25.5.23

Novas formas de habitar: como querem e podem viver os jovens?

Vanessa Sousa eTânia Ferreira, in Idealista


A casa é o nosso habitat, o nosso refúgio, o espelho da nossa personalidade, e faz parte da nossa identidade. A casa tem mesmo o poder de contar a nossa história, comunicar quem somos, impactando também na forma como construímos o nosso caminho. Mas para refletir “o nosso eu” e fazer planos de vida, a nível pessoal, familiar, social e laboral, é preciso espaço, liberdade criativa e orçamento. E nem sempre é fácil, em particular, para os jovens portugueses, que têm hoje sérias dificuldades no acesso à habitação, dados os altos preços, subida de juros, salários baixos e instabilidade laboral. Muitos ficam em casa dos pais até tarde e vivem em casas partilhadas, sendo mais difícil criar uma identidade própria. Num momento em que novas políticas de habitação estão a nascer em Portugal, o idealista/news foi descobrir junto de profissionais do setor como querem e podem viver os jovens e que alternativas têm na hora de procurar casa.


As formas de habitar têm vindo a mudar ao longo do tempo. Há menos jovens a poder ter habitação própria (comprada ou arrendada), encontrando refúgio em casa dos pais ou no mercado de arrendamento partilhado. “A diminuição de habitação própria é uma das principais diferenças das duas últimas décadas, nomeadamente o acesso dos jovens à habitação própria”, começa por explicar Romana Xerez, professora nao ISCSP-ULisboa, em declarações ao idealista/news.

E também o perfil dos jovens portugueses tem vindo a mudar. Hoje, os jovens entre os 18 e 34 anos “têm mais habilitações literárias, maior precariedade no trabalho, valorizam a segurança e estabilidade, preocupam-se com o ambiente e sustentabilidade e vivem até mais tarde em casa dos pais (porque têm dificuldade de acesso à habitação)”, diz ainda a autora do estudo “Acesso à habitação própria em Portugal”. Mas, nem por isso, despem-se da necessidade ancestral de imprimir a sua marca no sítio onde vivem, de espelhar a sua identidade num espaço, que o transforma num lar.Acesso à habitação em Portugal por parte dos jovens é cada vez mais difícilJovens são empurrados para casas partilhadas… onde fica a identidade?

Jovens portugueses têm dificuldade em identificar-se com a habitação: porquê?
Como melhorar o acesso à habitação para os jovens em Portugal?
Como é que os jovens podem refletir a sua identidade na casa onde vivem?


Acesso à habitação em Portugal por parte dos jovens é cada vez mais difícil

A questão central que impede os jovens de sair de casa e iniciar uma vida autónoma prende-se, sobretudo, com as dificuldades que encontram no acesso à habitação em Portugal. “O acesso dos jovens à habitação, seja arrendamento ou habitação própria, agravou-se profundamente, em Portugal. O elevado preço das casas não é compatível com o rendimento dos jovens”, aponta Romana Xerez.

Esta é uma visão partilhada pelos mediadores imobiliários contactados pelo idealista/news. “Ter casa, seja por via de arrendamento ou através de compra, é cada vez mais difícil, seja devido aos preços inflacionados, seja pela dificuldade que os jovens atravessam em conseguir um crédito habitação”, comenta Guida Sousa. Para a diretora e coordenadora nacional da Decisões e Soluções, “é praticamente impossível juntar o valor necessário para a entrada da compra de uma casa através de crédito habitação (10% do valor do imóvel, mais impostos e comissões)”, com “rendimentos bastante baixos, empregos precários com contratos a prazo, recibos verdes e falsos estágios”.

Também no mercado de arrendamento é complicado encontrar casa. “As políticas instáveis e pouco incentivadoras ao investimento em imóveis para arrendamento resultaram numa oferta muito reduzida no mercado de arrendamento, o que, consequentemente, aumentou os preços, tornando o arrendamento muitas vezes uma opção menos realista do que a compra, especialmente nas principais cidades, onde a oferta de arrendamento é ainda mais limitada em comparação com a oferta de venda”, analisa Patrícia Santos, CEO da Zome.

Jovens são empurrados para casas partilhadas… onde fica a identidade?

Num contexto em que tanto a compra como o arrendamento da casa são uma “miragem”, que soluções habitacionais têm os jovens ao seu alcance, que sejam compatíveis com os seus rendimentos? Como “há uma reduzida dimensão da habitação pública em Portugal e a falta de programas de arrendamento para os jovens”, tal como frisa Romana Xerez, os jovens ou ficam a viver em casa dos pais até mais tarde (em média, até aos 33 anos e 7 meses).

