Gustavo Carona, opinião, in Público
Contar uma história tem um poder enormíssimo, mas se as atenções, ajudas e donativos forem apenas usados em benefício de um, é batota emocional, e é perverso.
Falando da mesma quantia. Certamente que este fenómeno está bem estudado por quem se dedica à compreensão da mente humana, mas não pára de me surpreender. A crueldade do legado assassino de milhões por Estaline é uma vergonha para a história da humanidade, mas a sua famosa citação "uma única morte é uma tragédia, um milhão de mortes é uma estatística" é aplicada sem vergonha por todos nós, quase sem excepções. Nós não os matamos, mas deixamo-los morrer. Existe uma diferença mas é ténue, activamente não os vamos lá matar, mas também não nos importamos muito que eles morram ou sofram o indizível.
Quando 12 rapazes ficaram encurralados por água em grutas do norte da Tailândia foram movidos milhões e milhões de euros, directa e indiretamente (com o que as TV gastaram para ter lá um jornalista à porta da gruta para não dizer “nada”), porquê? Porque as pessoas estavam preocupadas com a vida de 12 crianças de um país muito longínquo? Não. As pessoas agarraram-se emocionalmente à história, porque o enredo era espetacular, porque era inusitado, porque era limitado no tempo, porque de alguma forma sentimos que nos podia acontecer a nós, e porque a solução era palpável.
Sensivelmente um ano mais tarde, o Programa Alimentar Mundial ganha o Prémio Nobel da Paz, eu tentei trazer para aqui mais do que a notícia, a realidade que tem que ser combatida, mas o facto de quase 100 milhões de pessoas terem sido salvas em cerca de 80 países, num ano, foi apenas notícia de rodapé, e a atenção da opinião pública que foi suscitada, que é sempre proporcional aos donativos, foi quase nula – e não digo nula para não desmerecer os corajosos que tentam ir contra a corrente da perversão dos mecanismos da empatia da mente humana.
[Artigo exclusivo para assinantes]