Joana Ferreira da Costa, in Jornal Público
Maior intervenção, alguns recados, alguns vetos, alguns elogios. Eis os temas que mereceram mais atenção ao Presidente da República
Se o ano ficou marcado por uma actuação muito mais interventiva do Presidente da República, certo é que Cavaco Silva nunca entrou em choque com o Governo. O chefe de Estado lançou apelos, vetou num mês quatro diplomas emblemáticos da política socialista e deixou ao longo do ano repetidos recados ao Executivo. E este mostrou-se quase sempre disponível para os acolher. Uma actuação correctiva do Presidente, que, apesar dos repetidos avisos à navegação ou ao debate, também deixou elogios à actuação de José Sócrates.
Novo Aeroporto para Lisboa
A intervenção de Cavaco Silva foi fundamental para que o Governo recuasse na intenção de lançar este ano o concurso público para a construção da infra-estrutura na Ota. O Presidente pediu um "debate aprofundado" e estudos independentes sobre a localização do futuro aeroporto de Lisboa. A maioria socialista fez-lhe a vontade: o Parlamento debateu o assunto e o Governo suspendeu a decisão, encomendando uma análise comparativa dos vários estudos que defendem localizações alternativas para o aeroporto. A decisão final do Executivo estava prometida para meados de Dezembro, mas foi adiada para o próximo ano.
Aborto
Cavaco Silva promulgou a lei que despenalizou o aborto até às dez semanas, mas esteve longe de esconder o seu desagrado pelo conteúdo do diploma, enviando ao Parlamento uma vasto conjunto de recomendações de alteração à proposta do Governo. Quase todas acabaram por ser acolhidas pela maioria, que deixou de fora a recomendação de mostrar à mulher que vai abortar a sua ecografia e restringiu a informação sobre alternativas ao aborto a uma brochura a entregar à grávida. Já quando o Governo madeirense se negou a aplicar a nova lei no arquipélago o Presidente veio a público defender que esta recusa é um caso para a justiça e que os cidadãos madeirenses que se sintam lesados devem recorrer aos tribunais.
Natalidade
Como contraponto às questões do aborto, Cavaco Silva foi o primeiro a alertar para "a gravíssima" recessão demográfica em Portugal, que tem das mais baixas taxas de nascimento da Europa. O Presidente insistiu na necessidade de medidas de incentivo à natalidade, mas também de maiores respostas sociais e da comunidade ao problema. O Governo, pouco depois, anunciava a criação de um abono para grávidas a partir dos três meses e uma majoração do abono de família para o segundo e terceiro filhos, entre os 12 e os 36 meses.
Educação
Defensor de "um novo olhar sobre a escola", que deve depender menos do Estado e envolver cada vez mais as autarquias e a comunidade, o Presidente defendeu claramente uma maior autonomia das instituições de ensino que não teve eco nas decisões da maioria. Num ano marcado por alterações de peso e pela contestação à política educativa socialista, Cavaco Silva foi também um crítico atento do novo estatuto do aluno e não se cansou de apelar ao diálogo entre Governo e professores, cuja figura, insistiu várias vezes, deve ser "prestigiada".
Políticas do mar
Os apelos à importância das políticas do mar foram repetidos ao longo do ano, mas em Novembro subiram de tom as críticas do Presidente ao Governo: a Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, constituída nove meses antes, deve passar da "retórica" à "acção", apresentando um plano detalhado de aplicação da estratégia nacional para o mar. O chefe de Estado recordou que com esta inacção Portugal está a desperdiçar oportunidades no aproveitamento da costa e da zona de exclusão marítima.
Saúde
Cavaco Silva nunca respondeu directamente às medidas políticas que geraram uma onda de contestação popular um pouco por todo o país: o fecho de blocos de parto, do atendimento nocturno nos centros de saúde ou das urgências hospitalares. Mas foi deixando vários recados: salientou que ninguém pode ficar de fora da assistência pública de cuidados de saúde, frisando que há populações e zonas do país em "clara desvantagem", e alertou para a necessidade de as políticas e as suas consequências serem profundamente explicadas aos cidadãos. Ao mesmo tempo, tem defendido a importância do sector privado e social como complemento do sector público na prestação de cuidados de saúde.
Fragilidade da economia
O Presidente fez vários apelos à correcção do problema orçamental do país, ao mesmo tempo que defendia a urgência de o Estado, as autarquias e as empresas regressarem "à convergência real" com a Europa. Num desafio ao Executivo, o Presidente da República defendeu a necessidade de se criarem condições para uma maior competitividade económica, garantindo, ao mesmo tempo, a coesão social e regional. E frisou que o novo quadro comunitário de apoio "é um instrumento verdadeiramente estruturante para a economia", devendo colocar Portugal na média da UE.
A presidência da UE
Ao longo do ano, o Presidente da República fez vários elogios à acção do Governo. O mais rasgado foi, sem dúvida, quanto à presidência da UE, em que considerou "excelente" o trabalho do Governo português, que culminou com um "resultado histórico" na cimeira onde foi aprovado o Tratado de Lisboa. Já quanto à ratificação do tratado, Cavaco já manifestou ser contra um referendo. Uma bota que o primeiro-ministro terá ainda de descalçar, já que se o referendo foi uma promessa eleitoral socialista, ele contraria o acordo de cavalheiros feito pelos Estados-membros na Cimeira de Lisboa para evitar que o sucesso alcançado a 27 possa ser travado pela vontade de cada um dos países.
Os vetos
Agosto foi o mês dos vetos presidenciais. Cavaco Silva travou nada mais nada menos do que quatro leis emblemáticas da política do Governo: a lei orgânica da GNR, a lei do Estatuto do Jornalista, lei que previa o levantamento do sigilo bancário em casos de reclamação do contribuinte e a da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado. A maioria socialista respondeu a muitas das alterações propostas pelo Presidente, à excepção da lei da Responsabilidade Civil, que foi aprovada no Parlamento praticamente sem alterações, por uma maioria "expressiva". A razão invocada pelo Presidente para, claramente contrariado, promulgar o diploma sobre o qual manteve todas as dúvidas que o levaram ao veto inicial.
Cavaco Silva elogiou a presidência portuguesa
da UE, que culminou com o Tratado de Lisboa
O que disse Cavaco
["Em segundo lugar] é importante que 2007 fique marcado por melhorias visíveis no nosso sistema de ensino. A formação dos jovens é determinante para combater as desigualdades".
O que fez o Governo
A diversificação da oferta - aumentaram os cursos profissionais, de educação e formação e tecnológicos nas escolas públicas secundárias - conquistou mais alunos para as escolas. São hoje mais de dois mil os cursos que dão uma certificação escolar mas também profissional e há 35,4 por cento de alunos matriculados em vias profissionalizantes. Segundo os números do Governo, 18.500 alunos frequentam, este ano lectivo, o ensino secundário. De resultados pode ainda falar o Governo quanto ao Programa Novas Oportunidades: mais de 300 mil pessoas retomaram os estudos.
O que disse Cavaco
"A qualidade no ensino, o estímulo à excelência e o combate sem tréguas ao insucesso e abandono escolar têm de ter sinais positivos já em 2007"
O que fez o Governo
Foi de "resultado histórico" que o Governo falou no último debate mensal na Assembleia da República, ao exibir as taxas de redução do insucesso escolar. Nos dois últimos anos, no ensino básico, os chumbos baixaram oito pontos percentuais, segundo revelou José Sócrates, e foi reduzido também o abandono precoce, entre os jovens dos 18 aos 24 anos. No ensino secundário, a taxa de reprovações ficou abaixo da fasquia dos 30 por cento, embora a tendência de descida já venha de trás. José Sócrates tem, pois, estatísticas para mostrar, mas uma análise detalhada dos números revela debilidades. No 12.º ano, com exames nacionais, no ano lectivo 2006/2007 a percentagem de chumbos subiu aos 38 por cento, embora seja oito por cento inferior à do ano anterior. F. F.
O Governo fez do controlo das contas públicas a sua aposta principal e deve terminar este ano cumprindo o objectivo dos 3 por cento de défice
O que disse Cavaco
"É chegado o tempo de ultrapassar a fase de reduzido crescimento económico e de acertar o passo com os nossos parceiros europeus, consolidando um novo ciclo de desenvolvimento"
O que fez o Governo
Em rota de divergência com a União Europeia há largos anos, o PIB português não passa dos 75 por cento da média europeia, o que coloca Portugal atrás de países como a Eslovénia, a República Checa, a Grécia e Chipre. Mas antecipam-se melhores dias para contrariar este fosso de desigualdade persistente. Segundo a última previsão da OCDE, em 2008 Portugal poderá crescer 2,2 por cento, ou seja, ligeiramente acima a média europeia (2,1 por cento é a previsão para a zona euro). Uma subida tímida, mas que, mesmo assim, quebra o ciclo de continuada divergência.
O que disse Cavaco
"[É muito importante que se registem progresso claros] em primeiro lugar no domínio do desenvolvimento económico, que é essencial para que haja mais emprego, mais justiça social e melhores condições de vida"
O que fez o Governo
Apesar de José Sócrates garantir que nos últimos dois anos e meio foram criados, em termos líquidos, 106 mil novos empregos, as cifras do desemprego são negras, atingindo cerca de meio milhão de portugueses. Segundo o INE (Instituto Nacional de Estatística), a taxa de desemprego situava-se no 7,9 por cento no terceiro trimestre deste ano. E, de acordo com o IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional), em Novembro estavam inscritos 400 mil desempregados nos centros de emprego, representando 83 por cento num total de 483 mil pedidos de emprego. Quanto à melhoria das condições de vida, as perspectivas não dão margem a entusiasmos. O Governo tem fixado os aumentos salariais na administração pública tendo por base a inflação prevista e bastará fazer contas para se adivinhar uma perda do poder de compra real. O aumento para a função pública será de 2,1 por cento, em 2008. Em Novembro, a inflação medida pelo INE situava-se nos 2,8 por cento.
O que disse Cavaco
"É crucial que 2007 fique marcado por uma recuperação do investimento"
O que fez o Governo
Os últimos indicadores darão alento aos mais cépticos. No terceiro trimestre deste ano, o crescimento do investimento foi de 4,2 por cento face ao mesmo período do ano anterior, algo que não acontecia desde 2004. A subida sugere a consolidação, virtuosa, da tendência que se verificou no segundo trimestre (0,4 por cento). E representa um trunfo para o Governo, se atendermos a que se registaram crescimentos negativos em 2005, em 2006 e nos primeiros três meses de 2007.
O que disse Cavaco
"O esforço do equilíbrio das finanças públicas é, sem dúvida, um factor para o crescimento económico sustentado, havendo, no entanto, que actuar por forma a preservar a coesão social e a solidariedade para com os que mais precisam"
O que fez o Governo
A frase de que "há vida para além do défice" faz já parte da história, mas o Governo fez do controlo das contas públicas a sua aposta principal e deve terminar este ano cumprindo (porventura até para melhor) o objectivo quê se propôs: atingir os 3 por cento. As dúvidas prendem-se com a estratégia seguida, sendo recorrentes as críticas de que este resultado foi conseguido muito à custa do aumento da carga fiscal e de um forte recuo no investimento público, e não tanto da redução do peso da despesa pública, ou seja, do peso do Estado. O aumento das pensões de reforma mais baixas e a criação de um complemento solidário para os mais idosos são duas medidas que podem ser apontadas como um esforço para a coesão social. Mas, ao mesmo tempo, a reforma da segurança social, feita com o objectivo de conseguir a sustentabilidade financeira do sistema, representa um corte significativo nas regalias e nos proveitos dos pensionistas. F.F.
O que disse Cavaco
"2007 é o ano em que devem ser concretizados passos para a melhoria do funcionamento da Justiça. No ano passado, reduziu-se alguma crispação que marcava o sector da Justiça. Foi mesmo possível chegar a um entendimento político alargado com vista à credibilização e ao reforço do sistema judicial. Dos protagonistas deste sector espera-se um contributo activo para a eficiência do sistema judicial".
O que fez o Governo
Não foi por falta da revisão de diplomas que a justiça se tornou mais eficaz. A maioria socialista aprovou a revisão dos códigos penal e do processo penal, alterou o regime de acesso ao CEJ (Centro de Estudos Judiciários) e consagrou a autonomia do Conselho Superior da Magistratura. Mas a controvérsia estalou quando, na lei dos vínculos, carreiras e remunerações da Função Pública, o Governo do PS quis consagrar a "funcionalização" de juízes e procuradores. O Tribunal Constitucional já declarou inconstitucional a norma relativa aos juízes dos tribunais judiciais, deixando de fora a jurisdição administrativa e a magistratura do Ministério Público. A norma vai ter de ser revista e se só deixar de se aplicar aos juízes dos tribunais judiciais irá suscitar reacções por parte dos juízes dos tribunais administrativos e dos magistrados do Ministério Público. Estes últimos poderão sempre contar com a posição do procurador-geral da República para suscitar nova intervenção do Tribunal Constitucional. Há um ano, o Presidente da República registava a "redução da crispação" e via "no entendimento político alargado (leia-se pacto de justiça)" condições para "a credibilização e reforço da confiança no sistema judicial". Mas o clima de descrença ressurgiu, alimentado pela convicção de que a voz dos juízes, dos magistrados e dos próprios advogados não é escutada pelo Governo. E por quem legisla. Na forja estão novos diplomas que podem gerar controvérsia, como é o caso do estatuto dos magistrados judiciais e a revisão do mapa judiciário.
31.12.07
Seis mil jovens por dia contraem o vírus da sida
Alexandra Marques, in Jornal de Notícias
Todos os dias mais de seis mil jovens dos 15 aos 24 anos infectam-se ou são infectados pelo vírus da sida. A estimativa é responsabilidade dos investigadores Frade, Marques e Martingo num estudo de 2006, no qual é ainda confirmado que "apesar de conhecerem os riscos que correm, muitos jovens não usam preservativos".
Ambas as informações figuram no artigo "Sexualidade, Comportamentos Sexuais e VIH/sida" de Sónia Pereira, Marta Morais e Margarida Gaspar de Matos, no boletim "Sexualidade, Segurança e Sida" que será distribuído em Fevereiro.
O artigo menciona que estar informado não garante um acto protegido. "A relação entre a informação e a acção (o comportamento) não tem um sentido único", referem Camargo e Botelho numa sua investigação de 2007. Ou seja, mesmo sendo detentor de "um grau avançado de informação sobre as vantagens da utilização do preservativo, isso não garante que, numa relação sexual, o indivíduo o irá utilizar".
Além do não uso do preservativo, outro factor problemático relaciona-se com a falta de comunicação dos adolescentes com os familiares mais velhos.
Segundo o estudo " Com uma voz o silêncio de jovens e adolescentes norte-americanos sobre a gravidez precoce", de B. Albert, (2007), alguns adolescentes não falam sobre a sua sexualidade por medo que os pais descubram que já têm vida sexual activa ou percebam que estavam sob o efeito de drogas ou álcool quando tiveram relações.
Segundo o investigador de Washington, nos EUA, "a família tem um papel fundamental na escolha por parte do adolescente, de comportamentos saudáveis ou de risco". Conclui, contudo, que "muitos pais precisam de ajuda, quando se trata de falar sobre sexualidade, pois não sabem como começar a conversa, o que dizer e como dizer".
Outros afirmam não ter conhecimentos teóricos sobre a eficácia ou as especificidades de alguns meios de contracepção.
Riscos a dobrar
Os especialistas concluiram também que "os adolescentes recorrem cada vez mais a práticas de sexo oral e anal para evitar uma gravidez indesejada". No entanto, fazem-no "quase sempre sem qualquer protecção".
Como lembram as autoras referidas, "Portugal mantém o segundo lugar dos países europeus com maior taxa de gravidez na adolescência". Mesmo sabendo-se que "as raparigas entre os 15 e os 19 anos têm o dobro da probabilidade de morrer no parto do que as raparigas acima dos 20 anos".
Os filhos de mães adolescentes têm também "uma probabilidade 1,5 vezes maior de morrerem antes de completarem um ano de idade" quando comparados com os nados-vivos de mães adultas.
Apesar da gravidade destas consequências, o investigador norte-americano realça que "muitas adolescentes não imagiam como seria a sua vidase engravidassem e referem nunca terem reflectido sobre o assunto.
Todos os dias mais de seis mil jovens dos 15 aos 24 anos infectam-se ou são infectados pelo vírus da sida. A estimativa é responsabilidade dos investigadores Frade, Marques e Martingo num estudo de 2006, no qual é ainda confirmado que "apesar de conhecerem os riscos que correm, muitos jovens não usam preservativos".
Ambas as informações figuram no artigo "Sexualidade, Comportamentos Sexuais e VIH/sida" de Sónia Pereira, Marta Morais e Margarida Gaspar de Matos, no boletim "Sexualidade, Segurança e Sida" que será distribuído em Fevereiro.
O artigo menciona que estar informado não garante um acto protegido. "A relação entre a informação e a acção (o comportamento) não tem um sentido único", referem Camargo e Botelho numa sua investigação de 2007. Ou seja, mesmo sendo detentor de "um grau avançado de informação sobre as vantagens da utilização do preservativo, isso não garante que, numa relação sexual, o indivíduo o irá utilizar".
Além do não uso do preservativo, outro factor problemático relaciona-se com a falta de comunicação dos adolescentes com os familiares mais velhos.
Segundo o estudo " Com uma voz o silêncio de jovens e adolescentes norte-americanos sobre a gravidez precoce", de B. Albert, (2007), alguns adolescentes não falam sobre a sua sexualidade por medo que os pais descubram que já têm vida sexual activa ou percebam que estavam sob o efeito de drogas ou álcool quando tiveram relações.
Segundo o investigador de Washington, nos EUA, "a família tem um papel fundamental na escolha por parte do adolescente, de comportamentos saudáveis ou de risco". Conclui, contudo, que "muitos pais precisam de ajuda, quando se trata de falar sobre sexualidade, pois não sabem como começar a conversa, o que dizer e como dizer".
Outros afirmam não ter conhecimentos teóricos sobre a eficácia ou as especificidades de alguns meios de contracepção.
Riscos a dobrar
Os especialistas concluiram também que "os adolescentes recorrem cada vez mais a práticas de sexo oral e anal para evitar uma gravidez indesejada". No entanto, fazem-no "quase sempre sem qualquer protecção".
Como lembram as autoras referidas, "Portugal mantém o segundo lugar dos países europeus com maior taxa de gravidez na adolescência". Mesmo sabendo-se que "as raparigas entre os 15 e os 19 anos têm o dobro da probabilidade de morrer no parto do que as raparigas acima dos 20 anos".
Os filhos de mães adolescentes têm também "uma probabilidade 1,5 vezes maior de morrerem antes de completarem um ano de idade" quando comparados com os nados-vivos de mães adultas.
Apesar da gravidade destas consequências, o investigador norte-americano realça que "muitas adolescentes não imagiam como seria a sua vidase engravidassem e referem nunca terem reflectido sobre o assunto.
30.12.07
A Europa falou ao mundo em português
Paulo Baldaia, in Jornal de Notícias
Por seis meses, a Europa falou com o resto do mundo em português. A presidência da União Europeia revelou-se um êxito muito por causa do trabalho conjunto desenvolvido pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Comissão Europeia.
"Foi porreiro, pá!". O desabafo que José Sócrates pretendia que tivesse ficado pelo ouvido de Durão Barroso foi captado por um microfone e ficará para a história. Mais do que o êxito em que se tinha tornado a cimeira do Tratado, este "porreiro, pá!" revelou que Lisboa e Bruxelas remaram para o mesmo lado, durante a presidência portuguesa da UE. A qualidade do trabalho de cada um deles foi reconhecido pelo outro, numa espécie de "eu diria mais" de Dupont e Dupond - personagens da colecção Tintin.
A reunião da Penha Longa - com Sócrates, Barroso, Merkel e o primeiro-ministro da Eslovénia -, antecipando a presidência portuguesa, foi apenas a face visível de uma estratégia em que os dois políticos portugueses ganharam com o êxito colectivo.
Durão e Sócrates estabeleceram uma "parceria útil e permanente", em que sobressaiu uma "grande cooperação mútua", diz o gabinete do primeiro-ministro. Ou seja, o Bloco Central estabeleceu, desta vez, um eixo entre Lisboa e Bruxelas.
A assinatura do Tratado de Lisboa, no Mosteiro dos Jerónimos, foi a cereja em cima de um bolo que teve como principal ingrediente a Cimeira Intergovernamental, mas que foi feito também com outras cimeiras. Em português, a Europa trouxe África para o primeiro plano e continuou a fazer caminho com os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que puxam pela economia mundial.
Fernando Pessoa via a Europa fitando o Ocidente, José Sócrates e Durão Barroso puseram-na a fitando o mundo inteiro. E, por breves instantes, deram vida às palavras do poeta "O rosto com que fita é Portugal".
Por seis meses, a Europa falou com o resto do mundo em português. A presidência da União Europeia revelou-se um êxito muito por causa do trabalho conjunto desenvolvido pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Comissão Europeia.
"Foi porreiro, pá!". O desabafo que José Sócrates pretendia que tivesse ficado pelo ouvido de Durão Barroso foi captado por um microfone e ficará para a história. Mais do que o êxito em que se tinha tornado a cimeira do Tratado, este "porreiro, pá!" revelou que Lisboa e Bruxelas remaram para o mesmo lado, durante a presidência portuguesa da UE. A qualidade do trabalho de cada um deles foi reconhecido pelo outro, numa espécie de "eu diria mais" de Dupont e Dupond - personagens da colecção Tintin.
