Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público
Abertamente hostis a esta figura, os países pequenos deixaram no entanto de combater a sua instituição durante a negociação do Tratado de Lisboa
Foi um dos temas mais controversos das negociações para a Constituição europeia e será seguramente uma das inovações do Tratado de Lisboa que mais tinta fará correr: se tudo acontecer como previsto, a União Europeia (UE) terá a 1 de Janeiro de 2009 uma nova figura, o presidente do Conselho Europeu, o nome oficial das cimeiras de líderes.
Concebido para substituir parcialmente o actual sistema das presidências semestrais rotativas entre todos os países, este cargo será, segundo o Tratado Reformador que será hoje assinado, assumido por um ex-primeiro-ministro por mandatos de dois anos e meio renováveis uma vez. Deverá presidir e impulsionar os trabalhos do órgão máximo de decisão da UE, garantir a sua continuidade e "facilitar a coesão e o consenso" entre os seus membros. Estas são funções actualmente assumidas pelo líder do país que tem a presidência.
Apesar do novo cargo, as presidências rotativas não desaparecem por completo, mantendo-se para os conselhos de ministros sectoriais - com excepção do dedicado às relações externas, que será conduzido pelo alto-representante para a Política Externa.
A ideia de um presidente permanente partiu de Tony Blair, o ex-primeiro-ministro britânico. Rapidamente foi retomada por Valéry Giscard d"Estaing, o presidente da convenção que redigiu o projecto de Constituição europeia, que, com o apoio de Londres, Paris e Madrid a impôs sem estados de alma aos países mais pequenos, abertamente hostis. Curiosamente, os mais pequenos abandonaram este combate tanto na redacção final da Constituição ao nível dos governos, como, já este ano, durante a negociação do novo Tratado de Lisboa.
Problema de legitimidade
A um ano da sua criação, no entanto, o novo cargo volta a suscitar sérias dúvidas e interrogações.
Na sua análise sobre as implicações institucionais do Tratado de Lisboa, o European Policy Centre, um think tank baseado em Bruxelas, assinala, entre vários problemas, o facto de o futuro presidente permanente não substituir, mas sobrepor-se aos outros cargos dirigentes. Só no capítulo externo, por exemplo, o detentor do cargo (que representará a UE "ao seu nível", segundo o tratado), rivalizará com o alto-representante para a Política Externa e o presidente da Comissão Europeia (para já não falar dos comissários). Ou, noutras áreas, com o país na presidência rotativa ou com o presidente do eurogrupo, o fórum de coordenação das políticas económicas da zona euro.
Além disso, considera aquele think tank, o novo tratado coloca o primeiro-ministro do país na presidência semestral "numa posição bastante delicada e, francamente, pouco invejável". Isto porque, "enquanto chefe de Governo, terá de assumir a responsabilidade directa ou indirecta pelo trabalho feito durante os seus seis meses em todas as áreas, excepto as relações externas. Mas não tem, pelo menos teoricamente, a menor influência sobre a forma como serão tratadas ao nível do conselho europeu".
Peter Ludlow, presidente do European Strategy Forum, outro think tank sobre as questões europeias baseado em Portugal, considera que "a decapitação das presidências" coloca um problema de legitimidade. "Será possível imaginar a presidência portuguesa da UE sem José Sócrates?", interroga-se ao PUBLICO.
Na sua análise sobre o tratado, Ludlow escreve: "Para José Sócrates e Angela Merkel [os dois líderes de 2007], a perspectiva de sucesso nos conselhos europeus a que presidem constitui um poderoso incentivo e, como Angela Merkel demonstrou, o sucesso conseguido reforça a popularidade interna. Com as novas disposições, os sucessores de Merkel e Sócrates, de cuja ajuda o novo presidente precisará para fazer avançar a agenda europeia, passarão a estar nos bastidores na hora dos abraços de felicitações."
Ludlow vai ainda mais longe, considerando que "o cargo é uma ameaça para os primeiros-ministros dos Estados mais pequenos, porque os líderes dos grandes não precisam da presidência da UE para ter um papel global. Os mais pequenos só têm um papel global quando estão na presidência da UE e é preciso que o presidente do Conselho seja alguém capaz de o perceber".
A escolha deverá recair sobre uma personalidade com grandes qualidades diplomáticas, muito tacto, que se assuma como um "facilitador" das decisões e aceite trabalhar de forma discreta, defende. Terá de ser "um superdiplomata ou um santo", resume. É por isso que considera uma má solução alguns nomes que têm sido referidos, como o de Tony Blair, porque "seriam excessivamente tentados a agarrar no microfone e colocar-se sob os holofotes". Em sua opinião, aliás, o cargo deverá ser sistematicamente atribuído a um pequeno país. Este deverá ser, considera, o grande combate dos Estados menos populosos em 2008.