Manuel Esteves, in Diário de Notícias
Homens recusam admitir que menores salários se devam a preconceitos
Um quarto das mulheres portuguesas diz-se discriminada em matéria salarial. A conclusão faz parte de um inquérito baseado numa amostra de 1020 entrevistas, coordenado por Glória Rebelo, do centro de estudo Dinamia, do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), encomendado pela União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Segundo os números apresentados ontem e hoje num seminário da UGT que decorreu em Coimbra, 24,1% das mulheres sentem-se discriminadas nos salários. Do lado dos homens, apenas 8,3% se queixam de ser prejudicados neste domínio.
Um dos aspectos mais curiosos do estudo prende-se com a forma como mulheres e homens justificam a discriminação salarial daquelas. É ponto assente que elas ganham menos e têm menos peso nas posições de chefia - "58% dos inquiridos reconhecem que os cargos directivos são sobretudo ocupados por homens". Porém, enquanto a maioria das mulhe- res atribui o facto aos "estereótipos associados às mulheres", os homens encontram explicações nas "insuficiências de qualificação", "menor capacidade para o trabalho" ou ainda "menor disponibilidade das mulheres para o trabalho". Enquanto 69,4% das mulheres atribuem a dificuldade no acesso ao emprego a "resistências relacionadas com estereótipos de género", esta percentagem desce para zero entre os homens.
"A reacção dos homens só confirma que existe estereotipia, que se caracteriza precisamente pela falta de consciência das discriminações", disse ao DN Glória Rebelo. Para esta professora do ISCTE, Portugal registou um progresso importante no combate às discriminações baseadas no género, mas estas "têm de merecer maior atenção das políticas públicas". A comparação com Espanha - que ocupa o 5.º lugar no ranking internacional sobre igualdade de oportunidades, enquanto Portugal surge em 40º lugar - "diz tudo", sublinha.
Glória Rebelo defende que a educação tem um papel central neste processo, quer no seio das famílias, quer nas escolas, que deve combater a existência de papéis sociais específicos para as mulheres, designadamente no percurso escolar.
Paula Esteves, coordenadora da Comissão de Mulheres da UGT (ver entrevista), lembra igualmente o papel dos sindicatos neste processo, "sobretudo por via da negociação colectiva". Porém, o fraco dinamismo destas negociações limita muito a capacidade de manobra dos sindicatos, admite. A culpa é de todos: das organizações empresariais, dos sindicatos, mas também dos trabalhadores "cada vez menos solidários e mais orientados para a negociação individual".