A reunião da Penha Longa - com Sócrates, Barroso, Merkel e o primeiro-ministro da Eslovénia -, antecipando a presidência portuguesa, foi apenas a face visível de uma estratégia em que os dois políticos portugueses ganharam com o êxito colectivo.
Durão e Sócrates estabeleceram uma "parceria útil e permanente", em que sobressaiu uma "grande cooperação mútua", diz o gabinete do primeiro-ministro. Ou seja, o Bloco Central estabeleceu, desta vez, um eixo entre Lisboa e Bruxelas.
A assinatura do Tratado de Lisboa, no Mosteiro dos Jerónimos, foi a cereja em cima de um bolo que teve como principal ingrediente a Cimeira Intergovernamental, mas que foi feito também com outras cimeiras. Em português, a Europa trouxe África para o primeiro plano e continuou a fazer caminho com os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) que puxam pela economia mundial.
Fernando Pessoa via a Europa fitando o Ocidente, José Sócrates e Durão Barroso puseram-na a fitando o mundo inteiro. E, por breves instantes, deram vida às palavras do poeta "O rosto com que fita é Portugal".
29.12.07
Pelo menos mais três dezenas de SAP vão fechar em 2008
Alexandra Campos e Mariana Oliveira, in Jornal Público
Até agora, já encerraram mais de 30 Serviços de Atendimento Permanente nos centros de saúde. Um processo que vai continuar
Apesar dos protestos das populações e dos autarcas, o processo de encerramento nocturno dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) dos centros de saúde não pára e durante todo o ano de 2008 vão fechar durante a madrugada pelo menos mais três dezenas de serviços deste tipo. Depois de, nos últimos dois anos, e só na Região Centro, terem fechado as portas de madrugada duas dezenas de SAP localizados sobretudo na proximidade das urgências hospitalares de Coimbra e Aveiro, para 2008 está previsto o encerramento de mais 26 estruturas deste tipo no Norte (que se juntam aos três que agora desapareceram).
Estas duas regiões são justamente aquelas onde se localiza o grosso dos SAP que o ministro da Saúde planeia encerrar, por terem uma afluência inferior a dez doentes no período entre a meia-noite e as 8h00 da manhã. Os SAP são estruturas destinadas ao atendimento de situações agudas (sem marcação). Desde 2006, já fecharam mais de 30.
No Norte, o processo de reorganização dos cuidados de saúde primários vai acelerar em 2008. Os responsáveis da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte quiseram esperar pela colocação no terreno dos meios de socorro pré-hospitalar prometidos e que já começaram a chegar à região. E acreditam que em 2008 vai ser possível avançar com o encerramento de 26 SAP durante o período nocturno.
Em Bragança, vão fechar todos aqueles que actualmente funcionam com médico em regime de prevenção e um enfermeiro em presença física no centro de saúde durante a madrugada. São estes Vinhais, Vimioso, Torre de Moncorvo, Alfândega da Fé, Vila Flor, Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro e Carrazeda de Ansiães. Mas é necessário aguardar pela chegada de mais ambulâncias e pela instalação do helicóptero em Macedo de Cavaleiros, que implica a abertura de um concurso, nota o presidente da ARS do Norte, Maciel Barbosa.
O mesmo acontecerá com os SAP de Viana do Castelo, para onde chegou a estar projectado o mesmo tipo de funcionamento provisório (médicos em prevenção), que apenas não avançou porque os clínicos se recusaram a aceitar trabalhar nestas condições. Melgaço, Valença, Paredes de Coura, Caminha e Arcos de Valdevez deverão encerrar até ao final de Março, depois de ali serem colocadas ambulâncias.
Em Braga, fecham os SAP de Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto e Vieira do Minho e ainda está previsto o encerramento dos SAP geridos por misericórdias na Póvoa de Lanhoso, Riba de Ave, Fão, Esposende e Vila Verde. "A ARS vai ter que denunciar os acordos que tem com as misericórdias" nestas localidades, explicou Pimenta Marinho, da ARS do Norte. Em Vila Real, está planeado o fecho do SAP de Valpaços (da Misericórdia local) e, no Porto, do de Baião, para além dos das Misericórdias de Felgueiras, Marco de Canaveses e Lousada.
Na ARS do Centro, está previsto para 2 de Janeiro o fecho dos SAP de São Pedro do Sul e de Vouzela (Viseu). "Estes centros de saúde ficarão a funcionar entre as 8h00 e as 24h00 todos os dias, incluindo fins-de-semana", explica Filomena Lages, assessora de imprensa da ARS. A instituição alega que não existe calendarização para o encerramento de mais SAP. Mas, de acordo com os critérios definidos pelo ministro, ainda há mais 17 SAP sem movimento para se manterem abertos de noite (todos os da Guarda).
Cadaval, Sesimbra, Coruche e Benavente são os quatro SAP que o presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, António Branco, prevê fechar no próximo ano. "Em relação a Coruche, ainda não sabemos se vai ser criado um serviço de urgência básica ou ficará apenas com uma ambulância medicalizada", adianta Branco. O SAP de Mafra também deverá fechar, mas não em breve. "Está dependente da criação de um serviço de urgência básica em Loures", explica. Na ARS do Alentejo encerrou o SAP de Beja, estando previsto para 2008 que deixe de funcionar mais um. Entretanto já está a funcionar uma urgência básica no Centro de Saúde de Odemira e outra no de Elvas.
26
É o número de Serviços de Atendimento Permanente que deverão fechar em 2008 só na Região Norte do país
Até agora, já encerraram mais de 30 Serviços de Atendimento Permanente nos centros de saúde. Um processo que vai continuar
Apesar dos protestos das populações e dos autarcas, o processo de encerramento nocturno dos Serviços de Atendimento Permanente (SAP) dos centros de saúde não pára e durante todo o ano de 2008 vão fechar durante a madrugada pelo menos mais três dezenas de serviços deste tipo. Depois de, nos últimos dois anos, e só na Região Centro, terem fechado as portas de madrugada duas dezenas de SAP localizados sobretudo na proximidade das urgências hospitalares de Coimbra e Aveiro, para 2008 está previsto o encerramento de mais 26 estruturas deste tipo no Norte (que se juntam aos três que agora desapareceram).
Estas duas regiões são justamente aquelas onde se localiza o grosso dos SAP que o ministro da Saúde planeia encerrar, por terem uma afluência inferior a dez doentes no período entre a meia-noite e as 8h00 da manhã. Os SAP são estruturas destinadas ao atendimento de situações agudas (sem marcação). Desde 2006, já fecharam mais de 30.
No Norte, o processo de reorganização dos cuidados de saúde primários vai acelerar em 2008. Os responsáveis da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte quiseram esperar pela colocação no terreno dos meios de socorro pré-hospitalar prometidos e que já começaram a chegar à região. E acreditam que em 2008 vai ser possível avançar com o encerramento de 26 SAP durante o período nocturno.
Em Bragança, vão fechar todos aqueles que actualmente funcionam com médico em regime de prevenção e um enfermeiro em presença física no centro de saúde durante a madrugada. São estes Vinhais, Vimioso, Torre de Moncorvo, Alfândega da Fé, Vila Flor, Freixo de Espada à Cinta, Miranda do Douro e Carrazeda de Ansiães. Mas é necessário aguardar pela chegada de mais ambulâncias e pela instalação do helicóptero em Macedo de Cavaleiros, que implica a abertura de um concurso, nota o presidente da ARS do Norte, Maciel Barbosa.
O mesmo acontecerá com os SAP de Viana do Castelo, para onde chegou a estar projectado o mesmo tipo de funcionamento provisório (médicos em prevenção), que apenas não avançou porque os clínicos se recusaram a aceitar trabalhar nestas condições. Melgaço, Valença, Paredes de Coura, Caminha e Arcos de Valdevez deverão encerrar até ao final de Março, depois de ali serem colocadas ambulâncias.
Em Braga, fecham os SAP de Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto e Vieira do Minho e ainda está previsto o encerramento dos SAP geridos por misericórdias na Póvoa de Lanhoso, Riba de Ave, Fão, Esposende e Vila Verde. "A ARS vai ter que denunciar os acordos que tem com as misericórdias" nestas localidades, explicou Pimenta Marinho, da ARS do Norte. Em Vila Real, está planeado o fecho do SAP de Valpaços (da Misericórdia local) e, no Porto, do de Baião, para além dos das Misericórdias de Felgueiras, Marco de Canaveses e Lousada.
Na ARS do Centro, está previsto para 2 de Janeiro o fecho dos SAP de São Pedro do Sul e de Vouzela (Viseu). "Estes centros de saúde ficarão a funcionar entre as 8h00 e as 24h00 todos os dias, incluindo fins-de-semana", explica Filomena Lages, assessora de imprensa da ARS. A instituição alega que não existe calendarização para o encerramento de mais SAP. Mas, de acordo com os critérios definidos pelo ministro, ainda há mais 17 SAP sem movimento para se manterem abertos de noite (todos os da Guarda).
Cadaval, Sesimbra, Coruche e Benavente são os quatro SAP que o presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, António Branco, prevê fechar no próximo ano. "Em relação a Coruche, ainda não sabemos se vai ser criado um serviço de urgência básica ou ficará apenas com uma ambulância medicalizada", adianta Branco. O SAP de Mafra também deverá fechar, mas não em breve. "Está dependente da criação de um serviço de urgência básica em Loures", explica. Na ARS do Alentejo encerrou o SAP de Beja, estando previsto para 2008 que deixe de funcionar mais um. Entretanto já está a funcionar uma urgência básica no Centro de Saúde de Odemira e outra no de Elvas.
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É o número de Serviços de Atendimento Permanente que deverão fechar em 2008 só na Região Norte do país
Aumentos limitados à inflação para quase todos os reformados
Alexandra Figueira, in Jornal de Notícias
Em 2008, não haverá um único reformado da Segurança Social a ver o seu poder de compra subir. Este ano, pela primeira vez, o aumento das pensões de reforma será calculado mediante uma fórmula fixa, consoante o crescimento da economia, e não por decisão política. E essa fórmula diz que, em 2008, e perante o fraco crescimento da riqueza nacional durante o ano que agora acaba, a esmagadora maioria dos reformados não terá aumento real, mas conseguirá repor o nível de vida perdido em 2007 para a inflação. Para os restantes, haverá mesmo uma perda de poder de compra.
Qualquer pensão de reforma até 611 euros terá um aumento de 2,7%, o suficiente para compensar a inflação até Outubro deste ano, mas sem que haja qualquer melhoria de rendimento real. Neste momento, a esmagadora maioria dos reformados - 90%, ou 2,430 milhões de pessoas - está englobada nesta fasquia. Para quem recebe uma reforma entre 611 euros e 2444 euros, a actualização será de 2,2%, enquanto que quem recebe até 4888 euros terá uma actualização de 1,95%. Daí em diante, não haverá qualquer aumento. Só um décimo dos reformados (perto de 342 mil) se encontra neste conjunto.
Entre as pensões com aumento equivalente à inflação encontram-se as mínimas, ou seja, as garantidas a todas as pessoas desde que tenham determinado número de anos de descontos (ver infografia).
Ainda assim, os valores pagos continuam muito baixos. De acordo com dados revelados pelo Ministério do Trabalho em meados do ano passado, deverá haver perto de um milhão de reformados a viver com uma pensão mais baixa do que o salário mínimo nacional, fixado em 426 euros para o próximo ano.
Garantir sustentabilidade
A melhoria do nível de vida dos reformados (aumentos acima da inflação) só acontecerá quando a economia portuguesa crescer a um ritmo superior ao registado durante este ano, de acordo com o acordado no ano passado pelo Governo com os parceiros sociais, excepto a CGTP.
A nova lei quer conter o ritmo de crescimento da despesa pública com reformas, que ameaçava a sustentabilidade da Segurança Social. Além de condicionar os aumentos ao desempenho da economia, introduziu um "factor de sustentabilidade", já em aplicação, que penaliza o montante da reforma à medida que sobe a esperança média de vida.
Além disso, a legislação veio criar a figura do Indexante de Apoios Sociais, um novo valor que passará a ser a referência para os aumentos de prestações sociais, em vez do tradicional salário mínimo nacional.
Em 2008, não haverá um único reformado da Segurança Social a ver o seu poder de compra subir. Este ano, pela primeira vez, o aumento das pensões de reforma será calculado mediante uma fórmula fixa, consoante o crescimento da economia, e não por decisão política. E essa fórmula diz que, em 2008, e perante o fraco crescimento da riqueza nacional durante o ano que agora acaba, a esmagadora maioria dos reformados não terá aumento real, mas conseguirá repor o nível de vida perdido em 2007 para a inflação. Para os restantes, haverá mesmo uma perda de poder de compra.
Qualquer pensão de reforma até 611 euros terá um aumento de 2,7%, o suficiente para compensar a inflação até Outubro deste ano, mas sem que haja qualquer melhoria de rendimento real. Neste momento, a esmagadora maioria dos reformados - 90%, ou 2,430 milhões de pessoas - está englobada nesta fasquia. Para quem recebe uma reforma entre 611 euros e 2444 euros, a actualização será de 2,2%, enquanto que quem recebe até 4888 euros terá uma actualização de 1,95%. Daí em diante, não haverá qualquer aumento. Só um décimo dos reformados (perto de 342 mil) se encontra neste conjunto.
Entre as pensões com aumento equivalente à inflação encontram-se as mínimas, ou seja, as garantidas a todas as pessoas desde que tenham determinado número de anos de descontos (ver infografia).
Ainda assim, os valores pagos continuam muito baixos. De acordo com dados revelados pelo Ministério do Trabalho em meados do ano passado, deverá haver perto de um milhão de reformados a viver com uma pensão mais baixa do que o salário mínimo nacional, fixado em 426 euros para o próximo ano.
Garantir sustentabilidade
A melhoria do nível de vida dos reformados (aumentos acima da inflação) só acontecerá quando a economia portuguesa crescer a um ritmo superior ao registado durante este ano, de acordo com o acordado no ano passado pelo Governo com os parceiros sociais, excepto a CGTP.
A nova lei quer conter o ritmo de crescimento da despesa pública com reformas, que ameaçava a sustentabilidade da Segurança Social. Além de condicionar os aumentos ao desempenho da economia, introduziu um "factor de sustentabilidade", já em aplicação, que penaliza o montante da reforma à medida que sobe a esperança média de vida.
Além disso, a legislação veio criar a figura do Indexante de Apoios Sociais, um novo valor que passará a ser a referência para os aumentos de prestações sociais, em vez do tradicional salário mínimo nacional.
27.12.07
O Norte continua a ser a região portuguesa com maior índice de desemprego
Jorge Marmelo, in Jornal Público
Dados estatísticos relativos ao terceiro trimestre de 2007 indicam que o fenómeno atinge sobretudo as mulheres e os indivíduos com formação superior
Há, na Região Norte, cerca de três mil postos de trabalho a menos do que há um ano. A afirmação consta do relatório Norte Conjuntura relativo ao terceiro trimestre de 2007, produzido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte a partir dos dados estatísticos disponíveis até 13 de Dezembro último, o qual dá conta do agravamento de vários indicadores relacionados com o fenómeno do desemprego.
Segundo aquele documento, a região completou em Setembro quatro trimestres consecutivos com variações homólogas negativas do emprego, desta vez em contraciclo com a média nacional, que registou um aumento de 0,3%. O cenário é ainda mais negro entre as mulheres (o emprego feminino baixou 1,4% e já leva seis trimestres em queda) e os indivíduos com formação superior, cuja taxa de desemprego se cifrou em 10,8% no final do trimestre. Este valor representa um crescimento de 2,5 pontos percentuais relativamente ao trimestre homólogo do ano passado e supera em 2,5% a taxa nacional, que está situada nos 8,3%.
Em Setembro, a taxa de desemprego no Norte ficou, assim, em 9,5%, ligeiramente acima da verificada no trimestre anterior (9,4%) e bastante acima da registada em Setembro de 2006 (8,5%). O Norte continua, assim, a ser a região portuguesa com maior nível de desemprego.
No período analisado, os concelhos de Moimenta da Beira, Sabrosa, Resende, Monção e Alfândega da Fé foram aqueles que mais contribuíram para o agravamento do desemprego registado, sabendo-se já que esta tendência se manteve também no passado mês de Outubro. O relatório salienta que, apesar de tudo, o cenário representa uma atenuação da tendência negativa registada nos trimestres anteriores.
Por sectores de actividade, os maiores contributos para a diminuição dos postos de trabalho pertenceram à construção, onde se perderam cerca de 15 mil empregos, à educação (11 mil) e ao alojamento e restauração (oito mil). A saúde e acção social e as actividades imobiliárias e de serviços às empresas foram, em sentido oposto, os sectores que mais emprego criaram: 30 mil postos de trabalho.
Como nem todas as notícias podem ser más, o relatório aponta para o crescimento dos salários reais na região. Em termos médios, os ordenados cresceram 2,3% face ao terceiro trimestre de 2006, apesar da diminuição registada a nível nacional. Ainda assim, os trabalhadores por conta de outrem auferiam na Região Norte um salário médio mensal líquido de 661 euros, contra 720 euros a nível nacional.
A inflação homóloga ficou, no terceiro trimestre, em 1,9%, desacelerando (0,5%) relativamente ao trimestre anterior. Já em Outubro, porém, verificou-se novo agravamento da inflação, situando-se outra vez nos 2,4%. O relatório salienta que, nos últimos dois trimestres, a inflação na região ficou sempre abaixo da média nacional. O crescimento económico sofreu também uma ligeira desaceleração, apesar do maior dinamismo registado na procura interna.
A actividade turística da Região Norte mantém o bom desempenho, recuperando mesmo da ligeira desaceleração do trimestre anterior. O sector apresenta indicadores positivos no que respeita ao número de hóspedes e de dormidas em estabelecimento hoteleiro e aos proveitos obtidos. Em alta esteve também o cluster automóvel, responsável pelo aumento das exportações. Os sectores mais tradicionais, como o calçado e o vestuário, registaram, porém, indicadores menos favoráveis, tendo diminuído o volume de negócios.
Dados estatísticos relativos ao terceiro trimestre de 2007 indicam que o fenómeno atinge sobretudo as mulheres e os indivíduos com formação superior
Há, na Região Norte, cerca de três mil postos de trabalho a menos do que há um ano. A afirmação consta do relatório Norte Conjuntura relativo ao terceiro trimestre de 2007, produzido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte a partir dos dados estatísticos disponíveis até 13 de Dezembro último, o qual dá conta do agravamento de vários indicadores relacionados com o fenómeno do desemprego.
Segundo aquele documento, a região completou em Setembro quatro trimestres consecutivos com variações homólogas negativas do emprego, desta vez em contraciclo com a média nacional, que registou um aumento de 0,3%. O cenário é ainda mais negro entre as mulheres (o emprego feminino baixou 1,4% e já leva seis trimestres em queda) e os indivíduos com formação superior, cuja taxa de desemprego se cifrou em 10,8% no final do trimestre. Este valor representa um crescimento de 2,5 pontos percentuais relativamente ao trimestre homólogo do ano passado e supera em 2,5% a taxa nacional, que está situada nos 8,3%.
Em Setembro, a taxa de desemprego no Norte ficou, assim, em 9,5%, ligeiramente acima da verificada no trimestre anterior (9,4%) e bastante acima da registada em Setembro de 2006 (8,5%). O Norte continua, assim, a ser a região portuguesa com maior nível de desemprego.
No período analisado, os concelhos de Moimenta da Beira, Sabrosa, Resende, Monção e Alfândega da Fé foram aqueles que mais contribuíram para o agravamento do desemprego registado, sabendo-se já que esta tendência se manteve também no passado mês de Outubro. O relatório salienta que, apesar de tudo, o cenário representa uma atenuação da tendência negativa registada nos trimestres anteriores.
Por sectores de actividade, os maiores contributos para a diminuição dos postos de trabalho pertenceram à construção, onde se perderam cerca de 15 mil empregos, à educação (11 mil) e ao alojamento e restauração (oito mil). A saúde e acção social e as actividades imobiliárias e de serviços às empresas foram, em sentido oposto, os sectores que mais emprego criaram: 30 mil postos de trabalho.
Como nem todas as notícias podem ser más, o relatório aponta para o crescimento dos salários reais na região. Em termos médios, os ordenados cresceram 2,3% face ao terceiro trimestre de 2006, apesar da diminuição registada a nível nacional. Ainda assim, os trabalhadores por conta de outrem auferiam na Região Norte um salário médio mensal líquido de 661 euros, contra 720 euros a nível nacional.
A inflação homóloga ficou, no terceiro trimestre, em 1,9%, desacelerando (0,5%) relativamente ao trimestre anterior. Já em Outubro, porém, verificou-se novo agravamento da inflação, situando-se outra vez nos 2,4%. O relatório salienta que, nos últimos dois trimestres, a inflação na região ficou sempre abaixo da média nacional. O crescimento económico sofreu também uma ligeira desaceleração, apesar do maior dinamismo registado na procura interna.
A actividade turística da Região Norte mantém o bom desempenho, recuperando mesmo da ligeira desaceleração do trimestre anterior. O sector apresenta indicadores positivos no que respeita ao número de hóspedes e de dormidas em estabelecimento hoteleiro e aos proveitos obtidos. Em alta esteve também o cluster automóvel, responsável pelo aumento das exportações. Os sectores mais tradicionais, como o calçado e o vestuário, registaram, porém, indicadores menos favoráveis, tendo diminuído o volume de negócios.
Portugal termina presidência europeia com ventos de feição
in Jornal Público
A maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios
Portugal tem por hábito salientar o Tratado de Lisboa e as cimeiras com África e o Brasil como os grandes sucessos da sua terceira presidência da UE, mas foram outros feitos menos espectaculares que fizeram o essencial da sua reputação durante este semestre.