Os dados mais recentes do Eurostat mostram que 56,4% dos jovens portugueses entre os 25 e os 34 anos vivia em casa dos pais em 2021, uma percentagem que aumentou 11,9 pontos percentuais (p.p.) em cerca de dez anos. Olhando para a realidade na Europa, salta a vista que Portugal é o segundo país da União Europeia (UE) onde se registou maior percentagem de jovens a viver com os pais em 2021. Em primeiro lugar, está mesmo a Grécia, onde seis em cada dez jovens diziam viver com a família nesse ano.

Em alternativa, para se poderem emancipar, muitos jovens acabam por viver em casas partilhadas. É isso mesmo que sublinha Ricardo Sousa, CEO, da Century 21: “A nível global, o acesso dos jovens à habitação tem vindo a deteriorar-se e a implicar que, numa fase inicial das suas vidas, tenham de partilhar casa com outras pessoas, ou que enfrentar um processo de mudança constante de casa”.

Acontece que partilhar a casa com os pais traz consequências para estes jovens, tornando mais difícil a criação de um sentido de identidade com a casa onde vivem. O facto de os jovens entre os 18 e os 34 anos permanecerem “mais tempo e até mais tarde em casa dos pais” ajuda a entender o facto de se “identificarem menos com a habitação do que os adultos mais velhos, que muitos deles são proprietários da habitação em que vivem. A habitação própria pode ser um fator que explique maior identificação com a habitação”, destaca a professora no ISCSP-Universidade de Lisboa e também investigadora no Centro de Administração de Políticas Públicas (CAPP).

Também os jovens que vivem em situações habitacionais de menor qualidade ou temporárias (como dormitórios, quartos ou apartamentos arrendados) têm mais dificuldade em criar uma ligação com o espaço onde vivem. “Por exemplo, em casas partilhadas há menos privacidade. Por esta razão as pessoas usam menos a casa, divertem-se menos e identificam-se menos, porque não se sentem em casa", frisa, por sua vez, Catarina Diniz, especialista em Home Staging na Staging Factory.

“É suposto a nossa casa ser um espaço de refúgio onde nos sentimos bem e podemos descansar e recarregar baterias, onde estão os nossos objetos de interesse e de inspiração, se formos ‘obrigados’ a dividir o mesmo teto com outras pessoas que não partilham desses mesmos interesses ou gostos, temos de nos adaptar e essa nossa individualidade acaba por se perder. É, por isso, natural que o sentimento de instabilidade e a falta de um sentimento de pertença leve a essa falta de identidade”, indica Guida Sousa. Mas há outros fatores que podem explicar o facto de os jovens terem dificuldades em sentirem-se “em casa”.

Jovens portugueses têm dificuldade em identificar-se com a habitação: porquê?

A complexidade no acesso à habitação em Portugal é gritante por parte dos jovens, o que, segundo os especialistas ouvidos pelo idealista/news, é a principal razão que está por detrás da dificuldade que sentem em espelhar a sua personalidade na casa onde vivem. “A precariedade, instabilidade e insegurança, que os jovens vivem atualmente e os impede de comprar casa pode ajudar a explicar a menor identificação com a habitação”, explica ainda Romana Xerez.

