Fernando Basto, in Jornal de Notícias
Escolha de estabelecimentos de ensino é objecto de pressões sociais
O insucesso escolar é potenciado, em muitas escolas, pela escolha dos alunos com base no seu aproveitamento escolar e na sua origem social. Dois investigadores portugueses, especializados em Sociologia da Educação, constataram a selecção - ao arrepio da legislação existente e da própria Constituição - de alunos com base na análise do percurso escolar.
Os estudiosos apontam a existência de estabelecimentos de ensino muito próximos um do outro, mas com populações estudantis muito distintas, fruto de uma selecção que tanto dá origem a "nichos de excelência" como a "guetos de exclusão". Segundo afirmam, o comportamento "pouco democrático" de estabelecimentos de ensino público - que origina grandes assimetrias na rede de ensino - engloba, também, a constituição de turmas com base na diferenciação social e aproveitamento escolar.
Dois investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) estudaram as desigualdades na educação e o seu reflexo no insucesso escolar. E chegaram à conclusão - fruto da investigação feita em escolas básicas e secundárias - que a escolha dos estabelecimentos de ensino é, cada vez mais, objecto de lutas e pressões sociais.
Pedro Abrantes visitou cinco estabelecimentos de ensino (três escolas públicas dos 2.º e 3.º ciclos e dois colégios privados) situados próximos uns dos outros, em Lisboa. E constatou as injustiças existentes no processo de selecção dos alunos na ocasião das matrículas. "Escolas situadas no mesmo bairro têm públicos claramente contrastantes. Numa, cerca de 50% dos alunos apresentam elevadas taxas de insucesso, e na outra, quase ao lado, esse número fica-se pelos 2%", realçou.
No estudo elaborado (ver infografia), Pedro Abrantes verificou que numa das escolas (frequentada basicamente por alunos de classes sociais desfavorecidas), 50% dos alunos tinham sido recusados noutro estabelecimento, normalmente aquele preferido pelas classes sociais média ou alta.
O investigador - que participa na avaliação externa de escolas - afirma que as estratégias de segmentação dos alunos são nítidas. "É a crise de um sistema supostamente igual para todos, mas que cria nichos de excelência e guetos de exclusão, o que é "um risco para a escola inclusiva e integradora", sustentou.
Pedro Abrantes vai mais longe, ao realçar a própria constituição da turmas. "Em muitas escolas, numa lógica perversa, constituem-se turmas com filhos de professores, médicos e juristas e outras onde predominam alunos problemáticos. Mais grave ainda é ficarem os professores mais velhos com as turmas de excelência, cabendo aos mais novos as restantes", concluiu.
Estigmas mataram a "Oliveira"
"A Secundária Oliveira Martins, no Porto, morreu dos estigmas. Recebia, sem seleccionar, o 'refugo' das escolas da redondeza", comentou ao JN um professor que durante anos leccionou no estabelecimento de ensino. Se, para uns, foi a ausência de selecção de alunos que "matou" a "Oliveira Martins", para outros muito também contribuiu a diminuição de alunos na cidade. Albino Almeida, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, confirmou ao JN conhecer casos de escolhas de escolas por parte dos pais e selecção de alunos por parte de escolas. "É uma questão que estamos agora a analisar, juntamente com as administrações regionais e o Ministério da Educação (ME)", revelou. Albino Almeida realçou que a legislação permite que os alunos tenham pais ou encarregados de educação consoante o que for mais favorável para garantir a matrícula em determinado estabelecimento. Questionado sobre as conclusões dos estudos aqui referidos, o ME apontou a legislação em vigor sobre matrículas e constituição de turmas. Segundo o despacho n.º 14026/2007, de 3 de Julho, "na constituição das turmas devem prevalecer critérios de natureza pedagógica definidos no projecto educativo da escola".