Mesmo se ninguém retira qualquer mérito à presidência a propósito da conclusão do Tratado de Lisboa, a verdade é que a sua aprovação já estava programada para a segunda metade deste ano, fosse qual fosse o país a presidir à UE. Isso foi o que a França, Alemanha e Reino Unido impuseram aos parceiros, decididos a aproveitar uma "janela de oportunidade" aberta no fim do primeiro semestre, com lideranças fortes nos três países e sem actos eleitorais no horizonte, para fechar de vez a saga constitucional.
Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha que presidiu à UE na primeira metade do ano, tratou, aliás, de negociar linha a linha as disposições da malograda Constituição que deveriam ser transferidas para o novo tratado. De tal forma que Portugal, que lhe sucedeu a 1 de Julho, não teve que fazer mais, praticamente, do que traduzir os termos do acordo político para a linguagem jurídica.
O sucesso deste processo teve o efeito de proporcionar "um vento favorável", segundo a expressão de um diplomata europeu de alto nível, que permitiu à presidência fazer avançar os seus "temas de estimação". Sobretudo as cimeiras com o Brasil, em Julho, e África, em Dezembro, em que a recusa do primeiro-ministro britânico de participar numa reunião com o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deixou, ao fim de quatro anos, de constituir um obstáculo.
Embora seja certo que o ciclo virtuoso de optimismo aberto pela conclusão do tratado influenciou muito favoravelmente todo o trabalho, a maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios sectoriais, a par dos técnicos e diplomatas que acompanharam o semestre em Bruxelas.
Três ministros e respectivas equipas, sobretudo, sobressaíram. Fernando Teixeira dos Santos, das Finanças, conseguiu um muito pouco esperado acordo unânime dos Vinte e Sete sobre a cobrança do IVA para os serviços electrónicos ou de radiodifusão no país de consumo, graças a uma mistura de profundo conhecimento do tema, intenso trabalho de consulta e escuta, e habilidade negocial.
Estas mesmas aptidões permitiram a Jaime Silva, da Agricultura e Pescas, fechar um acordo sobre a reforma da organização de mercado do vinho nos últimos dias da presidência.
Negócios Estrangeiros
Com um estilo diferente, mas a mesma capacidade de escuta e preocupação de acomodar as sensibilidades em jogo, Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, deixou a sua marca em diferentes processos, do tratado ao Kosovo, passando pelo processo de adesão da Turquia.
Já Vieira da Silva, ministro do Trabalho, deu provas do mesmo tipo de habilidade nas negociações sobre a definição do tempo de trabalho máximo anual e as condições dos trabalhadores temporários, mas teve de abandonar a corrida na recta final. Apesar de ter conseguido reunir as condições para a aprovação dos dois textos, foi obrigado a abandonar o processo no último minuto por ordem de José Sócrates, que se encontrava sob a ameaça do seu homólogo britânico, Gordon Brown, de não se deslocar a Lisboa para assinar o Tratado.
Por seu lado, Mário Lino, dos Transportes, fechou o acordo sobre o sistema Galileo de radionavegação por satélite quase sem dar por isso. Depois de resolvido o financiamento, o ministro tinha a seu cargo a questão não menos importante da definição do plano industrial do Galileo. Numa jogada de legitimidade duvidosa à luz das regras de decisão da UE e que assustou vários países, isolou a recalcitrante Espanha. O que acabou por convencer Madrid a mudar de posição, garantindo à presidência um sucesso significativo.
Finalmente, um dos sucessos mais mediatizados da presidência, resolvido ainda antes do seu início - a integração dos novos Estados-membros no sistema Schengen de livre circulação de pessoas - ficou a dever-se sobretudo ao ex-ministro da Administração Interna António Costa.
A maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios
Portugal tem por hábito salientar o Tratado de Lisboa e as cimeiras com África e o Brasil como os grandes sucessos da sua terceira presidência da UE, mas foram outros feitos menos espectaculares que fizeram o essencial da sua reputação durante este semestre.
Mesmo se ninguém retira qualquer mérito à presidência a propósito da conclusão do Tratado de Lisboa, a verdade é que a sua aprovação já estava programada para a segunda metade deste ano, fosse qual fosse o país a presidir à UE. Isso foi o que a França, Alemanha e Reino Unido impuseram aos parceiros, decididos a aproveitar uma "janela de oportunidade" aberta no fim do primeiro semestre, com lideranças fortes nos três países e sem actos eleitorais no horizonte, para fechar de vez a saga constitucional.
Angela Merkel, chanceler federal da Alemanha que presidiu à UE na primeira metade do ano, tratou, aliás, de negociar linha a linha as disposições da malograda Constituição que deveriam ser transferidas para o novo tratado. De tal forma que Portugal, que lhe sucedeu a 1 de Julho, não teve que fazer mais, praticamente, do que traduzir os termos do acordo político para a linguagem jurídica.
O sucesso deste processo teve o efeito de proporcionar "um vento favorável", segundo a expressão de um diplomata europeu de alto nível, que permitiu à presidência fazer avançar os seus "temas de estimação". Sobretudo as cimeiras com o Brasil, em Julho, e África, em Dezembro, em que a recusa do primeiro-ministro britânico de participar numa reunião com o Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, deixou, ao fim de quatro anos, de constituir um obstáculo.
Embora seja certo que o ciclo virtuoso de optimismo aberto pela conclusão do tratado influenciou muito favoravelmente todo o trabalho, a maioria dos sucessos mais inesperados foi o resultado de um intenso trabalho de fundo por parte de alguns ministérios sectoriais, a par dos técnicos e diplomatas que acompanharam o semestre em Bruxelas.
Três ministros e respectivas equipas, sobretudo, sobressaíram. Fernando Teixeira dos Santos, das Finanças, conseguiu um muito pouco esperado acordo unânime dos Vinte e Sete sobre a cobrança do IVA para os serviços electrónicos ou de radiodifusão no país de consumo, graças a uma mistura de profundo conhecimento do tema, intenso trabalho de consulta e escuta, e habilidade negocial.
Estas mesmas aptidões permitiram a Jaime Silva, da Agricultura e Pescas, fechar um acordo sobre a reforma da organização de mercado do vinho nos últimos dias da presidência.
Negócios Estrangeiros
Com um estilo diferente, mas a mesma capacidade de escuta e preocupação de acomodar as sensibilidades em jogo, Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros, deixou a sua marca em diferentes processos, do tratado ao Kosovo, passando pelo processo de adesão da Turquia.
Já Vieira da Silva, ministro do Trabalho, deu provas do mesmo tipo de habilidade nas negociações sobre a definição do tempo de trabalho máximo anual e as condições dos trabalhadores temporários, mas teve de abandonar a corrida na recta final. Apesar de ter conseguido reunir as condições para a aprovação dos dois textos, foi obrigado a abandonar o processo no último minuto por ordem de José Sócrates, que se encontrava sob a ameaça do seu homólogo britânico, Gordon Brown, de não se deslocar a Lisboa para assinar o Tratado.
Por seu lado, Mário Lino, dos Transportes, fechou o acordo sobre o sistema Galileo de radionavegação por satélite quase sem dar por isso. Depois de resolvido o financiamento, o ministro tinha a seu cargo a questão não menos importante da definição do plano industrial do Galileo. Numa jogada de legitimidade duvidosa à luz das regras de decisão da UE e que assustou vários países, isolou a recalcitrante Espanha. O que acabou por convencer Madrid a mudar de posição, garantindo à presidência um sucesso significativo.
Finalmente, um dos sucessos mais mediatizados da presidência, resolvido ainda antes do seu início - a integração dos novos Estados-membros no sistema Schengen de livre circulação de pessoas - ficou a dever-se sobretudo ao ex-ministro da Administração Interna António Costa.
Voluntários aquecem as noites dos sem-abrigo
Luís Garcia, in Jornal de Notícias
Abrigos nas estações do metro são dos locais mais procurados para quem tem as ruas como única morada
Quando os voluntários da Comunidade Vida e Paz chegam à Avenida Almirante Reis, em Lisboa, são recebidos de braços abertos pelos sem-abrigo. Em Santa Apolónia são dezenas de pessoas que esperam pela carrinha na esperança de obterem alguma comida e agasalhos antes de se deitarem no chão ou de irem para casa. Já alguns "habitantes" das arcadas do Regueirão dos Anjos estão demasiado anestesiados pela droga para sequer perceber quem é aquela gente.
Ao todo são cerca de 450 as pessoas que beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987. Todas as noites do ano, três equipas de cinco a nove elementos - no total, mais de 300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção - percorrem as ruas da cidade distribuindo leite, fruta e outros alimentos básicos, para além de alguma roupa.
Porém, estes bens são apenas "meios para chegar a um fim", conforma explica o voluntário Miguel Morais. "Tentamos dialogar com eles de forma a conseguir que dêem o próximo passo" explica o militar de 28 anos. Um passo que pode ser dado nos centros de acolhimento da comunidade, onde se procura recuperar e reintegrar os sem-abrigo.
No entanto, nem sempre é fácil chegar-lhes. Quem o garante é Cláudia Amaral, 28 anos. "São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam", diz a técnica de saúde ambiental. Cláudia Amaral garante que, se participa numa equipa de rua há quatro anos, é não só para ajudar os outros, mas também porque este trabalho a faz sentir-se bem. Tão bem que optou por passar a noite de aniversário a bordo da carrinha da comunidade.
Seis litros de vinho por dia
Cada sem-abrigo tem a sua história. Alguns são consumidos pela droga, outros pelo álcool, como o jovem do Chiado que, por entre um elaborado discurso político, admite aos voluntários que bebe seis litros de vinho por dia. Desgostos de amor, morte de familiares, variados problemas psicológicos. Nas ruas da capital, não faltam exemplos destes e de outros casos análogos.
Manuel Alves, 45 anos, procura na Comunidade Vida e Paz conforto para o estômago e companhia. "Vivo sozinho, a minha família fugiu", queixa-se. A conversa só se azeda quando o tema é o desemprego "Não trabalho e não quero trabalhar!", diz.
A "Dona Catarina" é conhecida da maioria das equipas de rua. Encolhida pelo frio e pelo peso dos anos, a idosa conta as suas aventuras nos hospitais aos voluntários, preocupados com o seu estado de saúde.
Desta vez, "Dona Cataraina" aparece acompanhada por uma jovem. "Encontrei esta senhora e ajudei-a a trazer este saco", conta visivelmente emocionada a acompanhante. A experiência de ter auxiliado a idosa parece tê-la ajudado, de imediato, a despertar para a crua realidade.
Por isso, apressa-se a perguntar aos voluntários "O que tenho de fazer para ser voluntária da vossa comunidade?"
Técnica de Saúde Ambiental
São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam.
Voluntário
Esta acções de rua são apenas os meios que utilizamos para chegar a um fim. Tentamos dialogar com eles de forma a conseguirmos que sejam eles a dar o próximo passo.
450 pessoas beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987
300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção, distribuídos alternadamente pelas três equipas de cinco a nove elementos, que saem diariamente para a rua.
Abrigos nas estações do metro são dos locais mais procurados para quem tem as ruas como única morada
Quando os voluntários da Comunidade Vida e Paz chegam à Avenida Almirante Reis, em Lisboa, são recebidos de braços abertos pelos sem-abrigo. Em Santa Apolónia são dezenas de pessoas que esperam pela carrinha na esperança de obterem alguma comida e agasalhos antes de se deitarem no chão ou de irem para casa. Já alguns "habitantes" das arcadas do Regueirão dos Anjos estão demasiado anestesiados pela droga para sequer perceber quem é aquela gente.
Ao todo são cerca de 450 as pessoas que beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987. Todas as noites do ano, três equipas de cinco a nove elementos - no total, mais de 300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção - percorrem as ruas da cidade distribuindo leite, fruta e outros alimentos básicos, para além de alguma roupa.
Porém, estes bens são apenas "meios para chegar a um fim", conforma explica o voluntário Miguel Morais. "Tentamos dialogar com eles de forma a conseguir que dêem o próximo passo" explica o militar de 28 anos. Um passo que pode ser dado nos centros de acolhimento da comunidade, onde se procura recuperar e reintegrar os sem-abrigo.
No entanto, nem sempre é fácil chegar-lhes. Quem o garante é Cláudia Amaral, 28 anos. "São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam", diz a técnica de saúde ambiental. Cláudia Amaral garante que, se participa numa equipa de rua há quatro anos, é não só para ajudar os outros, mas também porque este trabalho a faz sentir-se bem. Tão bem que optou por passar a noite de aniversário a bordo da carrinha da comunidade.
Seis litros de vinho por dia
Cada sem-abrigo tem a sua história. Alguns são consumidos pela droga, outros pelo álcool, como o jovem do Chiado que, por entre um elaborado discurso político, admite aos voluntários que bebe seis litros de vinho por dia. Desgostos de amor, morte de familiares, variados problemas psicológicos. Nas ruas da capital, não faltam exemplos destes e de outros casos análogos.
Manuel Alves, 45 anos, procura na Comunidade Vida e Paz conforto para o estômago e companhia. "Vivo sozinho, a minha família fugiu", queixa-se. A conversa só se azeda quando o tema é o desemprego "Não trabalho e não quero trabalhar!", diz.
A "Dona Catarina" é conhecida da maioria das equipas de rua. Encolhida pelo frio e pelo peso dos anos, a idosa conta as suas aventuras nos hospitais aos voluntários, preocupados com o seu estado de saúde.
Desta vez, "Dona Cataraina" aparece acompanhada por uma jovem. "Encontrei esta senhora e ajudei-a a trazer este saco", conta visivelmente emocionada a acompanhante. A experiência de ter auxiliado a idosa parece tê-la ajudado, de imediato, a despertar para a crua realidade.
Por isso, apressa-se a perguntar aos voluntários "O que tenho de fazer para ser voluntária da vossa comunidade?"
Técnica de Saúde Ambiental
São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam.
Voluntário
Esta acções de rua são apenas os meios que utilizamos para chegar a um fim. Tentamos dialogar com eles de forma a conseguirmos que sejam eles a dar o próximo passo.
450 pessoas beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987
300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção, distribuídos alternadamente pelas três equipas de cinco a nove elementos, que saem diariamente para a rua.
26.12.07
A sociedade civil promove mais iniciativas, mas o Estado paga mais
C.V., in Jornal Público
A maioria das iniciativas destinadas aos imigrantes residentes em Portugal são promovidas por associações, organizações não-governamentais, instituições particulares de solidariedade social e organizações de carácter religioso, mas é o Estado que surge como principal fonte de financiamento, conforme se pode constatar num extenso levantamento levado a cabo pela Organização Internacional das Migrações (OIM). Desta listagem resultou o Mapa de Boas Práticas de Acolhimento e Integração de Imigrantes, apresentado ontem na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.
Em declarações à Lusa, Mónica Goracci, responsável pela OIM em Portugal, sublinhou que se trata de um apanhado de "iniciativas importantes que podem ser apoiadas e aplicadas em outros contextos". "Uma primeira análise destas práticas já dá algumas sugestões e recomendações para melhorar estas iniciativas", acrescentou.
A sociedade civil é responsável por 44 por cento das actividades listadas pela OIM durante seis meses, e o sector público por 29 por cento. Neste ramo são as autarquias as entidades que mais se destacam. No conjunto, "o Estado surge como principal financiador, suportando sozinho cerca de 21,7 por cento das iniciativas e 12,2 por cento em parceria com outras entidades". A maior parte destes projectos, 47,9 por cento, têm como centro a região de Lisboa e Vale do Tejo, que é também a zona do país com uma maior concentração de imigrantes (46,2 dos cerca de 409 mil referenciados, em 2006).
A maior parte dos projectos tem como público-alvo imigrantes oriundos dos PALOP e da Europa do Leste. O português é a língua comum a quase todas as iniciativas, mas por elas perpassam outros 17 idiomas.
No levantamento da OIM refere-se também que "a escassez de recursos materiais é o obstáculo mais indicado pelas entidades promotoras, seguido pela carência dos recursos humanos".
Este "mapa de boas práticas" é apresentado como "um instrumento complementar de estudos como o Migration Integration Policy Index", recentemente divulgado. Em 27 países, Portugal apareceu ali em segundo lugar na classificação das medidas governamentais de integração dos imigrantes.
Na cerimónia de ontem foram distinguidos, como "Melhores práticas autárquicas 2006", o Gabinete de Assuntos Religiosos e Sociais Específicos da Câmara de Loures e o Pacto Territorial para o Diálogo Intercultural e o Espaço Cidadania, ambos do Seixal. O GARSE foi premiado pela promoção do "associativismo imigrante e a dinamização de uma sociedade intercultural". O Pacto Territorial, um projecto com 550 utentes/mês, pelo modo como assegura "o atendimento, acolhimento e apoio à regularização de imigrantes".
A maioria das iniciativas destinadas aos imigrantes residentes em Portugal são promovidas por associações, organizações não-governamentais, instituições particulares de solidariedade social e organizações de carácter religioso, mas é o Estado que surge como principal fonte de financiamento, conforme se pode constatar num extenso levantamento levado a cabo pela Organização Internacional das Migrações (OIM). Desta listagem resultou o Mapa de Boas Práticas de Acolhimento e Integração de Imigrantes, apresentado ontem na Fundação Gulbenkian, em Lisboa.
Em declarações à Lusa, Mónica Goracci, responsável pela OIM em Portugal, sublinhou que se trata de um apanhado de "iniciativas importantes que podem ser apoiadas e aplicadas em outros contextos". "Uma primeira análise destas práticas já dá algumas sugestões e recomendações para melhorar estas iniciativas", acrescentou.
A sociedade civil é responsável por 44 por cento das actividades listadas pela OIM durante seis meses, e o sector público por 29 por cento. Neste ramo são as autarquias as entidades que mais se destacam. No conjunto, "o Estado surge como principal financiador, suportando sozinho cerca de 21,7 por cento das iniciativas e 12,2 por cento em parceria com outras entidades". A maior parte destes projectos, 47,9 por cento, têm como centro a região de Lisboa e Vale do Tejo, que é também a zona do país com uma maior concentração de imigrantes (46,2 dos cerca de 409 mil referenciados, em 2006).
A maior parte dos projectos tem como público-alvo imigrantes oriundos dos PALOP e da Europa do Leste. O português é a língua comum a quase todas as iniciativas, mas por elas perpassam outros 17 idiomas.
No levantamento da OIM refere-se também que "a escassez de recursos materiais é o obstáculo mais indicado pelas entidades promotoras, seguido pela carência dos recursos humanos".
Este "mapa de boas práticas" é apresentado como "um instrumento complementar de estudos como o Migration Integration Policy Index", recentemente divulgado. Em 27 países, Portugal apareceu ali em segundo lugar na classificação das medidas governamentais de integração dos imigrantes.
Na cerimónia de ontem foram distinguidos, como "Melhores práticas autárquicas 2006", o Gabinete de Assuntos Religiosos e Sociais Específicos da Câmara de Loures e o Pacto Territorial para o Diálogo Intercultural e o Espaço Cidadania, ambos do Seixal. O GARSE foi premiado pela promoção do "associativismo imigrante e a dinamização de uma sociedade intercultural". O Pacto Territorial, um projecto com 550 utentes/mês, pelo modo como assegura "o atendimento, acolhimento e apoio à regularização de imigrantes".
imigrante do ano é romena, engenheira, contabilista e ex-empregada de limpeza
Clara Viana, in Jornal Público
Em Almancil, onde reside Elisabeta Necker, vivem 600 romenos. A contabilista fundou uma associação para que as crianças possam aprender o que é a Roménia
No Verão passado, Elisabeta Necker, 32 anos, romena, foi passar férias a Timisoara, a sua cidade natal. No regresso descobriu aquilo de que já desconfiava: "Quando voltei para Almancil, senti-me em casa", confessou ao PÚBLICO. Almancil, no Algarve, foi o local onde Elisabeta "aterrou" em 2000 para experimentar o mesmo que muitos outros imigrantes - um trabalho abaixo das suas qualificações. Ontem, Dia Internacional dos Migrantes, foi distinguida, na Fundação Gulbenkian, com o Prémio Empreendedor Imigrante do Ano, promovido pela Plataforma Imigração.
Em sete anos, a vida de Elisabeta deu uma volta, mas a profissão para a qual inicialmente se preparou parece ter ficado irremediavelmente para trás. Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica no mesmo ano em que casou, 1999. Era uma jovem mulher com "um curso masculino" e sem perspectivas de emprego na Roménia: "Decidi tentar a sorte noutro sítio." Escolheu Portugal, mais concretamente Almancil, porque tinha ali um conhecido do pai.
Veio com o marido, tentou obter equivalência ao seu curso na Universidade do Algarve. Não conseguiu devido a "incompatibilidades entre algumas cadeiras", segundo lhe disseram. Um mês depois de chegar estava a trabalhar nas obras como empregada de limpeza e "às vezes servente".
Na empresa existiam outras duas imigrantes, uma moldava e uma ucraniana. Com a primeira falava romeno, com a segunda apenas comunicava por gestos. Hoje falam entre ambas em português, uma língua que aprenderam juntas, em cursos nocturnos providenciados na delegação do Instituto do Emprego.
Há cinco anos deu à luz Diana, uma menina loura, e ficou sem trabalho. O aldeamento turístico onde era empregada de limpeza não lhe renovou o contrato. Foi então que descobriu a contabilidade. Hoje é assistente administrativa de contabilidade numa empresa de residências de luxos. Está efectiva desde Setembro de 2003. A mudança de vida pode também ser medida pela nacionalidade dos estrangeiros que, como ela, têm assento na empresa. Uma é australiana, a outra inglesa.
