Ricardo Garcia, em Bali, in Jornal Público
Cimeira do ambiente terminou com um mapa estabelecendo as bases em que será negociado um novo acordo global e conseguiu incluir os Estados Unidos no processo
Numa sessão dramática, encerrando uma maratona negocial mais longa do que a que resultou no Protocolo de Quioto há dez anos, ministros de 190 países aprovaram ontem, em Bali, um roteiro para as negociações de um novo acordo para o combate ao aquecimento global.
O roteiro de Bali inclui um conjunto de decisões, uma delas trazendo de volta os Estados Unidos para a discussão, no âmbito das Nações Unidas, de novos compromissos para controlar as emissões de gases que estão a aquecer o planeta.
O acordo foi aprovado cerca das 14h30 de ontem (6h30 em Lisboa), no plenário da conferência climática da ONU, depois de negociações que entraram pela madrugada. De manhã, o compomisso esteve por um fio, quando a Índia, em nome dos países em desenvolvimento, sugeriu uma alteração de última hora ao texto - compreendendo meia dúzia de palavras -, à qual os Estados Unidos se opuseram.
Com o impasse a ameçar deitar por terra duas semanas de intensas negociações, o plenário da conferência recebeu a visita inusitada do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e do presidente da Indonésia, Susilo Bambang Yudhoyono. Ambos fizeram apelos pessoais para que o roteiro fosse aprovado.
"A pior coisa que poderia acontecer seria o nosso grande projecto para raça humana e para o nosso planeta desmoronar porque não encontramos as palavras certas", disse Susilo Yudhoyono. "Agarrem este momento para o bem de toda a Humanidade", referiu, por sua vez, Ban Ki-moon.
Mesmo diante desses apelos, a chefe da delegação norte-americana, Paula Dobriansky, disse que a nova redacção proposta pela Índia não era aceitável. Mas com o relógio a correr rápido e a enorme pressão dentro e fora do plenário da conferência, os EUA acabaram por ceder e aceitaram o texto.
O protagonismo europeu
O secretário de Estados do Ambiente, Humberto Rosa, que liderou as negociações em nome da União Europeia, disse que o resultado não é uma derrota para os Estados Unidos. "Creio que os EUA podem estar satisfeitos por terem uma oportunidade de reembarcar no panorama climático internacional", afirmou aos jornalistas, à saída do plenário.
A UE assumiu um elevado protagonismo nas negociações e foi aplaudida de pé ontem, quando se prontificou a aceitar a alteração de última hora sugerida pela Índia.
"É uma grande vitória, não para este ou aquele, mas para o mundo inteiro", disse o ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, ao PÚBLICO, em Bali.
"Tudo o que é essencial está cá: a visão de longo prazo, a necessidade de abordar de forma diferente as responsabilidades dos países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos, a referência à importância que tem a evidência científica nesta matéria", completou Nunes Correia.
Um dos pontos nevrálgicos da negociação envolvia referências, no roteiro de Bali, ao Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Uma proposta inicial do texto incluía a sugestão do IPCC de que, para manter o aumento da temperatura global a um nível com consequências mais suportáveis, os países industrializados devem reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa entre 25 a 40 por cento até 2020, em relação a 1990.
O texto também mencionava que as emissões de todos os países do mundo, juntas, deveriam começar a declinar dentro de 10 a 15 anos e cair para menos de 50 por cento dos valores de 2000 em 2050.
Por pressão sobretudo dos EUA, mas também de outros países, como Canadá, Japão e Rússia, todos os números desapareceram do texto e foram substituídos por uma nota de rodapé, com referências às páginas do relatório do IPCC onde aqueles dados aparecem.
A UE considera que, mesmo assim, a fundamentação do roteiro de Bali fica garantida. Várias organizações ambientalistas pensam o contrário, ou seja, que o roteiro de Bali é positivo, mas fraco em substância.
As negociações para um novo tratado climático começam agora e têm um prazo para terminar em 2009. Ao mesmo tempo, num processo paralelo, será revisto o Protocolo de Quioto e estudadas novas metas de redução de emissões depois de 2012 dos países desenvolvidos que o ratificaram.
Bali em tópicos
Negociações
Estão lançadas as negociações, com vista a um novo tratado para conter o aquecimento global, a concluir até 2009 e incluindo os Estados Unidos.
Países desenvolvidos
Para todos os países desenvolvidos, serão consideradas, nestas negociações, novos "compromissos" ou "acções", incluindo metas de redução ou limitação de gases com efeito de estufa. Os compromissos deverão ser comparáveis entre si e levar em conta "circunstâncias nacionais".
Países em desenvolvimento
Para os países em desenvolvimento, serão estudadas "acções" nacionais voluntárias, suportadas por apoios na área da tecnologia, capacitação e financiamento.
Números
O acordo não inclui nenhuma meta indicativa de redução de emissões de gases com efeito de estufa no futuro. Mas cita, numa nota de rodapé, um capítulo de um relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, onde essas metas indicativas são referidas.
Blocos principais
Nas negociações para um novo tratado, serão considerados também os temas da adaptação, tecnologia e financiamento.
Florestas
O tratado também deverá considerar "incentivos positivos" para combater a desflorestação e a degradação de florestas.
Quioto
Paralelamente, correrá o processo de revisão do Protocolo de Quioto, que não inclui os EUA, e a fixação de novas metas de redução de emissões após 2012 para os países que ratificaram aquele acordo.