Maria João Guimarães, in Jornal Público
As regras de votação no Conselho de Ministros da União Europeia foram alteradas no Tratado de Lisboa para permitir que sejam tomadas mais rapidamente e com um menor número de países. Há quem defenda que isto já acontece agora e que a cultura de busca de consensos dentro da UE se vai manter. E há, por outro lado, quem diga que a guerra que são as negociações em Bruxelas só se vai intensificar. Certo é que os países, principalmente os mais pequenos como Portugal, têm de começar a fazer valer os seus pontos de vista logo no início do processo legislativo, na Comissão Europeia, para compensar a perda de peso no Conselho.
O novo tratado traz mais domínios em que a decisão se toma por maioria qualificada. Esta maioria é formada com menos países - uma maioria dos estados-membros (55 por cento, ou seja 15) e da população da União (pelo menos 65 por cento). As minorias de bloqueio, formadas por países que podem vetar uma decisão, terão de reunir pelo menos 13 estados ou, em alternativa, 35,01 por cento da população (com um mínimo de quatro países).
Quanto a isto ninguém parece ter dúvidas. Mas, quanto aos efeitos prá-
ticos, as opiniões de quem lida no dia-a-dia com as negociações em Bru-
xelas divide-se. "Ao contrário da ONU, na UE não há uma cultura de votação", disse, numa conversa telefónica com o PÚBLICO, o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, embaixador Fernando Neves. "Não há cultura de veto e de voto", continua. "Em todos os anos em que acompanhei negociações vi talvez duas ou três votações em que países expressaram reservas; mais frequente foi ver uma questão em que havia apenas um país contra, e este acabar por ganhar". De qualquer modo, ressalva que apesar de haver sempre um esforço de consenso, "a possibilidade de recurso à votação coloca maior pressão nos estados que colocam reservas sobre propostas".
Durante as negociações todos têm sempre consciência das minorias e maiorias e do interesse de dado país na medida em discussão. Muitas vezes nem se vota porque quem está contra não tem interesses em jogo. E são tidos em conta os interesses dos países: por exemplo, uma reforma do vinho como a que vai ser discutida na próxima semana não passaria sem o acordo dos países produtores, nem que estes não formassem maioria.
De resto, como diz outra fonte que pediu o anonimato, os estados que à partida estejam contra uma proposta têm que pesar os prós e os contras. "Os países têm de fazer contas ao que perdem e ganham - é uma coisa competitiva e dura".
Quem classifica as negociações em Bruxelas como uma guerra é Luís Frazão Gomes, que foi chefe dos negociadores da representação portuguesa em Bruxelas para a agricultura. Uma guerra que só terá de se intensificar com as novas regras do tratado.
"Não se pode querer sol na eira e chuva no nabal", comenta. "Procurar unanimidade numa Europa a 27 impediria o funcionamento da união", diz Frazão Gomes. "Quanto mais difícil for conseguir uma minoria de bloqueio, maior o risco de se fazer menos esforços para chegar ao consenso". E neste momento é preciso um número muito significativo de pequenos e médios estados para bloquear uma decisão.
Mas, para Álvaro de Vasconcelos, actualmente director do Instituto de Estudos de Segurança da UE e que foi antes director do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI) em Lisboa, esta perda de poder dos pequenos estados não equivale ao estabelecimento de um directório dos grandes. Se os grandes forem capazes de consensos, como eles partem de sensibilidades muito diferentes, explica Álvaro de Vasconcelos, os outros provavelmente estarão representados e, regra geral, será esse o interesse europeu.
No entanto, Vasconcelos sublinha que, nas cooperações reforçadas permanentes previstas no tratado (que permitem o avanço de apenas alguns países), será necessário não só regras muito transparentes, como a impossibilidade de excluir qualquer país que nelas queira participar. Se assim for, Álvaro de Vasconcelos sublinha: "Vejo poucas possibilidades de Portugal não participar em alguma destas cooperações reforçadas se o quiser fazer".
Contornar a perda de peso
Quanto à atitude de cada país no processo, tanto Fernando Neves como Frazão Gomes concordam que Portugal, que perde peso nas votações no Conselho, deve agir muito mais cedo, no momento em que as propostas estão a nascer, na Comissão.
Frazão Gomes adianta ainda que acha necessário que Portugal "reforce a sua presença nas estruturas da Comissão, Conselho e Parlamento Europeu" e que desenvolva "uma estrutura organizativa virada para negociações mais activa e mais profissionalizada".
De resto, há sempre que ter em conta que os países agem nas negociações tendo em conta também a política interna. Esta pode ditar que uma posição de princípio contra mude para abstenção ou até um voto a favor (evitar mostrar fraqueza, e no plano da União evitar colocar-se numa posição de isolamento) ou que se mantenha (culpando Bruxelas pelos efeitos que uma dada decisão pode ter no país).
Álvaro de Vasconcelos espera que se este tratado for ratificado, que esta maior agilidade nos processos de decisão tenha um resultado: "Que haja possibilidade da Europa ser mais capaz de resolver os problemas quotidianos dos cidadãos".