Em Almancil, residem cerca de 600 romenos. O que os atrai? "Vale do Lobo e a Quinta do Lago estão ali, é uma zona que dá trabalho", resume Elisabeta, que no início deste ano fundou uma associação de apoio aos seus conterrâneos. Foi esta iniciativa que ajudou à sua selecção como vencedora do prémio que ontem lhe foi entregue pelo ex-comissário europeu António Vitorino.
Com esta associação transformou-se também em professora de Romeno, na escola de domingo, a iniciativa principal da organização. Objectivo: estabelecer uma ponte entre o país de origem e as crianças que já nasceram por cá, como a sua filha Diana, com quem fala ora em romeno, ora em português, ora numa mistura das duas línguas.
Elisabeta Necker, escolhida como um "exemplo de integração pró-activa", foi um dos 10 estrangeiros que concorreram ao prémio Empreendedor Imigrante, no valor de 20 mil euros. Uma parte deste montante será despendido numa viagem à neve, talvez à Alemanha, onde reside parte da família do marido, que continua a trabalhar na construção civil, mas o regresso a Almancil é dado como certo: "Agora digo que fico."
Em Almancil, onde reside Elisabeta Necker, vivem 600 romenos. A contabilista fundou uma associação para que as crianças possam aprender o que é a Roménia
No Verão passado, Elisabeta Necker, 32 anos, romena, foi passar férias a Timisoara, a sua cidade natal. No regresso descobriu aquilo de que já desconfiava: "Quando voltei para Almancil, senti-me em casa", confessou ao PÚBLICO. Almancil, no Algarve, foi o local onde Elisabeta "aterrou" em 2000 para experimentar o mesmo que muitos outros imigrantes - um trabalho abaixo das suas qualificações. Ontem, Dia Internacional dos Migrantes, foi distinguida, na Fundação Gulbenkian, com o Prémio Empreendedor Imigrante do Ano, promovido pela Plataforma Imigração.
Em sete anos, a vida de Elisabeta deu uma volta, mas a profissão para a qual inicialmente se preparou parece ter ficado irremediavelmente para trás. Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica no mesmo ano em que casou, 1999. Era uma jovem mulher com "um curso masculino" e sem perspectivas de emprego na Roménia: "Decidi tentar a sorte noutro sítio." Escolheu Portugal, mais concretamente Almancil, porque tinha ali um conhecido do pai.
Veio com o marido, tentou obter equivalência ao seu curso na Universidade do Algarve. Não conseguiu devido a "incompatibilidades entre algumas cadeiras", segundo lhe disseram. Um mês depois de chegar estava a trabalhar nas obras como empregada de limpeza e "às vezes servente".
Na empresa existiam outras duas imigrantes, uma moldava e uma ucraniana. Com a primeira falava romeno, com a segunda apenas comunicava por gestos. Hoje falam entre ambas em português, uma língua que aprenderam juntas, em cursos nocturnos providenciados na delegação do Instituto do Emprego.
Há cinco anos deu à luz Diana, uma menina loura, e ficou sem trabalho. O aldeamento turístico onde era empregada de limpeza não lhe renovou o contrato. Foi então que descobriu a contabilidade. Hoje é assistente administrativa de contabilidade numa empresa de residências de luxos. Está efectiva desde Setembro de 2003. A mudança de vida pode também ser medida pela nacionalidade dos estrangeiros que, como ela, têm assento na empresa. Uma é australiana, a outra inglesa.
Em Almancil, residem cerca de 600 romenos. O que os atrai? "Vale do Lobo e a Quinta do Lago estão ali, é uma zona que dá trabalho", resume Elisabeta, que no início deste ano fundou uma associação de apoio aos seus conterrâneos. Foi esta iniciativa que ajudou à sua selecção como vencedora do prémio que ontem lhe foi entregue pelo ex-comissário europeu António Vitorino.
Com esta associação transformou-se também em professora de Romeno, na escola de domingo, a iniciativa principal da organização. Objectivo: estabelecer uma ponte entre o país de origem e as crianças que já nasceram por cá, como a sua filha Diana, com quem fala ora em romeno, ora em português, ora numa mistura das duas línguas.
Elisabeta Necker, escolhida como um "exemplo de integração pró-activa", foi um dos 10 estrangeiros que concorreram ao prémio Empreendedor Imigrante, no valor de 20 mil euros. Uma parte deste montante será despendido numa viagem à neve, talvez à Alemanha, onde reside parte da família do marido, que continua a trabalhar na construção civil, mas o regresso a Almancil é dado como certo: "Agora digo que fico."
Tráfico por mar de imigrantes clandestinos preocupa autoridades
Ricardo Dias Felner, in Jornal Público
Especialistas dizem que o desembarque de cidadãos ilegais no Algarve prova como a viagem é fácil. Sindicato do SEF quer expulsão imediata dos cidadãos marroquinos, para demonstrar a determinação de Lisboa
Director nacional do SEF desmente publicamente "perigo", contradizendo cenário de risco proposto pela Marinha a Vários responsáveis pela área da imigração desdobraram-se ontem em declarações no sentido de desvalorizar o desembarque de 23 imigrantes clandestinos na ilha da Culatra, no Algarve, mas o PÚBLICO sabe que o assunto está a preocupar os sectores da Administração Interna e da Defesa.
Neste momento, Portugal não tem meios suficientes nem de vigilância, nem de acolhimento, para suster vagas repetidas de imigração, por mar, de maiores proporções - e esse cenário está a ser ponderado muito a sério.
O incidente, que levou à hospitalização de oito dos imigrantes, e que mostrou imagens de hipotermia e sofrimento que os portugueses estavam habituados a ver nas praias do Sul de Espanha e de Itália, veio confirmar uma tese trabalhada pelos governos desde 2003: o desvio do tráfico de seres humanos com origem no Norte de África, bem como da Costa Ocidental, via marítima, para o Algarve e para a Madeira tem sido encarado como uma "questão de tempo". O episódio de segunda-feira no Algarve poderá significar, todavia, que esse "tempo" pode ser mais curto do que se esperava.
O presidente do Sindicato de Carreira e Investigação e Fiscalização do SEF disse ontem ao PÚBLICO que as circunstâncias que rodearam a viagem dos marroquinos demonstram que "é viável e muito fácil" alcançar-se a costa portuguesa. "Em apenas quatro dias, um pequeno barco chegou do Norte de África ao Algarve, sem qualquer problema", referiu Gonçalo Rodrigues, concluindo: "É mais do que provável que se venham a intensificar estes fluxos".
Esta preocupação leva a que o sindicato exija um sinal de determinação do SEF: "Logo que as autoridades de saúde digam que está tudo bem com os imigrantes eles devem ser expulsos para Marrocos no mais curto espaço de tempo". Resta saber se os imigrantes não estarão indocumentados ou irão requerer asilo político, o que po-
de implicar um processo mais moroso e que aguardem pelo fim dos trâmites em liberdade.
Governo desvaloriza
No Governo, contudo, a ordem é para minimizar publicamente a importância do desembarque. Para o director nacional do SEF, Manuel Jarmela Palos, e para o responsável do Algarve, José Van der Keller, tratou-se de um caso "isolado", "casual" e "excepcional" - que não significa que haja um "risco" de vulnerabilidade da costa portuguesa.
Entre os argumentos usados para minimizar uma eventual transferência das rotas de migração clandestina de outros países do Mediterrâneo para Portugal está a desvantagem económica, comparativamente com Espanha ou com Itália.
Foi isso que disse, há poucos dias, Van der Keller, o mesmo responsável que em 2005, num artigo da revista Política Internacional, alertava para o risco real de uma afluência às praias do Algarve e da Madeira.
Este raciocínio tem sido, porém, desmentido por vários indicadores, como a preferência por Portugal de comunidades específicas, como a do Leste europeu e, sobretudo, a utilização do território nacional para a entrada no espaço terrestre da União Europeia por parte de cidadãos de países terceiros.
A outra justificação para desvalorizar a inclusão de Portugal nas rotas marítimas do tráfico de imigrantes tem sido a sua localização geográfica mais periférica e já perto do Atlântico.
Radares não vêem barcos
O comandante da Marinha João Barbosa, que participou este Verão em operações da Frontex (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas), junto à costa do Senegal, admite que há, de facto, outras viagens mais curtas e mais tranquilas. Só que os destinos tradicionais dos últimos anos - Andaluzia, Canárias, Sicília, Malta - "estão cada vez mais vigiados". E, nesta perspectiva, pode ser mais cómodo e mais eficaz mudar de rota e escolher Portugal. "Somos uma área de potencial risco", garantiu ao PÚBLICO, alertando para a necessidade do país estar atento. "Eles escolhem entrar na União Europeia por onde for mais fácil".
João Barbosa salienta que existem três lanchas da Marinha destacadas para a vigilância da costa algarvia, que têm a função genérica de zelar pela defesa nacional, sendo o controlo de imigração clandestina apenas um dos seus objectivos. Por outro lado, explicou, embarcações com cinco ou seis metros, como a que transportou os cidadãos marroquinos, não se distinguem nos radares de meros barcos de pesca.
O mesmo responsável chama aliás a atenção para uma hipótese que tem sido descartada pelo SEF: como vem sendo prática habitual das redes de tráfico de imigrantes, o barco usado pelos cidadãos marroquinos pode ter sido transportado numa embarcação maior, que depois o largou já junto à costa.
Especialistas dizem que o desembarque de cidadãos ilegais no Algarve prova como a viagem é fácil. Sindicato do SEF quer expulsão imediata dos cidadãos marroquinos, para demonstrar a determinação de Lisboa
Director nacional do SEF desmente publicamente "perigo", contradizendo cenário de risco proposto pela Marinha a Vários responsáveis pela área da imigração desdobraram-se ontem em declarações no sentido de desvalorizar o desembarque de 23 imigrantes clandestinos na ilha da Culatra, no Algarve, mas o PÚBLICO sabe que o assunto está a preocupar os sectores da Administração Interna e da Defesa.
Neste momento, Portugal não tem meios suficientes nem de vigilância, nem de acolhimento, para suster vagas repetidas de imigração, por mar, de maiores proporções - e esse cenário está a ser ponderado muito a sério.
O incidente, que levou à hospitalização de oito dos imigrantes, e que mostrou imagens de hipotermia e sofrimento que os portugueses estavam habituados a ver nas praias do Sul de Espanha e de Itália, veio confirmar uma tese trabalhada pelos governos desde 2003: o desvio do tráfico de seres humanos com origem no Norte de África, bem como da Costa Ocidental, via marítima, para o Algarve e para a Madeira tem sido encarado como uma "questão de tempo". O episódio de segunda-feira no Algarve poderá significar, todavia, que esse "tempo" pode ser mais curto do que se esperava.
O presidente do Sindicato de Carreira e Investigação e Fiscalização do SEF disse ontem ao PÚBLICO que as circunstâncias que rodearam a viagem dos marroquinos demonstram que "é viável e muito fácil" alcançar-se a costa portuguesa. "Em apenas quatro dias, um pequeno barco chegou do Norte de África ao Algarve, sem qualquer problema", referiu Gonçalo Rodrigues, concluindo: "É mais do que provável que se venham a intensificar estes fluxos".
Esta preocupação leva a que o sindicato exija um sinal de determinação do SEF: "Logo que as autoridades de saúde digam que está tudo bem com os imigrantes eles devem ser expulsos para Marrocos no mais curto espaço de tempo". Resta saber se os imigrantes não estarão indocumentados ou irão requerer asilo político, o que po-
de implicar um processo mais moroso e que aguardem pelo fim dos trâmites em liberdade.
Governo desvaloriza
No Governo, contudo, a ordem é para minimizar publicamente a importância do desembarque. Para o director nacional do SEF, Manuel Jarmela Palos, e para o responsável do Algarve, José Van der Keller, tratou-se de um caso "isolado", "casual" e "excepcional" - que não significa que haja um "risco" de vulnerabilidade da costa portuguesa.
Entre os argumentos usados para minimizar uma eventual transferência das rotas de migração clandestina de outros países do Mediterrâneo para Portugal está a desvantagem económica, comparativamente com Espanha ou com Itália.
Foi isso que disse, há poucos dias, Van der Keller, o mesmo responsável que em 2005, num artigo da revista Política Internacional, alertava para o risco real de uma afluência às praias do Algarve e da Madeira.
Este raciocínio tem sido, porém, desmentido por vários indicadores, como a preferência por Portugal de comunidades específicas, como a do Leste europeu e, sobretudo, a utilização do território nacional para a entrada no espaço terrestre da União Europeia por parte de cidadãos de países terceiros.
A outra justificação para desvalorizar a inclusão de Portugal nas rotas marítimas do tráfico de imigrantes tem sido a sua localização geográfica mais periférica e já perto do Atlântico.
Radares não vêem barcos
O comandante da Marinha João Barbosa, que participou este Verão em operações da Frontex (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas), junto à costa do Senegal, admite que há, de facto, outras viagens mais curtas e mais tranquilas. Só que os destinos tradicionais dos últimos anos - Andaluzia, Canárias, Sicília, Malta - "estão cada vez mais vigiados". E, nesta perspectiva, pode ser mais cómodo e mais eficaz mudar de rota e escolher Portugal. "Somos uma área de potencial risco", garantiu ao PÚBLICO, alertando para a necessidade do país estar atento. "Eles escolhem entrar na União Europeia por onde for mais fácil".
João Barbosa salienta que existem três lanchas da Marinha destacadas para a vigilância da costa algarvia, que têm a função genérica de zelar pela defesa nacional, sendo o controlo de imigração clandestina apenas um dos seus objectivos. Por outro lado, explicou, embarcações com cinco ou seis metros, como a que transportou os cidadãos marroquinos, não se distinguem nos radares de meros barcos de pesca.
O mesmo responsável chama aliás a atenção para uma hipótese que tem sido descartada pelo SEF: como vem sendo prática habitual das redes de tráfico de imigrantes, o barco usado pelos cidadãos marroquinos pode ter sido transportado numa embarcação maior, que depois o largou já junto à costa.
Despedimentos por inadaptação ao posto de trabalho vão ser mais fáceis
João Manuel Rocha, in Jornal Público
Recomendações são menos radicais do que as avançadas em Junho. Patrões falam em retrocesso, sindicatos querem descobrir "minas e armadilhas" do documento
A proposta de simplificação das regras do despedimento individual é uma das principais novidades do Livro Branco das Relações Laborais, o documento com sugestões de alteração ao Código do Trabalho ontem apresentado em Lisboa. Uma das áreas em que o despedimento poderá ser mais fácil é nos casos de inadaptação ao posto de trabalho.
A comissão entende que "o alongamento dos processos" de despedimento individual, "decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para ambas as partes".
O objectivo, disse Pedro Furtado Martins, um dos membros da equipa que elaborou o livro com propostas ao Governo para mudar as leis do trabalho, é "simplificar a carga processual sem pôr em causa a segurança no emprego". O empregador é obrigado a provar a justa causa do despedimento, quando haja contestação pelo trabalhador, e "ninguém pode ser despedido sem se defender do que o acusam", sublinhou.
Caso sejam seguidas as recomendações da Comissão, o despedimento por inadaptação ao posto de trabalho passa a poder depender de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho", mesmo que tal "não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos".
Outra das áreas em que a comissão presidida por Monteiro Fernandes defende que haja alterações na lei é sobre o "despedimento ilícito". "Só o despedimento sem justa causa deve ser inválido e pode conduzir à reintegração do trabalhador", disse Furtado Martins, que expressou o entendimento de que nos casos de despedimentos cuja ilegalidade resulte de "vícios de forma" não deve haver fundamento para impor a reintegração do trabalhador.
O Livro Branco das Relações Laborais, um documento de 139 páginas, avança com propostas em áreas como a organização do tempo de trabalho e a alteração da duração dos contratos a prazo - de um máximo de seis anos para um máximo de três anos -, mas a versão final, que o Governo vai usar na discussão com os parceiros sociais e partidos parlamentares, é bastante menos radical do que as primeiras propostas apresentadas no "relatório de progresso" dos trabalhos da comissão, em Junho deste ano.
Recuo na redução salarial
Fora da versão final do documento ficaram sugestões como a possibilidade de redução salarial em caso de "necessidades prementes" da empresa ou a alusão ao carácter obsoleto das diuturnidades. "A controvérsia sobre a flexi-segurança acabou por inibir o sentido de inovação", admitiu Cavaleiro Brandão, que apresentou as conclusões do Livro sobre organização do tempo de trabalho e férias. "Portugal é o país com maior regularidade e estabilidade de horários, só superado por Chipre", disse sobre estas matérias.
Outra das alterações propostas prevê que os contratos individuais só possam ser diferentes da lei geral e das convenções colectivas quando isso se traduzir em benefício para o trabalhador.
Sindicatos reservados
As confederações sindicais, que só ontem à tarde receberam o Livro Branco, reservam comentários fundamentados para mais tarde, mas as primeiras reacções foram críticas.
"O relatório de progresso era fortemente negativo. Vamos ler também este Livro Branco na perspectiva de [descobrir] minas e armadilhas", disse o secretário-geral da UGT, João Proença. "Nada tem que ver com as propostas que o Partido Socialista apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho há quatro anos", acrescentou o também militante socialista.
Carvalho da Silva, líder da CGTP, apelou aos trabalhadores "para que estejam atentos" e sublinhou que o diálogo a fazer na sociedade portuguesa "não é sobre este documento, é sobre a proposta que o Governo há-de apresentar".
Patronato contesta
As primeiras reacções do campo patronal dão conta de alguma desilusão com o documento ontem apresentado.
"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse à Lusa o vice-presidente da Confederação do Comércio (CCP), José Vieira Lopes. O relatório é "pouco atrevido", referiu José Carlos Pinto Coelho, presidente da Confederação do Turismo, à TVI.
O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, manifestou concordância com a "orientação geral" das propostas da comissão, que encara como um "instrumento de apoio à decisão" de rever o Código do Trabalho, e apelou à participação dos parceiros sociais na discussão.
O Governo já disse que pretende fazer chegar à Assembleia da República as propostas de alteração às leis laborais até ao final do primeiro trimestre do próximo ano.
CCP
"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse o vice-presidente da CCP, José Vieira Lopes. Segundo o responsável da CCP, questões essenciais como revisão das convenções colectivas, período experimental, contratos a termo, mobilidade funcional ou cessação do contrato de trabalho "ou não são contempladas ou não são apresentadas alternativas válidas". "Não abrindo caminho com propostas concretas para um debate profundo, a CCP irá avançar de novo com as propostas já produzidas", concluiu Vieira Lopes.
UGT
O secretário-geral da UGT afirmou que o Livro Branco "nada tem a ver" com as propostas que o PS apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho em 2003. João Proença ressalvou que ainda não tinha tido tempo para ler as propostas. Mas garantiu que a UGT vai ler o Livro Branco no seguimento do que foi o relatório de progresso da comissão, apresentado em Maio, e que foi um documento "fortemente negativo".
CGTP
O secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, salientou que as propostas apresentadas pela comissão do Livro Branco "não são lei". "Estas propostas não são lei, há que esperar pelas propostas legislativas", afirmou após a sessão de apresentação. O líder da CGTP disse ainda aos jornalistas não ter condições para dar uma opinião sustentada sobre o documento, tendo em conta que só hoje [ontem] teve acesso ao Livro Branco. Lusa
As propostas da Comissão
Vai ser mais fácil despedir?
Propõe-se simplificar os procedimentos do despedimento individual por se considerar que o arrastar dos processos, decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para as partes. O empregador é, em todo o caso, obrigado a provar a justa causa e "ninguém pode ser despedido sem se defender".
Quando é que há despedimento por inadaptação?
Admite-se que a inadaptação não esteja necessariamente associada a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e possa decorrer de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho". Mas com o objectivo de evitar abusos deve manter-se a "comprovação objectiva da situação de inadaptação" e mantém-se a obrigação de o empregador oferecer alternativas de ocupação antes de poder dar a relação de trabalho por "insubsistente".
Quem avalia a inadaptação?
É possível a verificação da falta de capacidade profissional por peritos. No caso de trabalhadores com cargos técnicos ou de direcção propõe-se que o despedimento por inadaptação não precise que se verifiquem três condições necessárias para afastar outros trabalhadores: existência de mudanças no processo de produção nos seis meses anteriores; acções de formação adequada às modificações introduzidas; e período de adaptação não inferior a 30 dias nos casos em que haja riscos para a segurança.
O que acontece no despedimento por "culpa" do trabalhador?
Mantém-se a exigência de acusação escrita e de comunicação da intenção de despedir, bem como do direito do trabalhador a consultar o processo e responder à nota de culpa. A instrução deixa, no entanto, de ser obrigatória, excepto no caso de o despedimento respeitar a trabalhadoras protegidas por motivos de maternidade.
O que substitui a instrução?
É consagrado um período de reflexão para a decisão e mantém-se a possibilidade de emissão de parecer pela Comissão de Trabalhadores. Actualmente o trabalhador tem 5 dias para pedir a suspensão do despedimento, após o que se segue a impugnação. Agora, propõe-se que, para aligeirar o processo, a suspensão preventiva do despedimento possa ser feita no prazo de 15 dias, podendo o trabalhador impugnar em simultâneo. Caso não o faça, o prazo para impugnar é de 60 dias.
Despedimento colectivo muda?
São afastados mecanismos de "autorização administrativa", mas considera-se necessário distinguir entre despedimentos decorrentes de encerramento total de grandes empresas e despedimentos para redução de pessoal.
O que é o despedimento ilícito?
