26.5.23

Parlamento aprova alteração à lei de saúde mental. Detenção 'perpétua' de inimputáveis deixa de ser possível

Helena Bento e Lusa,  in Expresso


O diploma foi aprovado na especialidade com os votos favoráveis de PS e PCP. Chega e PSD votaram contra. Estão contempladas medidas como o fim da detenção ‘perpétua’ de cidadãos inimputáveis em unidades forenses e a limitação do uso de medidas coercivas em pessoas com doença mental, privilegiando-se o tratamento em ambulatório


O parlamento aprovou esta sexta-feira na especialidade a alteração à lei de saúde mental proposta pelo Governo, substituindo a legislação em vigor há cerca de 20 anos.

O texto final apresentado pela Comissão de Saúde, relativo à proposta de lei que aprova a lei de saúde mental e altera a legislação conexa, foi aprovado com os votos favoráveis de PS e PCP.

O documento recebeu os votos contra de Chega e PSD, enquanto Iniciativa Liberal (IL), BE, PAN e Livre se abstiveram.

A proposta de lei do Governo sobre a saúde mental foi em 14 de outubro do ano passado aprovada na generalidade no parlamento, que rejeitou outras quatro iniciativas sobre essa área apresentadas pelos deputados do Chega, BE, Livre e PAN.

O diploma do Governo foi então aprovado com os votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do BE, do PAN e do Livre, contra do Chega e a abstenção da IL.

A proposta de lei insere-se na reforma da saúde mental que o Governo quer concluir até final de 2026 e que recorre a 88 milhões de euros para investimentos nesta área, disponíveis no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

De acordo com o ministro da Saúde, o diploma, que teve o contributo de um grupo de peritos, pretende atualizar a legislação que vigora nas últimas duas décadas, tendo em conta os desenvolvimentos científicos, jurídicos e de direitos humanos registados ao longo desse período.

"A proposta de lei acentua a nossa visão humanista, enquanto vertente indispensável de cuidados de saúde de excelência, conferindo centralidade aos conceitos de autonomia, dignidade, participação, oportunidade e recuperação" da pessoa com necessidades de cuidados de saúde mental, salientou Manuel Pizarro no parlamento, na ocasião.

FIM DAS DETENÇÕES ‘PERPÉTUAS’

Uma das principais medidas é pôr fim ao internamento de duração ilimitada para inimputáveis, uma medida que foi recomendada pelo Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Tratamentos Desumanos, depois de várias visitas realizadas nos últimos anos a unidades forenses localizadas dentro e fora de estabelecimentos prisionais.

A lei até agora em vigor permitia que as medidas de segurança de internamento aplicadas a inimputáveis pudessem, em alguns casos, ser prorrogadas por tempo indefinido, o que, na prática, resultava em detenções perpétuas.

Com a nova lei, no entanto, assim que terminar o prazo máximo de cumprimento da medida de segurança determinado pelo juiz, o "indivíduo será necessariamente libertado, ainda que naturalmente se possa manter em tratamento voluntário ou involuntário conforme o caso", explicou recentemente Fernando Vieira, psiquiatra forense da Ordem dos Médicos e um dos membros do grupo de trabalho que elaborou a proposta de lei, em declarações ao Expresso.

Após a libertação, e consoante eventuais avaliações médicas e decisões judiciais que possam ter lugar, pode vir a ser submetido, como qualquer outro cidadão, a um tratamento involuntário, seja em regime de internamento, seja em regime de ambulatório.

A proposta de lei apresentada pelo Governo também previa, em relação aos cidadãos inimputáveis, que as avaliações das medidas de segurança fossem realizadas com mais frequência, isto é, todos os anos, quando até agora eram feitas de dois em dois anos.

Entre outras medidas, a proposta contemplava a possibilidade de o utente escolher uma "pessoa de confiança” para ver cumpridos os seus direitos de reclamação e revisão da decisão de tratamento involuntário, caso tenha perdido a capacidade de discernir e consentir devido à doença, e a possibilidade de elaborar diretivas antecipadas de vontade.

INTERNAMENTO DEVE SER “ÚLTIMO RECURSO”

A utilização de medidas coercivas em pessoas com doença mental, incluindo o isolamento e meios de contenção físicos ou farmacológicos, deve ser feita apenas em “último recurso” e por “um período limitado à sua estrita necessidade”. Também o internamento hospitalar de pessoas com doença mental deve ser uma medida de último recurso, privilegiando-se o tratamento em ambulatório.

No geral, o diploma incide sobre a definição, os fundamentos e os objetivos da política desta área, consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as restrições destes direitos e as garantias da proteção da liberdade e da autonomia.