimos Conselhos de Ministros em que o tema foi discutido, chegou mesmo a enfrentar o primeiro-ministro. Sócrates, porém, pôs-se do lado do ministro das Finanças, provocando uma das mais sérias clivagens internas do actual Governo.
Além da questão de princípio – por estas medidas serem um retrocesso na política de combate à pobreza, que foi sempre bandeira do Governo –, o facto de Sócrates ter deixado passar o argumento da fraude está a ser visto pelos círculos próximos de Vieira da Silva como uma verdadeira desautorização ao seu trabalho.
*com Helena Pereira