O despedimento só é ilícito quando não há justa causa, ou seja, quando não há motivos para o despedimento ou ele é baseado em razões políticas ou ideológicas. Quando o despedimento foi ilegal "por faltas ou deficiências processuais", o trabalhador tem direito a ser reintegrado, mas se se comprovar que, apesar disso, há justa causa, o funcionário já não tem direito a voltar ao trabalho apesar de poder ser indemnizado. Quando haja excessiva demora da acção judicial prevê-se que, tal como em Espanha, os custos, nomeadamente salariais, possam ser suportados pelo Estado.
Há alterações na organização do tempo de trabalho?
Mantém-se a regra de o período normal de trabalho diário poder ser aumentado até um máximo de duas horas, desde que a duração semanal não ultrapasse as 50 horas. Contudo, o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior continua a não contar para este limite. Nas semanas em que a duração de trabalho seja inferior a 40 horas, a redução diária não pode, tal como agora, ser superior a duas horas, mas as partes podem acordar na redução da semana de trabalho em dias ou meios-dias, mantendo o direito ao subsídio de refeição.
Como se define o tempo
de trabalho?
O acordo poder ser obtido com a aceitação de pelo menos um terço dos trabalhadores a quem foi proposto (por exemplo a uma secção). Se for aceite por, pelo menos, três quartos dos visados, considera-se aplicável ao conjunto. Trabalhadores menores, deficientes, grávidas, mães recentes ou lactantes que não tenham aceite o acordo são dispensados da sua aplicação.
O trabalho suplementar
pode não ser pago?
A Comissão ponderou a hipótese de dar preferência a um "regime de descanso" em detrimento de remuneração reforçada estabelecida na lei e na contratação colectiva e admitiu também a possibilidade de criação de "bancos de horas" que o trabalhador receberia em tempo de descanso.
O tempo para os contratos a prazo muda?
A Comissão propõe que o contrato a prazo, que actualmente pode ser de três anos, renovável até um máximo de seis, passaria a não poder prolongar-se por mais de três anos.
Há mudanças nas férias?
Comissão não chegou a consenso.
Recomendações são menos radicais do que as avançadas em Junho. Patrões falam em retrocesso, sindicatos querem descobrir "minas e armadilhas" do documento
A proposta de simplificação das regras do despedimento individual é uma das principais novidades do Livro Branco das Relações Laborais, o documento com sugestões de alteração ao Código do Trabalho ontem apresentado em Lisboa. Uma das áreas em que o despedimento poderá ser mais fácil é nos casos de inadaptação ao posto de trabalho.
A comissão entende que "o alongamento dos processos" de despedimento individual, "decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para ambas as partes".
O objectivo, disse Pedro Furtado Martins, um dos membros da equipa que elaborou o livro com propostas ao Governo para mudar as leis do trabalho, é "simplificar a carga processual sem pôr em causa a segurança no emprego". O empregador é obrigado a provar a justa causa do despedimento, quando haja contestação pelo trabalhador, e "ninguém pode ser despedido sem se defender do que o acusam", sublinhou.
Caso sejam seguidas as recomendações da Comissão, o despedimento por inadaptação ao posto de trabalho passa a poder depender de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho", mesmo que tal "não decorra de modificações tecnológicas ou dos equipamentos".
Outra das áreas em que a comissão presidida por Monteiro Fernandes defende que haja alterações na lei é sobre o "despedimento ilícito". "Só o despedimento sem justa causa deve ser inválido e pode conduzir à reintegração do trabalhador", disse Furtado Martins, que expressou o entendimento de que nos casos de despedimentos cuja ilegalidade resulte de "vícios de forma" não deve haver fundamento para impor a reintegração do trabalhador.
O Livro Branco das Relações Laborais, um documento de 139 páginas, avança com propostas em áreas como a organização do tempo de trabalho e a alteração da duração dos contratos a prazo - de um máximo de seis anos para um máximo de três anos -, mas a versão final, que o Governo vai usar na discussão com os parceiros sociais e partidos parlamentares, é bastante menos radical do que as primeiras propostas apresentadas no "relatório de progresso" dos trabalhos da comissão, em Junho deste ano.
Recuo na redução salarial
Fora da versão final do documento ficaram sugestões como a possibilidade de redução salarial em caso de "necessidades prementes" da empresa ou a alusão ao carácter obsoleto das diuturnidades. "A controvérsia sobre a flexi-segurança acabou por inibir o sentido de inovação", admitiu Cavaleiro Brandão, que apresentou as conclusões do Livro sobre organização do tempo de trabalho e férias. "Portugal é o país com maior regularidade e estabilidade de horários, só superado por Chipre", disse sobre estas matérias.
Outra das alterações propostas prevê que os contratos individuais só possam ser diferentes da lei geral e das convenções colectivas quando isso se traduzir em benefício para o trabalhador.
Sindicatos reservados
As confederações sindicais, que só ontem à tarde receberam o Livro Branco, reservam comentários fundamentados para mais tarde, mas as primeiras reacções foram críticas.
"O relatório de progresso era fortemente negativo. Vamos ler também este Livro Branco na perspectiva de [descobrir] minas e armadilhas", disse o secretário-geral da UGT, João Proença. "Nada tem que ver com as propostas que o Partido Socialista apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho há quatro anos", acrescentou o também militante socialista.
Carvalho da Silva, líder da CGTP, apelou aos trabalhadores "para que estejam atentos" e sublinhou que o diálogo a fazer na sociedade portuguesa "não é sobre este documento, é sobre a proposta que o Governo há-de apresentar".
Patronato contesta
As primeiras reacções do campo patronal dão conta de alguma desilusão com o documento ontem apresentado.
"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse à Lusa o vice-presidente da Confederação do Comércio (CCP), José Vieira Lopes. O relatório é "pouco atrevido", referiu José Carlos Pinto Coelho, presidente da Confederação do Turismo, à TVI.
O ministro do Trabalho, Vieira da Silva, manifestou concordância com a "orientação geral" das propostas da comissão, que encara como um "instrumento de apoio à decisão" de rever o Código do Trabalho, e apelou à participação dos parceiros sociais na discussão.
O Governo já disse que pretende fazer chegar à Assembleia da República as propostas de alteração às leis laborais até ao final do primeiro trimestre do próximo ano.
CCP
"Houve um retrocesso em relação ao relatório intercalar de progresso, que era mais abrangente e ambicioso, pelo menos nas expectativas que deixou criar", disse o vice-presidente da CCP, José Vieira Lopes. Segundo o responsável da CCP, questões essenciais como revisão das convenções colectivas, período experimental, contratos a termo, mobilidade funcional ou cessação do contrato de trabalho "ou não são contempladas ou não são apresentadas alternativas válidas". "Não abrindo caminho com propostas concretas para um debate profundo, a CCP irá avançar de novo com as propostas já produzidas", concluiu Vieira Lopes.
UGT
O secretário-geral da UGT afirmou que o Livro Branco "nada tem a ver" com as propostas que o PS apresentou na Assembleia da República aquando da discussão do Código do Trabalho em 2003. João Proença ressalvou que ainda não tinha tido tempo para ler as propostas. Mas garantiu que a UGT vai ler o Livro Branco no seguimento do que foi o relatório de progresso da comissão, apresentado em Maio, e que foi um documento "fortemente negativo".
CGTP
O secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, salientou que as propostas apresentadas pela comissão do Livro Branco "não são lei". "Estas propostas não são lei, há que esperar pelas propostas legislativas", afirmou após a sessão de apresentação. O líder da CGTP disse ainda aos jornalistas não ter condições para dar uma opinião sustentada sobre o documento, tendo em conta que só hoje [ontem] teve acesso ao Livro Branco. Lusa
As propostas da Comissão
Vai ser mais fácil despedir?
Propõe-se simplificar os procedimentos do despedimento individual por se considerar que o arrastar dos processos, decorrente das suas complexidades e burocratização, é prejudicial para as partes. O empregador é, em todo o caso, obrigado a provar a justa causa e "ninguém pode ser despedido sem se defender".
Quando é que há despedimento por inadaptação?
Admite-se que a inadaptação não esteja necessariamente associada a modificações tecnológicas ou dos equipamentos e possa decorrer de "alterações na estrutura funcional do posto de trabalho". Mas com o objectivo de evitar abusos deve manter-se a "comprovação objectiva da situação de inadaptação" e mantém-se a obrigação de o empregador oferecer alternativas de ocupação antes de poder dar a relação de trabalho por "insubsistente".
Quem avalia a inadaptação?
É possível a verificação da falta de capacidade profissional por peritos. No caso de trabalhadores com cargos técnicos ou de direcção propõe-se que o despedimento por inadaptação não precise que se verifiquem três condições necessárias para afastar outros trabalhadores: existência de mudanças no processo de produção nos seis meses anteriores; acções de formação adequada às modificações introduzidas; e período de adaptação não inferior a 30 dias nos casos em que haja riscos para a segurança.
O que acontece no despedimento por "culpa" do trabalhador?
Mantém-se a exigência de acusação escrita e de comunicação da intenção de despedir, bem como do direito do trabalhador a consultar o processo e responder à nota de culpa. A instrução deixa, no entanto, de ser obrigatória, excepto no caso de o despedimento respeitar a trabalhadoras protegidas por motivos de maternidade.
O que substitui a instrução?
É consagrado um período de reflexão para a decisão e mantém-se a possibilidade de emissão de parecer pela Comissão de Trabalhadores. Actualmente o trabalhador tem 5 dias para pedir a suspensão do despedimento, após o que se segue a impugnação. Agora, propõe-se que, para aligeirar o processo, a suspensão preventiva do despedimento possa ser feita no prazo de 15 dias, podendo o trabalhador impugnar em simultâneo. Caso não o faça, o prazo para impugnar é de 60 dias.
Despedimento colectivo muda?
São afastados mecanismos de "autorização administrativa", mas considera-se necessário distinguir entre despedimentos decorrentes de encerramento total de grandes empresas e despedimentos para redução de pessoal.
O que é o despedimento ilícito?
O despedimento só é ilícito quando não há justa causa, ou seja, quando não há motivos para o despedimento ou ele é baseado em razões políticas ou ideológicas. Quando o despedimento foi ilegal "por faltas ou deficiências processuais", o trabalhador tem direito a ser reintegrado, mas se se comprovar que, apesar disso, há justa causa, o funcionário já não tem direito a voltar ao trabalho apesar de poder ser indemnizado. Quando haja excessiva demora da acção judicial prevê-se que, tal como em Espanha, os custos, nomeadamente salariais, possam ser suportados pelo Estado.
Há alterações na organização do tempo de trabalho?
Mantém-se a regra de o período normal de trabalho diário poder ser aumentado até um máximo de duas horas, desde que a duração semanal não ultrapasse as 50 horas. Contudo, o trabalho suplementar prestado por motivo de força maior continua a não contar para este limite. Nas semanas em que a duração de trabalho seja inferior a 40 horas, a redução diária não pode, tal como agora, ser superior a duas horas, mas as partes podem acordar na redução da semana de trabalho em dias ou meios-dias, mantendo o direito ao subsídio de refeição.
Como se define o tempo
de trabalho?
O acordo poder ser obtido com a aceitação de pelo menos um terço dos trabalhadores a quem foi proposto (por exemplo a uma secção). Se for aceite por, pelo menos, três quartos dos visados, considera-se aplicável ao conjunto. Trabalhadores menores, deficientes, grávidas, mães recentes ou lactantes que não tenham aceite o acordo são dispensados da sua aplicação.
O trabalho suplementar
pode não ser pago?
A Comissão ponderou a hipótese de dar preferência a um "regime de descanso" em detrimento de remuneração reforçada estabelecida na lei e na contratação colectiva e admitiu também a possibilidade de criação de "bancos de horas" que o trabalhador receberia em tempo de descanso.
O tempo para os contratos a prazo muda?
A Comissão propõe que o contrato a prazo, que actualmente pode ser de três anos, renovável até um máximo de seis, passaria a não poder prolongar-se por mais de três anos.
Há mudanças nas férias?
Comissão não chegou a consenso.
Abriram as candidaturas ao Programa Operacional do Norte 2007/2013
Aníbal Rodrigues, in Jornal Público
É possível, desde ontem, apresentar candidaturas ao "bolo" de 169 milhões de euros contemplados no Programa Operacional da Região Norte 2007/2013. Tendo em consideração os sistemas de incentivos ao investimento de micro e pequenas empresas, o volume global de financiamento disponibilizado por este programa ascende, então, a cerca de 226,5 milhões de euros.
Os projectos de candidatura, divididos em oito áreas, poderão ser apresentados até Março ou Abril de 2008, conforme o dia fixado para cada uma dessas áreas. Entre elas, a maior "fatia do bolo" vai para a regeneração urbana (60 milhões de euros), a requalificação da rede escolar (35 milhões de euros) e a criação de unidades e serviços de saúde (32,5 milhões de euros). Os restantes cinco concursos pretendem a viabilização de projectos nos domínios da valorização e qualificação ambiental, valorização do litoral, gestão activa de espaços protegidos e classificados, património cultural e modernização administrativa do Estado a nível regional e local.
A comissão directiva do Programa Operacional da Região Norte 2007/2013 decidiu ainda realizar, até meados do próximo ano, novos concursos para a apresentação de candidaturas nas áreas da regeneração urbana e das redes urbanas para a competitividade e a inovação, com um financiamento comunitário de mais 153 milhões de euros, dos quais 33 milhões serão destinados aos pequenos centros urbanos maioritariamente localizados em espaços de baixa densidade.
Para o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Carlos Lage, "estes concursos representam um impulso para o desenvolvimento regional do Norte, num momento crucial de retoma económica ainda tímida".
169
milhões de euros é o montante das verbas disponibilizadas no Programa Operacional da Região Norte 2007/2013
É possível, desde ontem, apresentar candidaturas ao "bolo" de 169 milhões de euros contemplados no Programa Operacional da Região Norte 2007/2013. Tendo em consideração os sistemas de incentivos ao investimento de micro e pequenas empresas, o volume global de financiamento disponibilizado por este programa ascende, então, a cerca de 226,5 milhões de euros.
Os projectos de candidatura, divididos em oito áreas, poderão ser apresentados até Março ou Abril de 2008, conforme o dia fixado para cada uma dessas áreas. Entre elas, a maior "fatia do bolo" vai para a regeneração urbana (60 milhões de euros), a requalificação da rede escolar (35 milhões de euros) e a criação de unidades e serviços de saúde (32,5 milhões de euros). Os restantes cinco concursos pretendem a viabilização de projectos nos domínios da valorização e qualificação ambiental, valorização do litoral, gestão activa de espaços protegidos e classificados, património cultural e modernização administrativa do Estado a nível regional e local.
A comissão directiva do Programa Operacional da Região Norte 2007/2013 decidiu ainda realizar, até meados do próximo ano, novos concursos para a apresentação de candidaturas nas áreas da regeneração urbana e das redes urbanas para a competitividade e a inovação, com um financiamento comunitário de mais 153 milhões de euros, dos quais 33 milhões serão destinados aos pequenos centros urbanos maioritariamente localizados em espaços de baixa densidade.
Para o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Carlos Lage, "estes concursos representam um impulso para o desenvolvimento regional do Norte, num momento crucial de retoma económica ainda tímida".
169
milhões de euros é o montante das verbas disponibilizadas no Programa Operacional da Região Norte 2007/2013
Número de inscritos nos centros de emprego baixa
João Manuel Rocha, in Jornal Público
O número de desempregados inscritos nos centros de emprego manteve em Novembro a trajectória descendente pelo vigésimo primeiro mês consecutivo, apesar do crescimento do desemprego registado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Os dados ontem divulgados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) indicam que o número de desempregados inscritos nos centros era de 397.192 no final de Novembro, menos de 13,2 por cento do que no mesmo mês de 2006. Face a Outubro deste ano, regista-se também uma quebra de 0,4 por cento.
A diminuição face ao mês homólogo do ano anterior acontece quer entre os homens (menos 17 por cento) quer entre as mulheres (menos 10,5) e tanto no caso dos jovens (menos 11,5 por cento) como dos adultos (menos 13,5).
Os indicadores sobre desemprego são também mais baixos do que há um ano em todos os níveis de habilitação escolar, sendo os decréscimos mais significativos no segundo ciclo e primeiro ciclo do ensino básico (menos 20,3 e 17,0 respectivamente).
A análise regional mostra um decréscimo anual do desemprego em todas as regiões do continente, mas uma subida nas regiões autónomas. Comparando Novembro com o mês anterior, verifica-se a mesma tendência de descida no continente e subida nas ilhas, mas há uma excepção: o Algarve, onde se registou um aumento de 24 por cento entre os dois meses.
Os dados sobre o continente confirmam o elevado peso dos "trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio" (51879), dos "empregados de escritório" (45702), do "pessoal dos serviços de protecção e segurança" (45352) e dos trabalhadores não qualificados das minas, construção civil e indústrias transformadoras" (32462). Estes grupos profissionais representavam em Novembro 45,5 por cento do total de desempregados inscritos no IEFP.
As mais recentes estimativas do Eurostat, que tomam por base os dados do INE e do IEFP, indicam uma taxa de desemprego de 8,2 por cento para Outubro, mais 0,3 por cento do que um ano antes.
O número de desempregados inscritos nos centros de emprego manteve em Novembro a trajectória descendente pelo vigésimo primeiro mês consecutivo, apesar do crescimento do desemprego registado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
Os dados ontem divulgados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) indicam que o número de desempregados inscritos nos centros era de 397.192 no final de Novembro, menos de 13,2 por cento do que no mesmo mês de 2006. Face a Outubro deste ano, regista-se também uma quebra de 0,4 por cento.
A diminuição face ao mês homólogo do ano anterior acontece quer entre os homens (menos 17 por cento) quer entre as mulheres (menos 10,5) e tanto no caso dos jovens (menos 11,5 por cento) como dos adultos (menos 13,5).
Os indicadores sobre desemprego são também mais baixos do que há um ano em todos os níveis de habilitação escolar, sendo os decréscimos mais significativos no segundo ciclo e primeiro ciclo do ensino básico (menos 20,3 e 17,0 respectivamente).
A análise regional mostra um decréscimo anual do desemprego em todas as regiões do continente, mas uma subida nas regiões autónomas. Comparando Novembro com o mês anterior, verifica-se a mesma tendência de descida no continente e subida nas ilhas, mas há uma excepção: o Algarve, onde se registou um aumento de 24 por cento entre os dois meses.
Os dados sobre o continente confirmam o elevado peso dos "trabalhadores não qualificados dos serviços e comércio" (51879), dos "empregados de escritório" (45702), do "pessoal dos serviços de protecção e segurança" (45352) e dos trabalhadores não qualificados das minas, construção civil e indústrias transformadoras" (32462). Estes grupos profissionais representavam em Novembro 45,5 por cento do total de desempregados inscritos no IEFP.
As mais recentes estimativas do Eurostat, que tomam por base os dados do INE e do IEFP, indicam uma taxa de desemprego de 8,2 por cento para Outubro, mais 0,3 por cento do que um ano antes.
Repressão da imigração ajuda redes criminosas, diz Guterres
Adelino Gomes, in Jornal Público
Auditório 2 da Gulbenkian esgotou para ouvir o alto-comissário da ONU para os refugiados falar sobre "o século dos povos em movimento"
O conceito de refugiado deve ser objecto de uma nova definição, que vá além da guerra e dos conflitos, defende Guterres
a Um olhar sobre os mais recentes acontecimentos relacionados com os dramas das migrações - "seja no Golfo Pérsico, no Mediterrâneo, nas Caraíbas, em frente das Canárias, ou há dias no Algarve" - mostra que se está a permitir o desenvolvimento progressivo de "um conjunto de multinacionais do crime à escala global". Estas dispõem de uma "enorme capacidade corruptora nas administrações e usam tecnologias muito sofisticadas", avisou o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), António Guterres, no encerramento do Fórum Gulbenkian de Saúde, quinta-feira, em Lisboa.
Como aconteceu com a instauração da Lei Seca, nos anos 20 do século passado, nos Estados Unidos, a repressão das migrações "irregulares" (palavra que Guterres prefere a "ilegais") favorece a constituição de "grandes redes criminosas, com enorme poder, e que não têm sido combatidas".
António Guterres confessou que, "sem pretender ser cínico", dá por si a pensar, muitas vezes, que as populações só não reagem "porque pensam que os seus filhos podem um dia ser vítimas da droga e não pensam, seguramente, que os seus filhos podem um dia ser vítimas de tráfico de pessoas humanas". Se houvesse no combate ao tráfico humano a mesma determinação que no combate à droga, "ter-se-ia progredido, apesar de tudo, um pouco mais", acrescentou.
O antigo primeiro-ministro português falou durante cerca de três quartos de hora, apenas com algumas notas à frente, perante um auditório que esgotou o Anfiteatro 2 da Fundação Calouste Gulbenkian.
Debate mal informado
O problema das pressões migratórias tem sido objecto de um debate internacional "ao mesmo tempo populista e mal informado", e que tende a "travar politicamente esses movimentos populacionais", notou António Guterres.
Muitos ignoram a existência do mercado global de trabalho ("pode-se tentar regular ou mesmo condicionar os mercados, mas tentar inverter a sua marcha normalmente dá maus resultados"); que os movimentos populacionais ocorrem tanto nas sociedades desenvolvidas como ao nível do mundo em desenvolvimento; e, por fim, não prestam atenção ao sentido negativo da demografia na Europa. Se perguntarmos a um europeu médio se quer ter mais filhos, se quer trabalhar no restaurante ao lado, e se quer imigrantes no país, a resposta será "não" a todas elas, "o que fornece uma solução impossível para o futuro da Europa", sustentou.
