10.2.16

Aleitamento exclusivo, licenças parentais e igualdade: uma fórmula difícil

Fernanda Câncio, in "Diário de Notícias"

Petição ao parlamento pede seis meses de "licença de maternidade". Avanço ou retrocesso? Secretária de Estado tem reservas

"Licença de maternidade de seis meses, pela saúde dos nossos bebés." É o título da petição criada por Carina Pereira, diretora de uma escola de línguas e mãe de duas crianças, em novembro, e que quando foi submetida ao parlamento, poucos dias após ter sido criada, ultrapassava as quatro mil assinaturas. Noticiada esta semana devido ao facto de ter sido aceite para discussão, tem já mais de 25 mil e, dizem as notícias, o apoio do BE e do PCP, apesar de utilizar um termo que desde 2009 não existe em Portugal: "licença de maternidade". A expressão correta é, seguindo o exemplo dos países nórdicos - onde, aliás, surgiram, em 1974, as primeiras licenças pagas pelo Estado por nascimento de filhos -, licença de parentalidade. Esta denominação torna claro que a licença deve ser o mais partilhada possível por ambos os progenitores, tendo-se criado incentivos para tal (sendo a licença parental inicial paga a 100% de 120 dias, é possível prolongá-la para 150 dias, ou cinco meses, ainda com pagamento a 100%, se o outro progenitor a partilhar, ficando um mês seguido ou duas vezes quinze dias interpolados com o bebé; e pode ir até 180 dias, ou seis meses, a 83%).

Questionada sobre o uso de uma expressão que já não tem acolhimento na lei, Carina Pereira encolhe metaforicamente os ombros: "Porquê licença de maternidade? Porque a licença de parentalidade já é possível até aos seis meses. Mas isso não ajuda muito no sentido da amamentação exclusiva, que é o objetivo da petição." O que significaria, portanto, que os 180 dias passariam a ser passíveis de gozo da mãe com 100% de pagamento e acabaria o incentivo de partilha. "Não é uma questão que me preocupe porque estou a pensar no interesse da criança. Não me preocupa que possa prejudicar a igualdade entre homens e das mulheres, a minha preocupação é com as crianças e com o que é melhor para elas." Sendo que esse melhor residirá, segundo defende, em as crianças beberem leite materno durante seis meses. Havendo já duas horas diárias de dispensa para amamentar, não é também possível ser o outro progenitor a dá-lo ao bebé? "Claro que os pais podem dar o leite das mães. Mas o estímulo não é mesmo. E uma das questões da amamentação é o vínculo entre mãe e criança."

Certamente que o vínculo entre mãe e criança é importantíssimo, mas não o será igualmente o vínculo entre pai e criança? Karin Wall, investigadora do Instituto de Ciências Sociais, coordenadora do Observatório das famílias e das políticas de família e autora de um estudo recentemente publicado sobre pais portugueses que partilharam licença com a mãe e ficaram pelo menos 30 dias sozinhos com os bebés -em 2014 foram 26% -, não tem dúvidas: "A partilha da licença pelo pai e ele ficar sozinho com a criança é muito importante e está a ter um impacto muito positivo. Reforça os laços pai/filho e introduz um elemento muito importante no casal que é a compreensão do cansaço e até da saturação da mãe com os cuidados com a criança." Esta partilha, por outro lado será crucial para as decisões das mulheres sobre ter ou não (mais) filhos - ou seja, cuidados partilhados com as crianças são favoráveis à natalidade. Assim, a socióloga crê que "dados os efeitos positivos e o facto de os homens estarem a participar cada vez mais, voltar atrás e fazer com que a licença parental seja outra vez a licença de maternidade seria ir contra toda a evolução da política das licenças em Portugal." Suspira. "Temos de olhar para o sistema de licenças na sua complexidade. Concentrar a atenção só na licença da mãe é não ter em conta as componentes. É preciso avaliar com muito cuidado o que já foi feito e ponderar as possíveis mudanças em função dos direitos que já existem e das várias opções (e do impacto que podem ter)."

"BE: amamentar é escolha da mãe"

Apesar de o apoio do seu partido à petição estar a ser reiterado nos media, Catarina Martins, a líder do BE, vai ao encontro da posição de Karin Wall. "A lógica do Bloco nesta matéria é a da partilha. Não recuamos nas conquistas da igualdade. A petição fala de licença de maternidade e fala só da mãe, e o BE é diferente: fala de parentalidade. Além disso achamos que a amamentação é uma escolha da mãe. Mas o tempo a que tradicionalmente se chama de amamentação deve ser respeitado, seja a mãe ou o pai que fica com a criança." A convergência com o que é pedido tem a ver apenas, explica, com os rendimentos: "É preciso uma extensão do pagamento a 100%. Os pais devem poder ficar seis meses com a criança independentemente dos rendimentos."

Já o PCP, pela voz de Rita Rato, assume "compreender a petição pelo seu objetivo de reforçar os direitos de maternidade", e sublinha a necessidade da extensão do tempo de licença com pagamento a 100%. Quanto à partilha, considera que "deve ser o casal a optar sobre o regime, e o pai deve poder estar de licença ao mesmo tempo que a mãe." Além disso, adverte, "a atual lei penaliza as famílias monoparentais ou que têm o pai desempregado, já que a partilha da licença é impossível e portanto também a extensão até aos cinco meses com pagamento a 100%". E conclui: "Somos favoráveis à alocação de tempo específico para o pai mas não à custa do da mãe." Sendo assim, porém, será de partilha que se trata? Como estimular o gozo da licença pelos homens quando só um quarto o faz?

Catarina Marcelino, secretária de Estado da Igualdade, parece ter resposta para isso. "Em 2009 houve uma mudança de paradigma, uma mudança que esta petição não acompanha. Antes as mulheres tinham de autorizar a licença do pai. Agora ele tem direito a uma licença específica". Uma licença cuja duração obrigatória é aumentada, no programa do Governo, para três semanas (atualmente é de 15 dias), ou seja, metade da licença irrenunciável pela mulher. "Isto no mínimo", diz a governante, que lembra ser esta uma matéria que tem de ser negociada na concertação social.

Ex presidente da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, Catarina Marcelino considera que "empurrar as mulheres para cada vez mais tempo de licenças é contrariar o exemplo que temos seguido e que é o do norte da Europa (onde as licenças são muito maiores mas partilhadas), e prejudica-as do ponto de vista do mercado de trabalho." Por outro lado, e ressalvando não ser médica "nem perceber nada de pediatria", chama a atenção para a pressão social sobre as mulheres que se cria com a ideia de que quem não amamenta seis meses não é boa mãe: "As mulheres devem ser menos vistas como reprodutoras. Têm vários papéis, como os homens." Respondendo aos argumentos do BE e do PCP, lembra que "a lei já prevê a possibilidade de uma licença de seis meses e duas horas diárias de amamentação e aleitamento até um ano, podendo ser prolongado por mais de um ano, e que quando se fala de licença paga a 100% a maioria das pessoas não sabe o que isso quer dizer. Corresponde a muito mais do que normalmente levam para casa, porque é sem descontos de segurança social e sem impostos."

PSD e CDS ainda não têm uma posição oficial sobre a petição.