Ao abrigo da Lei dos Estrangeiros, Portugal é dos poucos países onde ainda é possível passar autorização a estrangeiros com contrato de trabalho. Uns ficam, outros estão de passagem para a Europa.
O problema da sobrelotação de casas em Portugal está longe de estar relacionado apenas com a imigração. Pelo contrário, há muitos mais casos de habitações onde vivem pessoas em número excessivo que têm como moradores portugueses do que imigrantes. Porém, nos últimos anos, em grandes cidades como Porto e Lisboa, ganharam mais visibilidade alguns casos de fracções de prédios ou de espaços improvisados arrendados a quem vem de fora. Seja à procura de uma oportunidade de trabalho no país, seja à espera de uma autorização de residência que sirva de entrada para outros países europeus onde as remunerações são mais atractivas. Este pode ser considerado um fenómeno novo e sem precedentes, num país que sempre esteve mais habituado a ver sair a sua população de que a ver entrar novos habitantes.
“A sobrelotação não é um exclusivo dos imigrantes. Mas há casos novos porque houve aqui um acumular de várias situações. Está a chegar mais gente ao mercado de trabalho em Portugal, isso significa necessidade de encontrar residência”, diz em conversa com o PÚBLICO Pedro Góis, professor de Sociologia das Migrações na Universidade de Coimbra.
Em primeiro plano será fundamental contextualizar a realidade das vagas que existem no mercado de trabalho nacional. O especialista em migrações sublinha que existe neste momento uma situação de “pleno emprego” em Portugal. Ou seja, existem vagas de trabalho e a necessidade de serem preenchidas. Havendo dificuldade de se encontrar mão-de-obra cá dentro, abre-se uma oportunidade para quem vem de fora. “A população activa empregada tem crescido sempre nos últimos dois ou três anos. E o desemprego tem-se mantido estável. Ou seja, há pessoas que chegam de novo ao mercado de trabalho. O desemprego jovem também se mantém estável. Portanto, é a população estrangeira que está a chegar ao país que está a dar esse impulso no emprego. Sabemos isto porque ela [esta população] está no mercado de emprego formal. Estão a fazer descontos para a Segurança Social e a pagar os seus impostos. Isso revela que o mercado está em expansão graças à imigração.”
E essa circunstância, segundo Pedro Góis, não só é necessária como alavanca a própria economia: “Eles estão a criar economia. Para além dos descontos que estão a fazer, que são visíveis, estão a fazer todos os outros consumos que as outras pessoas fazem no país.”
O reverso da medalha passa pela escassez de oferta dentro do mercado imobiliário e pelos valores proibitivos dos arrendamentos praticados nos últimos anos. “O sobreaquecimento do parque habitacional emergiu do aumento do turismo, de anos sem construção nova, de anos sem reconstrução dos espaços das cidades, a menos que sejam dedicados a fins turísticos. Portanto, este sobreaquecimento do parque habitacional vem pela escassez e pela chegada de uma nova população. E isso provoca aumentos de preços. E o aumento de preços expulsa estas populações mais vulneráveis.”
“Carta de chamada” para a regularização
Existe emprego em Portugal e necessidade de mão-de-obra vinda de fora, sobretudo para trabalhos no negócio da restauração e relacionados. Só que os rendimentos auferidos por esta população não chegam para arrendar casa.
Isso pode resultar em duas situações: há quem fique por cá e quem esteja apenas de passagem até conseguir autorização de residência para depois seguir para outros países europeus onde as remunerações sejam mais elevadas, mas onde não é possível conseguir visto.
Portugal é dos poucos países europeus onde, ao abrigo dos artigos 88 e 89 da Lei dos Estrangeiros, se consegue autorização de residência se existir um contrato de trabalho ou se se abrir actividade como trabalhador independente. “Noutros países não é assim”, explica Pedro Góis.
Esse é um dos motivos para que muitas pessoas que vêm de fora do continente tenham passado a escolher Portugal como entrada para a Europa. Outro motivo foi o anúncio em Fevereiro pelo SEF de que seriam regularizados cerca de 300 mil processos pendentes de pedido de visto de residência – por mês, entram cerca de 20 mil pedidos.
Esse anúncio, segundo o professor da Universidade de Coimbra, é uma “espécie de carta de chamamento para a regularização”, que ultrapassou fronteiras e chegou a quem quer ficar na Europa. Pedro Góis acredita que a tendência é, nos próximos tempos, "aumentar o número de migrantes que vêm para Portugal”.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) vai extinguir-se nos próximos seis meses (nova data avançada pelo SEF) para dar lugar à Agência Portuguesa para as Minorias, Migrações e Asilo. E esta transição lenta poderá estar a criar alguns problemas no que toca à sua operação. Esta sexta-feira, avançou o Expresso, a plataforma onde são feitos pedidos de autorização de residência estaria a aceitar informação incorrecta. O SEF negou que assim fosse.
“Com esta questão da extinção do SEF, não há uma linha de comando no terreno”, afirma Pedro Góis, que sublinha a falta de capacidade do serviço para cruzar a informação com outras entidades, nomeadamente quando entram processos de pedido de autorização feitos por várias pessoas que partilham a mesma morada (casos de sobrelotação).
Ao PÚBLICO, este organismo adianta que “não compete ao SEF promover medidas e/ou acções de integração e/ou acolhimento de cidadãos estrangeiros em território nacional, nem fiscalizar as suas condições de habitabilidade”. “Essa competência é atribuída às entidades com responsabilidades no acolhimento e integração de imigrantes", lê-se em resposta enviada por email. "Contudo, o SEF, no âmbito das suas atribuições, promove acções de fiscalização sempre que há suspeitas e/ou denúncias de registos ‘anormais’ de pessoas com a mesma morada. Nesse sentido, o SEF procede à necessária recolha de prova, ficando a decisão da atribuição investigatória a cargo do Ministério Público.”