Um dos grandes desafios que se põem hoje à União Europeia (UE) é o de ser capaz de encontrar mecanismos que permitam, no exercício soberano, pelos Estados, das suas políticas de segurança e de imigração, detectar os que precisam de protecção internacional, disse o responsável do ACNUR. Isto implica colocar no centro do debate internacional a criação de "um novo consenso mobilizador em torno do conceito de responsabilidade de proteger", que permita à comunidade internacional "exercer essa responsabilidade quando os Estados não queiram ou não possam fazê-lo".
Os novos refugiados
O alto-comissário considerou "indispensável" a coordenação de políticas sobre o fenómeno migratório "entre os países de destino, de trânsito e de origem" e defendeu que se estabeleça com clareza uma nova definição do que é ser refugiado. Há cada vez mais pessoas que não correspondem à definição tradicional de refugiado enquanto vítima de guerra, conflito, perseguição.
A par da guerra e dos conflitos, outros factores se conjugam para obrigar as pessoas a abandonarem a sua casa ou o seu país, como "a pobreza extrema e a degradação ambiental por alterações climáticas". A comunidade internacional, porém, "tem pouca capacidade para gerir e dar respostas que garantam efectivamente a protecção dos direitos das pessoas".
Uma vez que não parece possível "controlar ou conter" o fenómeno das migrações, "de que a maior parte dos países de destino, aliás, necessitam para a sua sobrevivência", torna-se necessário encontrar a síntese entre o que é a necessidade de respeitar a identidade dos que chegam e um consenso sobre a vida em comum nessas sociedades. Não haverá solução para este problema global, porém, se ele for discutido numa lógica de irracionalidade. "Quer queiramos quer não, o século XXI será o século do povo em movimento. Quer queiramos quer não, as nossas sociedades serão cada vez mais multiétnicas, multi-religiosas e multiculturais. E é fundamental que as pessoas sejam capazes de viverem em comum, de se respeitarem e apreciarem na sua diversidade", concluiu.
O envelhecimento será o tema do próximo Fórum Gulbenkian sobre Saúde, anunciou o presidente da Fundação Gulbenkian, Rui Vilar. O comissário da iniciativa, que se realiza anualmente desde 1998, será João Lobo Antunes, que lhe pôs "o poético nome" de O Tempo da Vida.
Auditório 2 da Gulbenkian esgotou para ouvir o alto-comissário da ONU para os refugiados falar sobre "o século dos povos em movimento"
O conceito de refugiado deve ser objecto de uma nova definição, que vá além da guerra e dos conflitos, defende Guterres
a Um olhar sobre os mais recentes acontecimentos relacionados com os dramas das migrações - "seja no Golfo Pérsico, no Mediterrâneo, nas Caraíbas, em frente das Canárias, ou há dias no Algarve" - mostra que se está a permitir o desenvolvimento progressivo de "um conjunto de multinacionais do crime à escala global". Estas dispõem de uma "enorme capacidade corruptora nas administrações e usam tecnologias muito sofisticadas", avisou o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), António Guterres, no encerramento do Fórum Gulbenkian de Saúde, quinta-feira, em Lisboa.
Como aconteceu com a instauração da Lei Seca, nos anos 20 do século passado, nos Estados Unidos, a repressão das migrações "irregulares" (palavra que Guterres prefere a "ilegais") favorece a constituição de "grandes redes criminosas, com enorme poder, e que não têm sido combatidas".
António Guterres confessou que, "sem pretender ser cínico", dá por si a pensar, muitas vezes, que as populações só não reagem "porque pensam que os seus filhos podem um dia ser vítimas da droga e não pensam, seguramente, que os seus filhos podem um dia ser vítimas de tráfico de pessoas humanas". Se houvesse no combate ao tráfico humano a mesma determinação que no combate à droga, "ter-se-ia progredido, apesar de tudo, um pouco mais", acrescentou.
O antigo primeiro-ministro português falou durante cerca de três quartos de hora, apenas com algumas notas à frente, perante um auditório que esgotou o Anfiteatro 2 da Fundação Calouste Gulbenkian.
Debate mal informado
O problema das pressões migratórias tem sido objecto de um debate internacional "ao mesmo tempo populista e mal informado", e que tende a "travar politicamente esses movimentos populacionais", notou António Guterres.
Muitos ignoram a existência do mercado global de trabalho ("pode-se tentar regular ou mesmo condicionar os mercados, mas tentar inverter a sua marcha normalmente dá maus resultados"); que os movimentos populacionais ocorrem tanto nas sociedades desenvolvidas como ao nível do mundo em desenvolvimento; e, por fim, não prestam atenção ao sentido negativo da demografia na Europa. Se perguntarmos a um europeu médio se quer ter mais filhos, se quer trabalhar no restaurante ao lado, e se quer imigrantes no país, a resposta será "não" a todas elas, "o que fornece uma solução impossível para o futuro da Europa", sustentou.
Um dos grandes desafios que se põem hoje à União Europeia (UE) é o de ser capaz de encontrar mecanismos que permitam, no exercício soberano, pelos Estados, das suas políticas de segurança e de imigração, detectar os que precisam de protecção internacional, disse o responsável do ACNUR. Isto implica colocar no centro do debate internacional a criação de "um novo consenso mobilizador em torno do conceito de responsabilidade de proteger", que permita à comunidade internacional "exercer essa responsabilidade quando os Estados não queiram ou não possam fazê-lo".
Os novos refugiados
O alto-comissário considerou "indispensável" a coordenação de políticas sobre o fenómeno migratório "entre os países de destino, de trânsito e de origem" e defendeu que se estabeleça com clareza uma nova definição do que é ser refugiado. Há cada vez mais pessoas que não correspondem à definição tradicional de refugiado enquanto vítima de guerra, conflito, perseguição.
A par da guerra e dos conflitos, outros factores se conjugam para obrigar as pessoas a abandonarem a sua casa ou o seu país, como "a pobreza extrema e a degradação ambiental por alterações climáticas". A comunidade internacional, porém, "tem pouca capacidade para gerir e dar respostas que garantam efectivamente a protecção dos direitos das pessoas".
Uma vez que não parece possível "controlar ou conter" o fenómeno das migrações, "de que a maior parte dos países de destino, aliás, necessitam para a sua sobrevivência", torna-se necessário encontrar a síntese entre o que é a necessidade de respeitar a identidade dos que chegam e um consenso sobre a vida em comum nessas sociedades. Não haverá solução para este problema global, porém, se ele for discutido numa lógica de irracionalidade. "Quer queiramos quer não, o século XXI será o século do povo em movimento. Quer queiramos quer não, as nossas sociedades serão cada vez mais multiétnicas, multi-religiosas e multiculturais. E é fundamental que as pessoas sejam capazes de viverem em comum, de se respeitarem e apreciarem na sua diversidade", concluiu.
O envelhecimento será o tema do próximo Fórum Gulbenkian sobre Saúde, anunciou o presidente da Fundação Gulbenkian, Rui Vilar. O comissário da iniciativa, que se realiza anualmente desde 1998, será João Lobo Antunes, que lhe pôs "o poético nome" de O Tempo da Vida.
"Algo com que sonhavam os nossos pais e avós"
Maria João Guimarães, fronteira da Alemanha com a Polónia, in Jornal Público
O alargamento derruba barreiras entre capitais mais distantes como Lisboa e Talin (4 mil quilómetros) ou próximas, Viena e Bratislava (40 quilómetros)
Um dia histórico, um grande dia, um dia, enfim, até mesmo feliz. As cerimónias do alargamento do espaço Schengen a mais nove países mereceram palavras de apreço e sorrisos dos líderes europeus mesmo com os dez graus negativos que estavam ao ar livre, nos postos fronteiriços onde decorreram as comemorações de ontem.
Primeiro na fronteira entre a Alemanha e a Polónia, um pouco depois na fronteira entre a Polónia e a República Checa, e já bastante mais tarde em Talin, Estónia, o presidente em exercício do Conselho da UE, José Sócrates, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pottering, andaram ontem numa maratona de cerimónias que continua durante o dia de hoje na Eslováquia e Eslovénia.
O dia gelado, mas límpido, começou em Zittau, Alemanha. A chanceler alemã, Angela Merkel, falou de uma "grande alegria" com esta "normalidade europeia", especialmente para os mais velhos - "algo com que sonhavam os nossos pais e avós". Merkel nasceu na então Alemanha de Leste, e este alargamento de Schengen engloba sobretudo antigos países comunistas (todos excepto Malta).
José Sócrates também puxou do baú de memórias a "primeira vez que os portugueses se sentiram europeus", quando se abriu a fronteira com Espanha. O primeiro-ministro português não deixou ainda de referir um "duplo orgulho" por a cerimónia de ontem, e o alargamento de Shengen ainda este ano, só ter sido possível por iniciativa de um ministro português, António Costa, e graças a um sistema concebido por uma empresa portuguesa. Terminando o discurso que fez em inglês, Sócrates mudou para o português para deixar um sonoro: "Viva a Europa!"
Na fronteira entre a Polónia e a República Checa, dois gigantes semáforos apenas com luzes verdes erguiam-se à entrada do posto de controlo. No seu discurso, Durão Barroso escolheu sublinhar a importância da livre circulação para os cidadãos da Europa. "Não é só uma construção para políticos e diplomatas", declarou. "É importante sobretudo para os cidadãos."
O espaço Schengen engloba agora das capitais mais distantes às mais próximas da Europa - dos 4000 quilómetros entre Lisboa e Talin aos 40 quilómetros entre Viena e Bratislava.
Os que ficam de fora
No caso de comunidades vizinhas como as antigas localidades divididas ao longo da fronteira da Alemanha e da Polónia, a alteração das regras de circulação vem, no fundo, confirmar a livre circulação de que as populações já gozavam, embora com a obrigação de mostrar passaporte. A diferença poderá afectar mais quem vem de fora para a UE - e são os que ficam do "outro lado" da nova fronteira europeia que já temem dificuldades.
Começou a notar-se, por exemplo, com os cidadãos da Bielorrússia, que correram para comprar os últimos vistos a seis euros para a Lituânia e agora terão de pagar 60 euros por um visto para todo o espaço Schengen. Também descontentes estão os estónios de origem russa - com a "deslocação" da fronteira, pessoas com familiares na Rússia têm receio de vir a ter dificultada uma circulação que até agora era simples. Outro caso é a minoria húngara da Roménia, que até à abertura do país, ainda sem data prevista, ficará mais isolada.
"A zona UE e Schengen são como uma fortaleza, e a UE é um pouco esquisita em relação a quem terá os "exclusivos" vistos Schengen", afirmou, citado pela BBC on-line, Miodrag Shresta, de um grupo que lida com questões de vistos e refugiados na Sérvia, Group 484.
Ainda assim, uma das principais questões levantadas, especialmente na Alemanha e na Áustria, tem a ver com a segurança - na Alemanha houve mesmo protestos de polícias. Sócrates garantiu que a primeira prioridade é a segurança. "Temos a maior confiança nos novos Estados-membros".
O alargamento derruba barreiras entre capitais mais distantes como Lisboa e Talin (4 mil quilómetros) ou próximas, Viena e Bratislava (40 quilómetros)
Um dia histórico, um grande dia, um dia, enfim, até mesmo feliz. As cerimónias do alargamento do espaço Schengen a mais nove países mereceram palavras de apreço e sorrisos dos líderes europeus mesmo com os dez graus negativos que estavam ao ar livre, nos postos fronteiriços onde decorreram as comemorações de ontem.
Primeiro na fronteira entre a Alemanha e a Polónia, um pouco depois na fronteira entre a Polónia e a República Checa, e já bastante mais tarde em Talin, Estónia, o presidente em exercício do Conselho da UE, José Sócrates, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pottering, andaram ontem numa maratona de cerimónias que continua durante o dia de hoje na Eslováquia e Eslovénia.
O dia gelado, mas límpido, começou em Zittau, Alemanha. A chanceler alemã, Angela Merkel, falou de uma "grande alegria" com esta "normalidade europeia", especialmente para os mais velhos - "algo com que sonhavam os nossos pais e avós". Merkel nasceu na então Alemanha de Leste, e este alargamento de Schengen engloba sobretudo antigos países comunistas (todos excepto Malta).
José Sócrates também puxou do baú de memórias a "primeira vez que os portugueses se sentiram europeus", quando se abriu a fronteira com Espanha. O primeiro-ministro português não deixou ainda de referir um "duplo orgulho" por a cerimónia de ontem, e o alargamento de Shengen ainda este ano, só ter sido possível por iniciativa de um ministro português, António Costa, e graças a um sistema concebido por uma empresa portuguesa. Terminando o discurso que fez em inglês, Sócrates mudou para o português para deixar um sonoro: "Viva a Europa!"
Na fronteira entre a Polónia e a República Checa, dois gigantes semáforos apenas com luzes verdes erguiam-se à entrada do posto de controlo. No seu discurso, Durão Barroso escolheu sublinhar a importância da livre circulação para os cidadãos da Europa. "Não é só uma construção para políticos e diplomatas", declarou. "É importante sobretudo para os cidadãos."
O espaço Schengen engloba agora das capitais mais distantes às mais próximas da Europa - dos 4000 quilómetros entre Lisboa e Talin aos 40 quilómetros entre Viena e Bratislava.
Os que ficam de fora
No caso de comunidades vizinhas como as antigas localidades divididas ao longo da fronteira da Alemanha e da Polónia, a alteração das regras de circulação vem, no fundo, confirmar a livre circulação de que as populações já gozavam, embora com a obrigação de mostrar passaporte. A diferença poderá afectar mais quem vem de fora para a UE - e são os que ficam do "outro lado" da nova fronteira europeia que já temem dificuldades.
Começou a notar-se, por exemplo, com os cidadãos da Bielorrússia, que correram para comprar os últimos vistos a seis euros para a Lituânia e agora terão de pagar 60 euros por um visto para todo o espaço Schengen. Também descontentes estão os estónios de origem russa - com a "deslocação" da fronteira, pessoas com familiares na Rússia têm receio de vir a ter dificultada uma circulação que até agora era simples. Outro caso é a minoria húngara da Roménia, que até à abertura do país, ainda sem data prevista, ficará mais isolada.
"A zona UE e Schengen são como uma fortaleza, e a UE é um pouco esquisita em relação a quem terá os "exclusivos" vistos Schengen", afirmou, citado pela BBC on-line, Miodrag Shresta, de um grupo que lida com questões de vistos e refugiados na Sérvia, Group 484.
Ainda assim, uma das principais questões levantadas, especialmente na Alemanha e na Áustria, tem a ver com a segurança - na Alemanha houve mesmo protestos de polícias. Sócrates garantiu que a primeira prioridade é a segurança. "Temos a maior confiança nos novos Estados-membros".
Autarquia e empresa oferecem uma bilha de gás como prenda de Natal às famílias mais pobres de Beja
Carlos Dias, in Jornal Público
Revendor da Galp Gás e serviços sociais do município fizeram a entrega de três dezenas de bilhas
A entrega das bilhas de gás a famílias carenciadas vai prosseguir até ao final do ano, a idosos que recebem apoio do Centro Social do Lidador de Beja e a famílias que vivem no bairro social da cidade. A Inogás estendeu o seu gesto aos concelhos de Castro Verde e Ourique e no total vai fazer a entrega de quase uma centena de bilhas de gás e de outros tantos seguros. Vítor Madeira, da firma distribuidora, salienta que a iniciativa "não é mais uma forma de publicidade à custa dos mais pobres", mas antes "um agradecimento aos que contratam os serviços da empresa através dos mais pobres".
a As famílias mais carenciadas de entre os pobres que vivem no problemático Bairro da Esperança, na periferia de Beja, foram surpreendidas na manhã de sexta-feira com a oferta de uma bilha de gás e de um seguro gratuito até 30 mil euros para cobrir acidentes resultantes da sua utilização.
Uma carrinha de caixa aberta da empresa Inogás entrou na Rua de Fonte Mouro e, no número 7, entregou a Paula da Conceição, mãe de seis filhos com idades entre os três e os 16 anos, uma bilha de gás. A mulher, de 45 anos de idade, que suporta sozinha a responsabilidade de tantos filhos, chorou num misto de comoção e alegria. "Estava à espera do rendimento mínimo [RIS-rendimento de inserção social], mas não veio para comprar qualquer coisita para os miúdos no Natal."
A oferta permite-lhe fazer a comida para os filhos, que se amontoam numa casa com apenas duas reduzidas divisões, com uma sala/cozinha e um quarto (a casa de banho é no descampado em frente). As cores predominantes variam entre o negro e o cinzento.
Vítor Madeira, da Inogás, esperava encontrar probreza, mas não contava assistir às condições em que muitos são obrigados a viver. A iniciativa, explicou, foi uma forma de pensar nas pessoas humildes que, na verdade, são a maioria dos seus clientes. Ajudar famílias carenciadas "é um acto de solidariedade" que deseja ver da parte de outros empresários.
Noutra rua do bairro, Paula Gonçalves, de 27 anos, foi seleccionada para receber uma prenda fora do comum pelas assistentes do Centro Social e Cultural do Bairro da Esperança. A sua casa parecia um infantário. "Tenho a cargo dois filhos meus, mais dois de um irmão e dois de outro que estão presos." Como consegue viver? "Olhe, a Caritas dá-me os alimentos para uma refeição e a reforma de 120 euros da minha mãe mais os abonos de família dos miúdos [entre os cinco e os 12 anos] dá para pagar a água, a luz e os alimentos que faltam", responde a mulher, que também espera o RIS, ao qual se candidatou em Setembro. "Mas até ao momento não recebi nada", acrescenta, como que conformada com a sua sorte.
Revendor da Galp Gás e serviços sociais do município fizeram a entrega de três dezenas de bilhas
A entrega das bilhas de gás a famílias carenciadas vai prosseguir até ao final do ano, a idosos que recebem apoio do Centro Social do Lidador de Beja e a famílias que vivem no bairro social da cidade. A Inogás estendeu o seu gesto aos concelhos de Castro Verde e Ourique e no total vai fazer a entrega de quase uma centena de bilhas de gás e de outros tantos seguros. Vítor Madeira, da firma distribuidora, salienta que a iniciativa "não é mais uma forma de publicidade à custa dos mais pobres", mas antes "um agradecimento aos que contratam os serviços da empresa através dos mais pobres".
a As famílias mais carenciadas de entre os pobres que vivem no problemático Bairro da Esperança, na periferia de Beja, foram surpreendidas na manhã de sexta-feira com a oferta de uma bilha de gás e de um seguro gratuito até 30 mil euros para cobrir acidentes resultantes da sua utilização.
Uma carrinha de caixa aberta da empresa Inogás entrou na Rua de Fonte Mouro e, no número 7, entregou a Paula da Conceição, mãe de seis filhos com idades entre os três e os 16 anos, uma bilha de gás. A mulher, de 45 anos de idade, que suporta sozinha a responsabilidade de tantos filhos, chorou num misto de comoção e alegria. "Estava à espera do rendimento mínimo [RIS-rendimento de inserção social], mas não veio para comprar qualquer coisita para os miúdos no Natal."
A oferta permite-lhe fazer a comida para os filhos, que se amontoam numa casa com apenas duas reduzidas divisões, com uma sala/cozinha e um quarto (a casa de banho é no descampado em frente). As cores predominantes variam entre o negro e o cinzento.
Vítor Madeira, da Inogás, esperava encontrar probreza, mas não contava assistir às condições em que muitos são obrigados a viver. A iniciativa, explicou, foi uma forma de pensar nas pessoas humildes que, na verdade, são a maioria dos seus clientes. Ajudar famílias carenciadas "é um acto de solidariedade" que deseja ver da parte de outros empresários.
Noutra rua do bairro, Paula Gonçalves, de 27 anos, foi seleccionada para receber uma prenda fora do comum pelas assistentes do Centro Social e Cultural do Bairro da Esperança. A sua casa parecia um infantário. "Tenho a cargo dois filhos meus, mais dois de um irmão e dois de outro que estão presos." Como consegue viver? "Olhe, a Caritas dá-me os alimentos para uma refeição e a reforma de 120 euros da minha mãe mais os abonos de família dos miúdos [entre os cinco e os 12 anos] dá para pagar a água, a luz e os alimentos que faltam", responde a mulher, que também espera o RIS, ao qual se candidatou em Setembro. "Mas até ao momento não recebi nada", acrescenta, como que conformada com a sua sorte.
Teresa escolheu passar a noite de Natal com os sem-abrigo
Andreia Sanches, in Jornal Público
Há mais pessoas a querer abdicar da consoada tradicional para ter a experiência de passar o Natal a fazer voluntariado
Quando decidiu que este Natal seria diferente de todos os outros, que não seria passado com os filhos e os netos, nem com a mãe ou com a tia do Norte, achou que não devia contar-lhes logo. Pensava que a família ia ficar triste. E quis poupar-lhes o desgosto por mais algum tempo. Por fim, revelou-lhes os seus planos. Desta vez, na noite da consoada, estaria na rua, a distribuir meias, figos e orações a pessoas sem abrigo. "E a minha mãe disse-me: "Se eu pudesse, também ia contigo!"". Afinal, ninguém ficou triste.
Maria Teresa Mendes tem 53 anos, é católica, faz presépios e vive em Lisboa. Tem quatro filhos e três netos e sempre passou a noite de Natal com a família. A sua experiência de voluntariado resumia-se, até agora, a dar aulas, a ensinar os outros a fazer presépios. Mas há uns meses decidiu ir ter com a Comunidade Vida e Paz, uma das organizações que se dedicam a apoiar os sem-abrigo na capital.
Ofereceu-se para acompanhar, durante esta quadra, as equipas de rua que todos os dias do ano levam uma ceia e roupa a cerca de 450 pessoas que não têm casa. "Nunca fiz voluntariado deste tipo." Já sabe que foi integrada numa equipa.
