31.5.23

Dia Mundial sem Tabaco: por que razão é tão difícil deixar de fumar?

Cláudia Machado, in SIC


Os primeiros efeitos de uma vida livre de fumo sentem-se logo aos primeiros 20 minutos, com a diminuição da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, e os tratamentos são cada vez mais eficazes.


Na luta contra o impacto que o tabagismo tem na saúde, cada minuto conta. E esta afirmação é tão literal que os primeiros efeitos de uma vida livre de fumo sentem-se logo 20 minutos depois de deixar os cigarros para trás, com a diminuição da pressão arterial e dos batimentos cardíacos.

Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS), que descreve como, por exemplo, ao fim de 12 horas os níveis de monóxido de carbono no sangue caem para valores considerados normais.

Na marca entre duas a 12 semanas, há uma melhoria significativa da circulação sanguínea e da função pulmonar.

Tudo isto pode ser atingido por qualquer fumador, até porque “não há idade para deixar de fumar”, sublinha Sofia Ravara, médica pneumologista.

“Existe tratamento, que é eficaz, e muitos utentes conseguem deixar de fumar para sempre. Mesmo que já tenham tido recaídas, com o devido acompanhamento e tratamento, é possível”, afirma à SIC Notícias a responsável pela Unidade de Cessação Tabágica do Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira.

Alguns entre um e nove meses sem o vício do tabaco, as dificuldades respiratórias e a tosse diminuem. Um ano depois, altura em que se atinge em termos médicos o estatuto de ex-fumador, o risco de doença cardíaca é metade daquele a que os fumadores estão sujeitos.

A partir da meta dos cinco anos livre de tabaco, há menos risco de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e de desenvolver vários tipos de cancro.

Por que razão é tão difícil deixar de fumar?

Não faltando motivos para largar o tabaco, lembrando que esta quarta-feira se assinala o Dia Mundial sem Tabaco, levanta-se a questão: por que razão é tão difícil deixar de fumar? A resposta canaliza-se em dois tipos de dependência: a física e a comportamental.


“Fumar é um comportamento aditivo que ainda tem aceitação social e está profundamente enraizado no quotidiano dos fumadores. Quando o deixam sentem ansiedade, irritabilidade, não se conseguem concentrar nem controlar o desejo de fumar, notam um aumento do apetite. Tudo isto leva a que, muitas vezes e depois de estar dias sem fumar, acabe por haver uma recaída”, explica Sofia Ravara, que também coordena a comissão de tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

O fumador desenvolve “uma dependência física da nicotina, para a qual existem tratamentos farmacológicos” e uma “dependência comportamental, levando a que seja necessário tirar o cigarro do seu dia a dia”.

Muitas vezes, um cigarro é “um ritual”. Uma pausa para um café, um escape para um momento de maior stress ou tristeza. Daí que, além da medicação específica, seja necessário “um acompanhamento e aconselhamento comportamental ao logo de, pelo menos três meses, mas o ideal seria um ano”, acrescenta a especialista.

Desta forma, com consultas presenciais - todas as semanas durante um mês - e depois, de forma mais espaçada, com acompanhamento que pode até passar por uma simples chamada telefónica, é possível "combater e prevenir recaídas".


“Ao fim de um ano sem fumar, chega-se ao estatuto de ex-fumador, o que não quer dizer que não possa haver uma recaída. Aqui destaca-se a importância das políticas sobre o tabaco. Quanto mais difícil for deixar de fumar em espaços públicos e menos visível for o tabagismo, menos vontade vão sentir de voltar a fumar”, apela Sofia Ravara.

A ilusão dos cigarros eletrónicos para cortar o vício

Muitos fumadores fizeram já a transição do tabaco convencional para cigarros eletrónicos, alguns com a justificação de que seria menos aditivo e um meio de transição para, finalmente, deixarem de fumar.

Certo é que “os cigarros eletrónicos não são dispositivos médicos, mas sim produtos de consumo" que permitem “inalar mais profundamente e até em doses maiores a nicotina”, destaca a médica pneumologista, sublinhando que “viciam muito” os consumidores.

Além da presença de nicotina, há “outros componentes, como os que permitem a adição de sabores, que os tornam mais atrativos”, mas que lhe dão um potencial “tóxico e irritante para o sistema respiratório”.


“Não nos podemos esquecer que o pulmão é uma porta aberta para todo o organismo”, acrescenta Sofia Ravara.

“É muito gratificante conseguir qualidade de vida a alguém”

O acompanhamento médico e a ligação entre o profissional de saúde e o utente que procura deixar de fumar é “muito importante” e mais um fator que ajuda a prevenir recaídas. Para quem acompanha fumadores e ex-fumadores durante anos, “é muito gratificante conseguir dar qualidade de vida a alguém” e não faltam histórias para o ilustrar.

“Estava num restaurante quando comecei a ouvir gritos. Olhei e vi uma senhora que não parava de repetir que lhe tinha salvado a vida. Não a reconheci ao início, mas ela aproximou-se e explicou-me que a tinha ajudado a deixar de fumar há dez anos e que, se não tivesse deixado o tabaco, já não estaria cá”, recorda a médica pneumologista, referindo que a utente “deixou de fumar aos 40 anos, numa altura que fumava dois maços por dia”.

Por isso, repete, “não há idade para deixar de fumar”.