Mas há ainda outros fatores relacionados com os novos modos de viver dos jovens que levam os jovens a identificarem-se menos com a casa onde vivem do que os adultos em Portugal, tal como nos 37 países analisados no relatório “A Vida em Casa” do IKEA, segundo apontam os especialistas contactados pelo idealista/news:
Maior mobilidade: “Os jovens são mais propensos a mudar de casa, seja para estudar, procurar oportunidades de emprego ou por motivos pessoais. Em resultado, não se sentem tão ligados a uma situação habitacional específica. Muitas vezes sentem e vivem a casa onde estão como um local de passagem", explica Catarina Diniz;
Diferenças no estilo de vida: as prioridades dos jovens já não são as mesmas. Agora, querem socializar, viajar ou ter experiências novas. E, neste contexto, a “situação habitacional é menos importante e menos central para o seu sentido de identidade", diz ainda Catarina Diniz. Mas com o passar do tempo tudo muda. "À medida que crescem profissionalmente e formam família, a casa e sua adequação ao estilo de vida tornam-se cada vez mais importantes. Desejamos ter espaços de convívio, áreas externas espaçosas e uma decoração que reflita as nossas personalidades e experiências de vida”, acrescenta Patrícia Santos, CEO da Zome;
Oferta de habitação desajustada: as gerações mais jovens também procuram casas mais minimalistas e funcionais, com "grandes áreas, open spaces" e varandas. No entanto "muita da arquitetura em Portugal ainda é antiga e não acompanhou esta mudança, o que faz com que os jovens não se identifiquem com muitos imóveis”, indica Guida Sousa;
Influência das redes sociais: “Hoje, temos acesso a muita informação visual, estamos constantemente a ser bombardeados com novas tendências e imagens das casas das pessoas mais influentes ou de designers superconceituados. Por isso, é normal que os jovens tenham tendência para sonhar com coisas que estão fora da sua realidade e alcance”, aponta ainda Marta Borges, arquiteta de interiores na Ana Borges Interiores;
Gestão de expectativas: “Os preços inflacionados fazem também com que a maioria dos jovens adquira um imóvel que não corresponda totalmente às suas necessidades, porque é-lhes impossível obter a casa dos seus sonhos, isto gera frustração em muitos jovens e consequentemente uma falta de identificação com a habitação adquirida”, explica ainda Guida Sousa, da Decisões e Soluções. O mesmo diz Ricardo Sousa: “O facto de aceder à casa que se pode [muitas vezes temporária] e não à casa que se gostaria de ter, potencia esse sentimento de falta de identificação com a casa onde se vive”. Por isso mesmo, o responsável da Century 21, considera que na hora de procurar de casa, os jovens devem priorizar "um equilíbrio entre as aspirações, desejos e capacidade económica”.

Como melhorar o acesso à habitação para os jovens em Portugal?

Para que os jovens portugueses consigam refletir a sua personalidade na casa onde vivem é preciso, acima de tudo, terem acesso a ela, conseguirem comprar ou arrendar um espaço seu, onde haja liberdade para transformar uma tela em branco, num espaço vivo, com alma e identidade. Até porque a “casa é uma extensão da nossa personalidade”, concordam os especialistas ouvidos pelo idealista/news.

“A forma de mudar este panorama passa por criar condições para que os jovens tenham um acesso mais facilitado à habitação e isto começa por alterações estruturais, como proporcionar aos jovens uma situação financeira digna”, aponta Guida Sousa.

"Para que os jovens em Portugal se sintam mais identificados com a sua habitação, é necessário haver mais opções habitacionais acessíveis e de qualidade, que permitam uma maior autonomia e controle sobre o espaço onde vivem. No entanto, esta é uma questão que não se resolve em pouco tempo e, por isso, têm de ser os jovens, os pais e até os proprietários a criar condições para que haja uma maior identificação entre os jovens e os locais onde os mesmos habitam", defende Catarina Diniz.

E poderão as medidas do Mais Habitação – já aprovadas no Parlamento - ajudar a melhorar o acesso à habitação por parte dos jovens portugueses? Para a professora Romana Xerez, não. “As medidas do Mais Habitação são muito escassas para os jovens e também desatualizadas face à atual situação dos jovens, não respondem aos graves problemas de acesso dos jovens à habitação. O programa Porta 65, que está incluído nestas medidas, já existia antes destas medidas, é muito insuficiente e desajustado face às atuais necessidades de habitação dos jovens”, argumenta.

Também Patrícia Santos, da Zome, considera que o impacto do Porta 65 e do Porta 65+ “continuará a ser reduzido”, devido à “reduzida oferta existente para arrendamento nas principais cidades, que são as que têm mais jovens a necessitar de apoios” e ao “desfasamento entre os valores de renda máximos admitidos por município e a realidade do mercado atual". Embora seja "teoricamente boa”, "a combinação destes dois fatores reduz drasticamente a aplicabilidade prática desta medida", conclui. Além desta, destaca ainda que a medida destinada a arrendar casas por parte do Governo para subarrendar a preços acessíveis tem “boas intenções na sua génese”, mas é difícil colocar em prática, desde logo, pela dificuldade em identificar os imóveis devolutos prontos a habitar.