Amanhã, quando na maioria dos lares portugueses as atenções estiverem divididas entre o bacalhau cozido com couves, as prendas e a programação televisiva, Maria Teresa Mendes estará algures entre Arroios, Almirante Reis e Praça de Londres. Não é a única.
No ano passado, já tinham chegado à Comunidade Vida e Paz - uma instituição particular de solidariedade social de inspiração cristã - vários pedidos de pessoas que, não tendo qualquer ligação à organização, se ofereceram para na noite de Natal acompanhar as equipas de rua. Este ano foram ainda mais, diz a irmã Cristina Duarte.
Há quem se voluntarie sozinho, mas também quem por vezes queira levar o pai, um irmão, um filho. E há quem acabe por não mais se desvincular da instituição. "No ano passado houve pessoas que depois do Natal quiseram continuar, mas isso é muito frequente no resto do ano também: as pessoas vêm uma vez e depois querem continuar", continua Cristina Duarte que lembra que a Comunidade trabalha todos os dias do ano, e não só na noite da consoada. Todos os meses distribui 27 mil sandes e 1800 litros de leite. No ano passado, 119 sem-abrigo ingressaram no programa de reinserção da instituição.
"Um sorriso, um abraço"
"Estou-me a preparar muito", contava esta semana Maria Teresa que o PÚBLICO encontrou rodeada de cartolinas coloridas, à mesa da loja, na comercial Rua Augusta, onde este ano esteve a funcionar o Presépio na Cidade - um projecto de leigos católicos que se propõe a "dar a conhecer o Menino Jesus à cidade de Lisboa" e a "repor o verdadeiro sentido do Natal". Por estes dias, visitam hospitais e prisões, falam do Menino Jesus, fazem trabalhos manuais.
Em tempos, Maria Teresa Mendes teve negócios na área da restauração, depois trabalhou num lar, mais tarde dedicou-se à arte sacra. Há dez anos começou a fazer presépios - e já fez dezenas deles - ganhou vários prémios. Este ano, algo aconteceu e sofreu uma grande desilusão. Diz que encontrou "a alegria no sofrimento".
Desde então envolveu-se em vários projectos. "Quero criar um movimento ligado ao Menino Jesus e um Museu do Presépio, com workshops para crianças e onde se possam fazer várias exposições", diz. Também ajudou na festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, juntamente com mais mil voluntários, e participa nas actividades do Presépio na Cidade. Dentro do espírito de Natal - que acha que não tem que ser o do mero consumismo - ofereceu-se para trabalhar na noite da consoada.
Aos sem-abrigo, continua, quer levar "um sorriso, um rosto bonito e um abraço, se eles quiserem ser abraçados, claro!" Quer dedicar-lhes o seu tempo, sem pressas, para que a noite de Natal "seja uma noite especial", sejam eles "católicos ou não". Conta regressar a casa tarde, "às duas ou três da manhã".
Com ela levará também pagelas (estampas com imagens de santos e uma oração), meias e figos - com mais três amigos, conseguiu arranjar 300 pares de meias e 300 pacotinhos de figos para oferecer com a ceia de Natal que as equipas da Comunidade Vida e Paz distribuem. "Não conheço ninguém da equipa com que vou", diz a sorrir. Os amigos vão noutros turnos.
Maria Teresa Mendes não esconde a expectativa. Quer que os sem-abrigo sintam que "são pessoas importantes" - "porque se estamos ali com eles é porque são tão ou mais importantes do que a nossa família". E mostra orgulhosamente a oração que mandou imprimir nas pagelas para distribuir: "... Ver em cada Homem um irmão/ Amá-lo na tristeza e na alegria! Amá-lo sempre, de novo, em cada dia".
Qual era a maior alegria que ela podia ter neste Natal? "Que ele fosse o início da libertação do cartão", responde. Por outras palavras: que quem dorme nos passeios coberto de papéis tivesse uma vida nova em 2008.
119 sem-abrigo ingressaram no ano passado no programa de reinserção da Comunidade Vida e Paz, uma instituição particular de solidariedade social de inspiração cristã.
Há mais pessoas a querer abdicar da consoada tradicional para ter a experiência de passar o Natal a fazer voluntariado
Quando decidiu que este Natal seria diferente de todos os outros, que não seria passado com os filhos e os netos, nem com a mãe ou com a tia do Norte, achou que não devia contar-lhes logo. Pensava que a família ia ficar triste. E quis poupar-lhes o desgosto por mais algum tempo. Por fim, revelou-lhes os seus planos. Desta vez, na noite da consoada, estaria na rua, a distribuir meias, figos e orações a pessoas sem abrigo. "E a minha mãe disse-me: "Se eu pudesse, também ia contigo!"". Afinal, ninguém ficou triste.
Maria Teresa Mendes tem 53 anos, é católica, faz presépios e vive em Lisboa. Tem quatro filhos e três netos e sempre passou a noite de Natal com a família. A sua experiência de voluntariado resumia-se, até agora, a dar aulas, a ensinar os outros a fazer presépios. Mas há uns meses decidiu ir ter com a Comunidade Vida e Paz, uma das organizações que se dedicam a apoiar os sem-abrigo na capital.
Ofereceu-se para acompanhar, durante esta quadra, as equipas de rua que todos os dias do ano levam uma ceia e roupa a cerca de 450 pessoas que não têm casa. "Nunca fiz voluntariado deste tipo." Já sabe que foi integrada numa equipa.
Amanhã, quando na maioria dos lares portugueses as atenções estiverem divididas entre o bacalhau cozido com couves, as prendas e a programação televisiva, Maria Teresa Mendes estará algures entre Arroios, Almirante Reis e Praça de Londres. Não é a única.
No ano passado, já tinham chegado à Comunidade Vida e Paz - uma instituição particular de solidariedade social de inspiração cristã - vários pedidos de pessoas que, não tendo qualquer ligação à organização, se ofereceram para na noite de Natal acompanhar as equipas de rua. Este ano foram ainda mais, diz a irmã Cristina Duarte.
Há quem se voluntarie sozinho, mas também quem por vezes queira levar o pai, um irmão, um filho. E há quem acabe por não mais se desvincular da instituição. "No ano passado houve pessoas que depois do Natal quiseram continuar, mas isso é muito frequente no resto do ano também: as pessoas vêm uma vez e depois querem continuar", continua Cristina Duarte que lembra que a Comunidade trabalha todos os dias do ano, e não só na noite da consoada. Todos os meses distribui 27 mil sandes e 1800 litros de leite. No ano passado, 119 sem-abrigo ingressaram no programa de reinserção da instituição.
"Um sorriso, um abraço"
"Estou-me a preparar muito", contava esta semana Maria Teresa que o PÚBLICO encontrou rodeada de cartolinas coloridas, à mesa da loja, na comercial Rua Augusta, onde este ano esteve a funcionar o Presépio na Cidade - um projecto de leigos católicos que se propõe a "dar a conhecer o Menino Jesus à cidade de Lisboa" e a "repor o verdadeiro sentido do Natal". Por estes dias, visitam hospitais e prisões, falam do Menino Jesus, fazem trabalhos manuais.
Em tempos, Maria Teresa Mendes teve negócios na área da restauração, depois trabalhou num lar, mais tarde dedicou-se à arte sacra. Há dez anos começou a fazer presépios - e já fez dezenas deles - ganhou vários prémios. Este ano, algo aconteceu e sofreu uma grande desilusão. Diz que encontrou "a alegria no sofrimento".
Desde então envolveu-se em vários projectos. "Quero criar um movimento ligado ao Menino Jesus e um Museu do Presépio, com workshops para crianças e onde se possam fazer várias exposições", diz. Também ajudou na festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, juntamente com mais mil voluntários, e participa nas actividades do Presépio na Cidade. Dentro do espírito de Natal - que acha que não tem que ser o do mero consumismo - ofereceu-se para trabalhar na noite da consoada.
Aos sem-abrigo, continua, quer levar "um sorriso, um rosto bonito e um abraço, se eles quiserem ser abraçados, claro!" Quer dedicar-lhes o seu tempo, sem pressas, para que a noite de Natal "seja uma noite especial", sejam eles "católicos ou não". Conta regressar a casa tarde, "às duas ou três da manhã".
Com ela levará também pagelas (estampas com imagens de santos e uma oração), meias e figos - com mais três amigos, conseguiu arranjar 300 pares de meias e 300 pacotinhos de figos para oferecer com a ceia de Natal que as equipas da Comunidade Vida e Paz distribuem. "Não conheço ninguém da equipa com que vou", diz a sorrir. Os amigos vão noutros turnos.
Maria Teresa Mendes não esconde a expectativa. Quer que os sem-abrigo sintam que "são pessoas importantes" - "porque se estamos ali com eles é porque são tão ou mais importantes do que a nossa família". E mostra orgulhosamente a oração que mandou imprimir nas pagelas para distribuir: "... Ver em cada Homem um irmão/ Amá-lo na tristeza e na alegria! Amá-lo sempre, de novo, em cada dia".
Qual era a maior alegria que ela podia ter neste Natal? "Que ele fosse o início da libertação do cartão", responde. Por outras palavras: que quem dorme nos passeios coberto de papéis tivesse uma vida nova em 2008.
119 sem-abrigo ingressaram no ano passado no programa de reinserção da Comunidade Vida e Paz, uma instituição particular de solidariedade social de inspiração cristã.
Falta de pessoal "liberaliza" uso de pequenas quantidades
Catarina Gomes, in Jornal Público
Desigualdade geográfica na aplicação da lei da descriminalização pode a estar a criar "sentimento de impunidade"
Se alguém for apanhado a fumar um charro ou a inalar cocaína em pequenas quantidades no distrito de Santarém pode ter que pagar uma coima ou ser mandado para tratamento, se o mesmo acontecer no distrito de Lisboa, Bragança, Guarda, Viseu, Coimbra e Faro nada acontece. Neste momento há seis distritos do país onde a compra, posse e consumo de droga em pequenas quantidades não tem consequências porque as comissões de dissuasão da toxicodependência (CDT) destes distritos estão sem poder decisório por falta de pessoal.
Já este ano foi a vez de a CDT de Coimbra deixar de poder aplicar medidas a consumidores de drogas, mas o processo de perda de poder decisório tem sido gradual. Começou em 2003 com as CDT de Viseu e da Guarda, em 2004 foi a vez das CDT de Faro e Bragança, em 2005 foi a de Lisboa. No início da lei existiam 18 comissões operacionais, agora existem apenas 12.
Do total de processos entrados em 2006 (6216), metade ficou pendente (3196), referem dados do Relatório Anual do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) de 2006.
Falta de quórum
Em 2001, a lei que descriminalizou a posse, compra e consumo de droga até um máximo de "consumo médio individual para dez dias" (no caso da cannabis ronda as 25 gramas) veio tirar estes casos dos tribunais, transferindo-os para as então criadas CDT.
O problema é que nestes órgãos as decisões têm que ser tomadas por pelo menos dois dos três técnicos que compõem a comissão - há seis CDT em que ou não existe quórum ou não há qualquer membro. Os tribunais continuam a transferir processos para as comissões, no ano passado foram 524.
Na prática, a lei da descriminalização não se aplica em seis dos 18 distritos onde foram criados estes órgãos, reconhece o presidente do IDT, João Goulão. Este responsável afirma que "nos primeiros dias de 2008" serão apresentadas propostas de alteração à lei (ver caixa).
"Nesses seis distritos a droga não está descriminalizada, está liberalizada", sublinha o deputado social-democrata Emídio Guerreiro, notando que as CDT foram criadas "como garantia da não liberalização das drogas", com "a preocupação social de tentar que os consumidores deixem de o ser".
O problema já é conhecido desde há muito, mas tem-se agravado, diz, e o próprio actual director do IDT, em 2004, fez parte de uma comissão técnica para tentar resolver o problema. O PSD apresentou em Fevereiro deste ano um projecto de lei que é ipsis verbis a proposta do grupo que Goulão incorporou.
O Partido Comunista também apresentou um projecto de lei, nota o deputado Bruno Dias. "Há muitos meses que andamos a alertar para o problema. O consumidor deixou de ser tratado como criminoso, mas o consumo não poder ser visto como algo irrelevante", afirma. Ambas as propostas foram chumbadas.
Maria Antónia Almeida Santos, que foi presidente da CDT de Lisboa e agora é deputada socialista, afirma que é preciso mudar a lei para agilizar o funcionamento das comissões.
IDT não responde
Um grupo de deputados do PS mandou algumas sugestões para o IDT, mas até agora nada, critica. Os membros das CDT tinham comissões de serviço de três anos que não foram renovadas. Por este motivo, e pela desmotivação dos seus membros perante a indefinição, foram esvaziadas.
A deputada defende que, com a actual situação, se pode estar a criar "uma ideia de impunidade" e de "desigualdade no tratamento", porque tudo depende da área geográfica em que a pessoa é apanhada a consumir e a comprar substâncias que vão da cannabis à heroína, da cocaína ao ecstasy.
O que preocupa a deputada não é tanto a parte de punir os consumidores, porque esse não é o principal objectivo das comissões, mas a do encaminhamento para tratamento de toxicodependentes, que é umas competências das CDT.
Ana Trigo Rosa, responsável pelo Gabinete de Apoio à Dissuasão, no IDT, nota que algumas das seis comissões inoperantes ainda podem encaminhar para tratamento, se os consumidores aderirem voluntariamente; caso contrário "não têm mecanismos legais para actuar": não podem, por exemplo, impor coimas ou ordenar trabalho a favor da comunidade.
A responsável do IDT reconhece que "a lei não está a vigorar em pleno", o que pode "levantar um certo sentimento de impunidade". Nota ainda que se "corre o risco de as autoridades mobilizarem os seus recursos para outras questões", algo que ainda não acontece: 42 por cento dos casos foram remetidos pela Polícia de Segurança Pública e 28 por cento pela Guarda Nacional Republicana.
Quando em 2001 o consumo de droga deixou de ser crime acenou-se com "uma série de papões", um deles era o de que "Portugal iria tornar-se no paraíso da droga", lembra o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, João Goulão. O que se percebeu pouco tempo depois da sua criação é que a rede de 18 comissões de dissuasão da toxicodependência (CDT), que aplica a lei, está "sobredimensionada, é onerosa, pesada e desproporcionada face à realidade", explica. Defende que a sua existência continua a fazer sentido como dispositivo "de prevenção dirigido a pessoas que ainda estão na fase de namoro com as drogas, para que invertam este processo que as pode levar à dependência". O responsável informa que nos primeiros dias de Janeiro vão apresentar uma proposta, que está de acordo com o que já foi proposto pelo PS. Pretendem que cada CDT passe a ter um decisor em vez de três, só em comissões com maior fluxo de processos, como Lisboa, defende que se mantenham os três membros. As CDT serão também enquadradas nas áreas de influência dos recém-criados 22 centros de resposta integrada (que incorporam os antigos centros de atendimento a toxicodependentes), diminuindo em membros mas aumentado em número. C.G.
Desigualdade geográfica na aplicação da lei da descriminalização pode a estar a criar "sentimento de impunidade"
Se alguém for apanhado a fumar um charro ou a inalar cocaína em pequenas quantidades no distrito de Santarém pode ter que pagar uma coima ou ser mandado para tratamento, se o mesmo acontecer no distrito de Lisboa, Bragança, Guarda, Viseu, Coimbra e Faro nada acontece. Neste momento há seis distritos do país onde a compra, posse e consumo de droga em pequenas quantidades não tem consequências porque as comissões de dissuasão da toxicodependência (CDT) destes distritos estão sem poder decisório por falta de pessoal.
Já este ano foi a vez de a CDT de Coimbra deixar de poder aplicar medidas a consumidores de drogas, mas o processo de perda de poder decisório tem sido gradual. Começou em 2003 com as CDT de Viseu e da Guarda, em 2004 foi a vez das CDT de Faro e Bragança, em 2005 foi a de Lisboa. No início da lei existiam 18 comissões operacionais, agora existem apenas 12.
Do total de processos entrados em 2006 (6216), metade ficou pendente (3196), referem dados do Relatório Anual do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) de 2006.
Falta de quórum
Em 2001, a lei que descriminalizou a posse, compra e consumo de droga até um máximo de "consumo médio individual para dez dias" (no caso da cannabis ronda as 25 gramas) veio tirar estes casos dos tribunais, transferindo-os para as então criadas CDT.
O problema é que nestes órgãos as decisões têm que ser tomadas por pelo menos dois dos três técnicos que compõem a comissão - há seis CDT em que ou não existe quórum ou não há qualquer membro. Os tribunais continuam a transferir processos para as comissões, no ano passado foram 524.
Na prática, a lei da descriminalização não se aplica em seis dos 18 distritos onde foram criados estes órgãos, reconhece o presidente do IDT, João Goulão. Este responsável afirma que "nos primeiros dias de 2008" serão apresentadas propostas de alteração à lei (ver caixa).
"Nesses seis distritos a droga não está descriminalizada, está liberalizada", sublinha o deputado social-democrata Emídio Guerreiro, notando que as CDT foram criadas "como garantia da não liberalização das drogas", com "a preocupação social de tentar que os consumidores deixem de o ser".
O problema já é conhecido desde há muito, mas tem-se agravado, diz, e o próprio actual director do IDT, em 2004, fez parte de uma comissão técnica para tentar resolver o problema. O PSD apresentou em Fevereiro deste ano um projecto de lei que é ipsis verbis a proposta do grupo que Goulão incorporou.
O Partido Comunista também apresentou um projecto de lei, nota o deputado Bruno Dias. "Há muitos meses que andamos a alertar para o problema. O consumidor deixou de ser tratado como criminoso, mas o consumo não poder ser visto como algo irrelevante", afirma. Ambas as propostas foram chumbadas.
Maria Antónia Almeida Santos, que foi presidente da CDT de Lisboa e agora é deputada socialista, afirma que é preciso mudar a lei para agilizar o funcionamento das comissões.
IDT não responde
Um grupo de deputados do PS mandou algumas sugestões para o IDT, mas até agora nada, critica. Os membros das CDT tinham comissões de serviço de três anos que não foram renovadas. Por este motivo, e pela desmotivação dos seus membros perante a indefinição, foram esvaziadas.
A deputada defende que, com a actual situação, se pode estar a criar "uma ideia de impunidade" e de "desigualdade no tratamento", porque tudo depende da área geográfica em que a pessoa é apanhada a consumir e a comprar substâncias que vão da cannabis à heroína, da cocaína ao ecstasy.
O que preocupa a deputada não é tanto a parte de punir os consumidores, porque esse não é o principal objectivo das comissões, mas a do encaminhamento para tratamento de toxicodependentes, que é umas competências das CDT.
Ana Trigo Rosa, responsável pelo Gabinete de Apoio à Dissuasão, no IDT, nota que algumas das seis comissões inoperantes ainda podem encaminhar para tratamento, se os consumidores aderirem voluntariamente; caso contrário "não têm mecanismos legais para actuar": não podem, por exemplo, impor coimas ou ordenar trabalho a favor da comunidade.
A responsável do IDT reconhece que "a lei não está a vigorar em pleno", o que pode "levantar um certo sentimento de impunidade". Nota ainda que se "corre o risco de as autoridades mobilizarem os seus recursos para outras questões", algo que ainda não acontece: 42 por cento dos casos foram remetidos pela Polícia de Segurança Pública e 28 por cento pela Guarda Nacional Republicana.
Quando em 2001 o consumo de droga deixou de ser crime acenou-se com "uma série de papões", um deles era o de que "Portugal iria tornar-se no paraíso da droga", lembra o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, João Goulão. O que se percebeu pouco tempo depois da sua criação é que a rede de 18 comissões de dissuasão da toxicodependência (CDT), que aplica a lei, está "sobredimensionada, é onerosa, pesada e desproporcionada face à realidade", explica. Defende que a sua existência continua a fazer sentido como dispositivo "de prevenção dirigido a pessoas que ainda estão na fase de namoro com as drogas, para que invertam este processo que as pode levar à dependência". O responsável informa que nos primeiros dias de Janeiro vão apresentar uma proposta, que está de acordo com o que já foi proposto pelo PS. Pretendem que cada CDT passe a ter um decisor em vez de três, só em comissões com maior fluxo de processos, como Lisboa, defende que se mantenham os três membros. As CDT serão também enquadradas nas áreas de influência dos recém-criados 22 centros de resposta integrada (que incorporam os antigos centros de atendimento a toxicodependentes), diminuindo em membros mas aumentado em número. C.G.
Há 417 crianças que ninguém quer adoptar
Helena Teixeira da Silva, in Jornal de Notícias
Dos 12 245 menores institucionalizados em Portugal - incluindo já os 2698 que estão em famílias de acolhimento - apenas uma ínfima parte está em situação de adoptabilidade. Os dados mais recentes do Governo, apurados em Novembro, indicam que são 1356. O problema, no entanto, agrava-se quando a quase totalidade dos candidatos à adopção diz estar na disposição de receber, apenas, crianças perfeitas, brancas e, de preferência, acabadas de nascer.
Idália Moniz, secretária de Estado da Reabilitação, criou novos instrumentos - dois documentos a aguardar a promulgação do presidente da República - para cumprir o prometido objectivo de diminuir o número de crianças colocadas em instituições. Mas defende que o trabalho poderá não ser facilitado se a pretensão dos candidatos continuar a pautar-se por um leque de requisitos extremamente limitador.
"Uma criança de tenra idade, sem problemas de saúde e sem deficiências, e com a cor de pele muito branquinha, terá um período de permanência numa instituição muito curto. Mas, se não obedecer a este perfil, poderá esperar cinco, dez anos, sem que nunca apareça alguém", afirmou [ler entrevista ao lado].
