22.5.23

Amortizações, Certificados de Aforro e fundos levam a fuga de depósitos

Rafaela Burd Relvas, in Público online

Os depósitos dos cinco maiores bancos a operar em Portugal totalizavam, em conjunto, 248 mil milhões de euros no final de Março, uma queda de 4000 milhões face a igual período do ano passado.

Os maiores bancos a operar em Portugal perderam, no arranque deste ano, mais de 4000 milhões de euros em depósitos de clientes. A explicar este fenómeno estão, sobretudo, a procura por produtos com maior rentabilidade, como Certificados de Aforro ou fundos de investimento, e o aumento significativo das amortizações antecipadas de crédito à habitação, numa altura em que as famílias procuram fugir ao impacto da subida das taxas de juro. A banca garante, contudo, que mantém níveis “sólidos” de liquidez.

No primeiro trimestre de 2023, os depósitos da Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP, BPI, Santander e Novo Banco totalizavam, em conjunto, cerca de 248 mil milhões de euros (considerando apenas os depósitos de clientes e excluindo outras parcelas que compõem os recursos totais de clientes, como os fundos geridos ou comercializados pelos bancos ou os seguros). É uma queda superior a 4000 milhões de euros relativamente ao montante que se registava em igual período do ano passado, quando os depósitos ultrapassavam os 252 mil milhões.

Entre estes, a única excepção foi o BCP, que registou uma subida dos depósitos de clientes de cerca de 4% no primeiro trimestre, que o banco diz reflectir “um incremento da poupança de particulares”. De resto, as maiores quedas foram registadas pela Caixa, BPI e Santander, todos com uma redução dos depósitos superior a 4% no primeiro trimestre, enquanto o Novo Banco ficou praticamente estagnado.

Vários factores explicam este movimento. Por um lado, e como admitiram os próprios presidentes dos bancos que prestaram as contas do primeiro trimestre, há uma fuga de uma parte dos depósitos de particulares para produtos mais rentáveis, sobretudo para Certificados de Aforro. Isso mesmo é evidente olhando para os dados das subscrições deste produto de poupança do Estado: só no conjunto dos três primeiros meses do ano, esta aplicação já atraiu 9353 milhões de euros.

Isto, numa altura em que os Certificados de Aforro oferecem uma taxa de remuneração bruta de 3,5%, valor que fica muito acima daquilo que é oferecido pelos bancos. De acordo com os dados mais recentes do Banco de Portugal (BdP), a taxa de juro média de novos depósitos a prazo para particulares era, no final de Março, de 0,9% (um valor que, apesar de ficar ainda muito aquém daquilo que se pode encontrar noutros produtos, já representa uma forte evolução face ao ano passado, quando a taxa média dos novos depósitos a prazo era de 0,04%).

Ao mesmo tempo, há um aumento da procura por fundos de investimento. No final de Março deste ano, ainda de acordo com os dados do BdP, o valor das unidades de participação emitidas pelos fundos de investimento era de 35,9 mil milhões de euros, valor que representa um aumento de cerca de mil milhões em relação ao que era registado no final do ano passado.

A isto, há ainda que somar o dinheiro que saiu dos depósitos directamente para amortizar crédito antecipadamente, numa altura em que a subida das taxas de juro está a encarecer a prestação mensal dos empréstimos. De acordo com o regulador, as amortizações antecipadas de crédito à habitação totalizaram 2622 milhões de euros no primeiro trimestre de 2023, valor que representa um aumento de cerca de 70% em relação às amortizações no valor de 1539 milhões de euros que tinham sido feitas em igual período do ano passado.

Os principais bancos a operar em Portugal garantem, ainda assim, que mantêm níveis de liquidez sólidos, “muito acima” dos requisitos regulatórios. O mesmo é, aliás, confirmado pelo próprio regulador. “Os indicadores de liquidez que temos dos bancos não nos colocam nenhuma dificuldade. Os indicadores de liquidez dos bancos são robustos”, disse o governador do BdP, Mário Centeno, durante a apresentação do mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, no passado dia 10 de Maio.

Ainda assim, e apesar de defenderem que a remuneração oferecida pelos bancos tem vindo a aumentar, os banqueiros reconhecem que será necessário adaptar a oferta de produtos ao novo contexto de taxas de juro. Isso mesmo referiu, por exemplo, Paulo Macedo, presidente executivo da Caixa. “Cabe à banca apresentar produtos mais atractivos, como sejam depósitos ou produtos estruturados em que se ofereça capital quase garantido, para taxas já perto de 3%. Aí, muitas das pessoas deixarão de canalizar os seus montantes para Certificados de Aforro”, referiu, durante a apresentação de resultados trimestrais do banco público.