“A medida que vai permitir ao Estado arrendar para subarrendar a valores acessíveis ou a agilização do programa Porta 65 são ideias que, conceptualmente, podem gerar resultados no curto prazo, se forem devidamente operacionalizadas”, Ricardo Sousa, da Century 21

Muito embora o Mais Habitação esteja longe de resolver a crise habitacional que se vive no país, Guida de Sousa, da Decisões e Soluções, acredita que algumas medidas podem “beneficiar muitos jovens e até ser uma lufada de ar fresco para alguns casos”, como o limite à subida da renda dos novos contratos, renovação do Porta 65 – Jovem, bonificação dos juros ou os benefícios fiscais para incentivar a colocação de mais casas em arrendamento acessível. O limite à subida das rendas é uma medida que, na visão de Patrícia Santos, “pode ter algum sucesso se for gerida pelos municípios e limitada a zonas de alta pressão habitacional, desde que haja um rápido aumento do parque público de habitação social”.

“Contudo, estas medidas continuam a ser insuficientes, o problema vai mais além da escassez de oferta e dos valores dos imóveis inflacionados, existe um grave problema de precariedade salarial e de condições de trabalho que afeta a grande maioria das famílias portuguesas, enquanto este problema persistir, a crise habitacional também se vai manter”, sublinha a responsável da Decisões e Soluções.
Como é que os jovens podem refletir a sua identidade na casa onde vivem?

É, sobretudo, quando compram uma habitação própria que os jovens têm mais liberdade e flexibilidade em personalizar e decorar a casa de acordo com a sua identidade, admitem os profissionais. Isto porque uma casa arrendada tem geralmente condições contratuais que limitam os arrendatários de pintar, colocar papel de parede ou fazer furos. Além disso, “há sempre a sensação que se está a investir em algo que não é nosso, o que pode levar ao adiamento de investimentos, incluindo de reparações e manutenção”, acrescenta Patrícia Santos, da Zome.

Mesmo assim muito pode ser feito numa casa arrendada (ou até partilhada). "Qualquer jovem pode espelhar a sua identidade nomeadamente através da decoração. Pode escolher móveis e objetos decorativos com os quais se identifique mais e pode personalizar o seu espaço com os seus objetos pessoais, as suas memórias, livros, fotografias, etc. Pode ainda recorrer a alguns truques como utilizar adesivos na parede ou papel de parede removível para adicionar cor e personalidade ao espaço", adianta Catarina Diniz.

Portanto, seja numa casa própria (arrendada ou comprada) ou numa casa partilhada, os jovens podem adotar estratégias para espelharem os seus gostos e a sua personalidade no local onde habitam - nem que seja apenas no quarto. Como? As especialistas em decoração contactadas pelo idealista/news dão alguns conselhos:
Destralhar: desta forma reduzem a quantidade de poluição visual;
Apostar em objetos com valor emocional na decoração (e dar destaque às boas memórias);
Definir um estilo com traduza a personalidade (cores, padrões, texturas e materiais que o representem) – para isso podes procurar inspirações em revistas, blogs, redes sociais, etc;
Dar espaço à criatividade e imaginação: podes seguir um estilo e ir adaptando-os aos teus gostos e preferências, dando um toque pessoal;
Cria zonas de conforto: por exemplo, se gostas de ler cria um espaço de leitura acolhedor;
Fazer uma lista do que precisas (mesas de cabeceira, luz, plantas, etc).


“Em casas partilhadas é importante haver regras e alguma criatividade. Os espaços comuns devem ser minimalistas e funcionais, de modo a adequar-se às necessidades e rotinas diárias de todos. É importante haver espaço de arrumação designado para cada um, porque é normal acumular algumas coisas ao longo do tempo”, aconselha ainda a arquiteta de interiores Marta Borges.

Também Catarina Diniz concorda que o segredo para decorar casas pequenas ou partilhadas passa por “aproveitar o espaço ao máximo e fazer um espaço polivalente e flexível que pode servir para diferentes funções”, como um sofá-cama ou mesas e cadeiras que possam ser dobradas e guardadas. “Minimizar e simplificar é regra de ouro. Tudo deve ser reduzido ao essencial”, conclui, dando nota que aqui se pode também aproveitar o espaço vertical, para colocar prateleiras e nichos para arrumação, e apostar em cores claras e espelhos que ajudem a criar a ilusão de espaço.

E no quarto, os jovens podem mesmo dar asas à imaginação, continua Marta Borges, “com a disposição do mobiliário, com iluminação indireta (candeeiros de pé ou 'fairylights'). Apostar também em têxteis como almofadas, mantas, capas de edredão, tapetes, porque são coisas que podem levar quando se mudarem. Se tiverem oportunidade, decorar com quadros e/ou papel de parede coloridos e com padrões”. E não se devem esquecer de um detalhe: as plantas, que conferem um conforto aos espaços e melhoram a qualidade de vida.