De facto, os números disponibilizados pelo Executivo demonstram que 95% dos 2291 candidatos inscritos querem uma criança entre os zero e os três anos; 93% não estão na disposição de receber crianças com problemas de saúde ligeiros ou graves, ou com deficiências. E 83% exigem uma criança de raça exclusivamente caucasiana. A média, já sem contemplar as preferências raciais, é objectiva 94% dos candidatos desejam crianças sem passado, desenhadas a regra e esquadro.
Inversamente, apenas quatro candidatos estão disponíveis para adoptar crianças com problemas graves de saúde, 151 não se incomodam com problemas ligeiros, 11 aceitam as deficiências. E só 171 candidatos dizem não ter preferência pela raça.
Como não é possível determinar dessa forma as características dos menores institucionalizados, sobra, actualmente, um universo de 417 crianças para as quais nunca chega a aparecer uma família. Mais de metade apresenta leves problemas de saúde, os outros têm algum tipo de deficiência ou são portadores de doenças graves. Este leque integra, também, crianças de cor.
25% de adopções até 2009
Ao universo de crianças que ninguém parece querer adoptar, acrescem centenas de processos que se arrastam durante vários anos - ou porque os pais continuam a visitá-los, mesmo que fugazmente; ou porque não autorizam a sua adopção; etc. -, sendo que a Lei 147/99 prevê que cada processo deveria ser revisto a cada seis meses.
Em média, uma criança permanece cinco anos numa família de acolhimento, quando, num cenário ideal, não deveria ficar lá mais de ano e meio, para evitar estabelecer laços afectivos que, posteriormente, serão interrompidos. Apesar disso, Idália Moniz garante que tem havido maior sensibilização por parte dos magistrados e das equipas técnicas das instituições para atenuar esse problema.
"Antigamente, só eram encaminhadas para adopção crianças em fim de linha. Era uma proposta quando já não havia nenhuma outra solução. Hoje, os números demonstram que, de facto, a adopção pode ser um projecto de vida viável e estruturante para crianças sem problemas de saúde". A estatística revela, ao longo deste ano inteiro, um aumento gradual de crianças em situação de adoptabilidade. Se em Janeiro havia 715; agora há 1356. Com adopção decretada, no início do ano havia dez; hoje há 256.
Neste sentido, a secretária de Estado reitera que até ao final da legislatura, em 2009, 25% dos menores institucionalizados serão integrados num seio familiar.
A meta, no entanto, não a desresponsabiliza de agilizar e profissionalizar as restantes figuras que, teoricamente, servem para proteger os menores. É por isso que, no enquadramento dos novos diplomas, as famílias de acolhimento deixarão de poder ter laços biológicos com as crianças que acolhem - em 2002, 70% das famílias eram biológicas - , podendo inclusivamente ser-lhes exigida formação específica para prestar o acolhimento. As famílias passarão a ser monitorizadas.
"Não se adopta para salvar o mundo, mas por responsabilidade"
Maria e Tom - Adoptaram filho com epilepsia
É bem provável que da visita a uma instituição de menores em risco ninguém saia exactamente como entrou. Maria não saiu. Por muito habituada que estivesse, por imperativo da profissão, a mover-se ali, não ficou imune ao menino que, um dia, viu num recreio de outros meninos, a brincar sozinho com uma caneta. "Duas meninas tiravam-lhe sistematicamente o objecto da mão. Cheguei lá e devolvi-lho". Ele agradeceu na única linguagem que conhecia com um sorriso. E ela, que transportava na barriga a primeira filha, nunca mais conseguiu apagar da memória a imagem. "Não sei o que foi; só sei que houve uma química muito grande", tenta explicar o inexplicável, a jornalista de 32 anos . Passou 24 meses inteiros a falar daquele dia, daquele menino. Tom, americano de 54 anos que veio para Portugal há cinco, por ela, por amor, não precisava acumular mais provas. "Vamos lá conhecer o rapaz", disse-lhe. "Quando dei conta, já era o meu filho", sorri. O menino, entregue à instituição com 20 dias, esperou quatro anos para ter família. Era bebé quando chegou, e todos querem bebés, mas não bebés como ele: com epilepsia mioclónica benigna, doença que atrasa o desenvolvimento. Em casa deles, no entanto, o preconceito fica à porta. "Quando o conheci", conta a mãe, "ele não andava, mal falava, ainda usava fraldas, salivava permanentemente. Não sabia sequer fantasiar". Os médicos, ainda por cima, insistiam que ele teria um problema neurológico grave. Maria dizia que não, acreditava que com atenção e estimulação, o processo seria reversível. E relatórios posteriores haviam de dar-lhe razão.
O menino provocador, que gostava de receber mas não sabia dar, é hoje um menino grande de quatro anos, meigo, autónomo. Continua a ser acompanhado no Centro de Paralisia Cerebral, mas nada o poderá travar. Parece um processo fácil, quase romântico, mas Tom, ele próprio adoptado aos nove meses, assegura que não é. "Não se adopta para salvar o mundo, mas por responsabilidade. Se o mundo tem sido bom para nós, por que não havemos de ser bons para alguém no mundo? Não se trata de filosofia cósmica. Apenas de dar o que se recebe".
"Processo de adopção é uma lotaria que se constrói todos os dias"
Fernanda e Pedro - Adoptaram casal de irmãos
"Os primeiros quatro dias são mel. Os seis meses seguintes, fel". De súbito, a explosão de afecto protelada por crianças que nunca conheceram o colo quente, o abraço apertado, o "vou gostar de ti para sempre" de um pai, salta para o confronto. Regras, horários, deveres da escola despertam conflito em quem cresceu na queda livre de nunca ser de ninguém. Depois, um dia, vem a acusação sacramental "Mas tu não és meu pai". Pedro, 42 anos, aguentou estoicamente de todas as vezes que o seu amor foi posto à prova - e foram muitas. Quando o derradeiro desafio chegou, sentia-se preparado. Respondeu devagar: "Posso não ter sido eu quem te fez, mas ser pai é estar presente. É rir, falar, educar, brincar, dar casa". A conversa marcava o início da cumplicidade estreita entre o engenheiro mecânico e o rapaz que agora conta 16 anos - ambos apaixonados por carros antigos. Pai e filho conheceram-se em 1997. "Não foi preciso período de adaptação; foi amor à primeira vista", atesta o pai.
Fernanda, a mãe, havia imposto a si própria uma meta engravidar até aos 35 anos. A fulgurante carreira de economista ditara tacitamente o tempo que estaria disposta a esperar. Esperou, mas não aconteceu. "Em vez de entrar em depressão, decidimos virar a página: adoptar". À Segurança Social disseram querer receber duas crianças até aos cinco anos, desde que não tivessem problemas de saúde. Reconhecem que parecerá egoísta, mas será mais a consciência das próprias limitações. "Não saberíamos lidar com isso". Propuseram-lhes um casal de irmãos: menina de quatro; rapaz de sete. E quatro dias para decidirem. "Se não tivesse aceite - mesmo sem nunca lhes ter visto o rosto - nunca me perdoaria", confessa aos 44 anos, "eternamente grata" pelo que os filhos fizeram dela: uma pessoa melhor. A menina, desde o primeiro dia, nunca mais lhe largou o colo. E, de vez em quando, ainda pergunta: "Gostas de mim até ao céu?" A mãe, que não consegue falar sem os olhos húmidos, continua a responder: "Até ao infinito, até onde não consegues ver". Como respondia ao filho de cada vez que ele dizia não gostar dela: "Nao faz mal, eu gosto de ti por nós os dois". Numa adopção nunca se sabe o que vai acontecer. "É uma lotaria que se constrói todos os dias."
Dos 12 245 menores institucionalizados em Portugal - incluindo já os 2698 que estão em famílias de acolhimento - apenas uma ínfima parte está em situação de adoptabilidade. Os dados mais recentes do Governo, apurados em Novembro, indicam que são 1356. O problema, no entanto, agrava-se quando a quase totalidade dos candidatos à adopção diz estar na disposição de receber, apenas, crianças perfeitas, brancas e, de preferência, acabadas de nascer.
Idália Moniz, secretária de Estado da Reabilitação, criou novos instrumentos - dois documentos a aguardar a promulgação do presidente da República - para cumprir o prometido objectivo de diminuir o número de crianças colocadas em instituições. Mas defende que o trabalho poderá não ser facilitado se a pretensão dos candidatos continuar a pautar-se por um leque de requisitos extremamente limitador.
"Uma criança de tenra idade, sem problemas de saúde e sem deficiências, e com a cor de pele muito branquinha, terá um período de permanência numa instituição muito curto. Mas, se não obedecer a este perfil, poderá esperar cinco, dez anos, sem que nunca apareça alguém", afirmou [ler entrevista ao lado].
De facto, os números disponibilizados pelo Executivo demonstram que 95% dos 2291 candidatos inscritos querem uma criança entre os zero e os três anos; 93% não estão na disposição de receber crianças com problemas de saúde ligeiros ou graves, ou com deficiências. E 83% exigem uma criança de raça exclusivamente caucasiana. A média, já sem contemplar as preferências raciais, é objectiva 94% dos candidatos desejam crianças sem passado, desenhadas a regra e esquadro.
Inversamente, apenas quatro candidatos estão disponíveis para adoptar crianças com problemas graves de saúde, 151 não se incomodam com problemas ligeiros, 11 aceitam as deficiências. E só 171 candidatos dizem não ter preferência pela raça.
Como não é possível determinar dessa forma as características dos menores institucionalizados, sobra, actualmente, um universo de 417 crianças para as quais nunca chega a aparecer uma família. Mais de metade apresenta leves problemas de saúde, os outros têm algum tipo de deficiência ou são portadores de doenças graves. Este leque integra, também, crianças de cor.
25% de adopções até 2009
Ao universo de crianças que ninguém parece querer adoptar, acrescem centenas de processos que se arrastam durante vários anos - ou porque os pais continuam a visitá-los, mesmo que fugazmente; ou porque não autorizam a sua adopção; etc. -, sendo que a Lei 147/99 prevê que cada processo deveria ser revisto a cada seis meses.
Em média, uma criança permanece cinco anos numa família de acolhimento, quando, num cenário ideal, não deveria ficar lá mais de ano e meio, para evitar estabelecer laços afectivos que, posteriormente, serão interrompidos. Apesar disso, Idália Moniz garante que tem havido maior sensibilização por parte dos magistrados e das equipas técnicas das instituições para atenuar esse problema.
"Antigamente, só eram encaminhadas para adopção crianças em fim de linha. Era uma proposta quando já não havia nenhuma outra solução. Hoje, os números demonstram que, de facto, a adopção pode ser um projecto de vida viável e estruturante para crianças sem problemas de saúde". A estatística revela, ao longo deste ano inteiro, um aumento gradual de crianças em situação de adoptabilidade. Se em Janeiro havia 715; agora há 1356. Com adopção decretada, no início do ano havia dez; hoje há 256.
Neste sentido, a secretária de Estado reitera que até ao final da legislatura, em 2009, 25% dos menores institucionalizados serão integrados num seio familiar.
A meta, no entanto, não a desresponsabiliza de agilizar e profissionalizar as restantes figuras que, teoricamente, servem para proteger os menores. É por isso que, no enquadramento dos novos diplomas, as famílias de acolhimento deixarão de poder ter laços biológicos com as crianças que acolhem - em 2002, 70% das famílias eram biológicas - , podendo inclusivamente ser-lhes exigida formação específica para prestar o acolhimento. As famílias passarão a ser monitorizadas.
"Não se adopta para salvar o mundo, mas por responsabilidade"
Maria e Tom - Adoptaram filho com epilepsia
É bem provável que da visita a uma instituição de menores em risco ninguém saia exactamente como entrou. Maria não saiu. Por muito habituada que estivesse, por imperativo da profissão, a mover-se ali, não ficou imune ao menino que, um dia, viu num recreio de outros meninos, a brincar sozinho com uma caneta. "Duas meninas tiravam-lhe sistematicamente o objecto da mão. Cheguei lá e devolvi-lho". Ele agradeceu na única linguagem que conhecia com um sorriso. E ela, que transportava na barriga a primeira filha, nunca mais conseguiu apagar da memória a imagem. "Não sei o que foi; só sei que houve uma química muito grande", tenta explicar o inexplicável, a jornalista de 32 anos . Passou 24 meses inteiros a falar daquele dia, daquele menino. Tom, americano de 54 anos que veio para Portugal há cinco, por ela, por amor, não precisava acumular mais provas. "Vamos lá conhecer o rapaz", disse-lhe. "Quando dei conta, já era o meu filho", sorri. O menino, entregue à instituição com 20 dias, esperou quatro anos para ter família. Era bebé quando chegou, e todos querem bebés, mas não bebés como ele: com epilepsia mioclónica benigna, doença que atrasa o desenvolvimento. Em casa deles, no entanto, o preconceito fica à porta. "Quando o conheci", conta a mãe, "ele não andava, mal falava, ainda usava fraldas, salivava permanentemente. Não sabia sequer fantasiar". Os médicos, ainda por cima, insistiam que ele teria um problema neurológico grave. Maria dizia que não, acreditava que com atenção e estimulação, o processo seria reversível. E relatórios posteriores haviam de dar-lhe razão.
O menino provocador, que gostava de receber mas não sabia dar, é hoje um menino grande de quatro anos, meigo, autónomo. Continua a ser acompanhado no Centro de Paralisia Cerebral, mas nada o poderá travar. Parece um processo fácil, quase romântico, mas Tom, ele próprio adoptado aos nove meses, assegura que não é. "Não se adopta para salvar o mundo, mas por responsabilidade. Se o mundo tem sido bom para nós, por que não havemos de ser bons para alguém no mundo? Não se trata de filosofia cósmica. Apenas de dar o que se recebe".
"Processo de adopção é uma lotaria que se constrói todos os dias"
Fernanda e Pedro - Adoptaram casal de irmãos
"Os primeiros quatro dias são mel. Os seis meses seguintes, fel". De súbito, a explosão de afecto protelada por crianças que nunca conheceram o colo quente, o abraço apertado, o "vou gostar de ti para sempre" de um pai, salta para o confronto. Regras, horários, deveres da escola despertam conflito em quem cresceu na queda livre de nunca ser de ninguém. Depois, um dia, vem a acusação sacramental "Mas tu não és meu pai". Pedro, 42 anos, aguentou estoicamente de todas as vezes que o seu amor foi posto à prova - e foram muitas. Quando o derradeiro desafio chegou, sentia-se preparado. Respondeu devagar: "Posso não ter sido eu quem te fez, mas ser pai é estar presente. É rir, falar, educar, brincar, dar casa". A conversa marcava o início da cumplicidade estreita entre o engenheiro mecânico e o rapaz que agora conta 16 anos - ambos apaixonados por carros antigos. Pai e filho conheceram-se em 1997. "Não foi preciso período de adaptação; foi amor à primeira vista", atesta o pai.
Fernanda, a mãe, havia imposto a si própria uma meta engravidar até aos 35 anos. A fulgurante carreira de economista ditara tacitamente o tempo que estaria disposta a esperar. Esperou, mas não aconteceu. "Em vez de entrar em depressão, decidimos virar a página: adoptar". À Segurança Social disseram querer receber duas crianças até aos cinco anos, desde que não tivessem problemas de saúde. Reconhecem que parecerá egoísta, mas será mais a consciência das próprias limitações. "Não saberíamos lidar com isso". Propuseram-lhes um casal de irmãos: menina de quatro; rapaz de sete. E quatro dias para decidirem. "Se não tivesse aceite - mesmo sem nunca lhes ter visto o rosto - nunca me perdoaria", confessa aos 44 anos, "eternamente grata" pelo que os filhos fizeram dela: uma pessoa melhor. A menina, desde o primeiro dia, nunca mais lhe largou o colo. E, de vez em quando, ainda pergunta: "Gostas de mim até ao céu?" A mãe, que não consegue falar sem os olhos húmidos, continua a responder: "Até ao infinito, até onde não consegues ver". Como respondia ao filho de cada vez que ele dizia não gostar dela: "Nao faz mal, eu gosto de ti por nós os dois". Numa adopção nunca se sabe o que vai acontecer. "É uma lotaria que se constrói todos os dias."
A humanidade está demasiado "ocupada consigo própria"
in Jornal de Notícias
Apelo ao menino Jesus, para que "dê sabedoria aos governantes", foi o pedido de Natal de Bento XVI
A falta de espaço que uma humanidade demasiado "ocupada" consigo própria deixa ao outro - incluindo Deus - e a renovada preocupação com situações de conflito dominaram as intervenções do Papa Bento XVI nas cerimónias do Natal. A que nem faltou um piscar de olhos ao ambiente e à "utilização abusiva dos recursos sem qualquer precaução".
O líder da Igreja Católica aproveitou a missa da meia-noite, no Vaticano, para criticar o egoísmo do homem. "Quanto mais os homens se tornam ricos, mais se preenchem a eles próprios. E menos o outro pode entrar". Uma premissa que se aplica ao respeito pelo próximo e pelo ambiente, sendo responsável pelas "condições em que se encontra actualmente a terra, devido à utilização abusiva dos recursos e à sua exploração egoísta sem qualquer tipo de precaução".
A humanidade, acusou Bento XVI, "necessita de todo o espaço e de todo o tempo de forma tão exigente para os seus próprios assuntos que nada resta para o outro, para o próximo, para o pobre, para Deus". Um Deus que os homens esperam, mas não deixam entrar quando Ele chega e não acolhem nem escutam.
Uma constatação de certa forma retomada ontem de manhã, na tradicional bênção Urbi et Orbi, proferida do balcão da Basílica de S. Pedro o nascimento de Cristo responde à "sede de valores que hoje se verifica no Mundo, à procura de bem-estar e paz", mas Deus não é ouvido quando se trata de guerras.
"Neste dia de paz, pensemos sobretudo nas zonas onde ressoam as armas nas terras martirizadas de Darfur, da Somália e do Norte da República Democrática do Congo, nas fronteiras da Eritreia e da Etiópia, em todo o Médio Oriente, em particular no Iraque, Líbano e Terra Santa". Uma lista a que o Papa juntou os dramas do Afeganistão, do Paquistão, do Sri Lanka, dos Balcãs e de "tantas outras situações de crise, infelizmente esquecidas com frequência".
O apelo, desta vez, foi dirigido ao Menino Jesus, para que dê "sabedoria e força" aos governantes e os ajude a encontrar "soluções humanas, justas e estáveis". Para Bento XVI, as tensões étnicas, políticas e religiosas em vários países inviabilizam as relações internacionais. E juntam-se aos "preocupantes desastres ecológicos" nascidos do egoísmo no uso do ambiente para gerar o aumento diário de "imigrantes, refugiados e desalojados devido às catástrofes naturais".
"Deixemos que a luz deste dia resplandeça sobre todos que ela entre nos nossos corações, ilumine as nossas casas, traga serenidade e esperança às nossas cidades e dê paz ao Mundo", conclui Bento XVI.
Apelo ao menino Jesus, para que "dê sabedoria aos governantes", foi o pedido de Natal de Bento XVI
A falta de espaço que uma humanidade demasiado "ocupada" consigo própria deixa ao outro - incluindo Deus - e a renovada preocupação com situações de conflito dominaram as intervenções do Papa Bento XVI nas cerimónias do Natal. A que nem faltou um piscar de olhos ao ambiente e à "utilização abusiva dos recursos sem qualquer precaução".
O líder da Igreja Católica aproveitou a missa da meia-noite, no Vaticano, para criticar o egoísmo do homem. "Quanto mais os homens se tornam ricos, mais se preenchem a eles próprios. E menos o outro pode entrar". Uma premissa que se aplica ao respeito pelo próximo e pelo ambiente, sendo responsável pelas "condições em que se encontra actualmente a terra, devido à utilização abusiva dos recursos e à sua exploração egoísta sem qualquer tipo de precaução".
A humanidade, acusou Bento XVI, "necessita de todo o espaço e de todo o tempo de forma tão exigente para os seus próprios assuntos que nada resta para o outro, para o próximo, para o pobre, para Deus". Um Deus que os homens esperam, mas não deixam entrar quando Ele chega e não acolhem nem escutam.
Uma constatação de certa forma retomada ontem de manhã, na tradicional bênção Urbi et Orbi, proferida do balcão da Basílica de S. Pedro o nascimento de Cristo responde à "sede de valores que hoje se verifica no Mundo, à procura de bem-estar e paz", mas Deus não é ouvido quando se trata de guerras.
"Neste dia de paz, pensemos sobretudo nas zonas onde ressoam as armas nas terras martirizadas de Darfur, da Somália e do Norte da República Democrática do Congo, nas fronteiras da Eritreia e da Etiópia, em todo o Médio Oriente, em particular no Iraque, Líbano e Terra Santa". Uma lista a que o Papa juntou os dramas do Afeganistão, do Paquistão, do Sri Lanka, dos Balcãs e de "tantas outras situações de crise, infelizmente esquecidas com frequência".
O apelo, desta vez, foi dirigido ao Menino Jesus, para que dê "sabedoria e força" aos governantes e os ajude a encontrar "soluções humanas, justas e estáveis". Para Bento XVI, as tensões étnicas, políticas e religiosas em vários países inviabilizam as relações internacionais. E juntam-se aos "preocupantes desastres ecológicos" nascidos do egoísmo no uso do ambiente para gerar o aumento diário de "imigrantes, refugiados e desalojados devido às catástrofes naturais".
"Deixemos que a luz deste dia resplandeça sobre todos que ela entre nos nossos corações, ilumine as nossas casas, traga serenidade e esperança às nossas cidades e dê paz ao Mundo", conclui Bento XVI.
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