Ricardo Dias Felner, in Jornal Público
Especialistas dizem que o desembarque de cidadãos ilegais no Algarve prova como a viagem é fácil. Sindicato do SEF quer expulsão imediata dos cidadãos marroquinos, para demonstrar a determinação de Lisboa
Director nacional do SEF desmente publicamente "perigo", contradizendo cenário de risco proposto pela Marinha a Vários responsáveis pela área da imigração desdobraram-se ontem em declarações no sentido de desvalorizar o desembarque de 23 imigrantes clandestinos na ilha da Culatra, no Algarve, mas o PÚBLICO sabe que o assunto está a preocupar os sectores da Administração Interna e da Defesa.
Neste momento, Portugal não tem meios suficientes nem de vigilância, nem de acolhimento, para suster vagas repetidas de imigração, por mar, de maiores proporções - e esse cenário está a ser ponderado muito a sério.
O incidente, que levou à hospitalização de oito dos imigrantes, e que mostrou imagens de hipotermia e sofrimento que os portugueses estavam habituados a ver nas praias do Sul de Espanha e de Itália, veio confirmar uma tese trabalhada pelos governos desde 2003: o desvio do tráfico de seres humanos com origem no Norte de África, bem como da Costa Ocidental, via marítima, para o Algarve e para a Madeira tem sido encarado como uma "questão de tempo". O episódio de segunda-feira no Algarve poderá significar, todavia, que esse "tempo" pode ser mais curto do que se esperava.
O presidente do Sindicato de Carreira e Investigação e Fiscalização do SEF disse ontem ao PÚBLICO que as circunstâncias que rodearam a viagem dos marroquinos demonstram que "é viável e muito fácil" alcançar-se a costa portuguesa. "Em apenas quatro dias, um pequeno barco chegou do Norte de África ao Algarve, sem qualquer problema", referiu Gonçalo Rodrigues, concluindo: "É mais do que provável que se venham a intensificar estes fluxos".
Esta preocupação leva a que o sindicato exija um sinal de determinação do SEF: "Logo que as autoridades de saúde digam que está tudo bem com os imigrantes eles devem ser expulsos para Marrocos no mais curto espaço de tempo". Resta saber se os imigrantes não estarão indocumentados ou irão requerer asilo político, o que po-
de implicar um processo mais moroso e que aguardem pelo fim dos trâmites em liberdade.
Governo desvaloriza
No Governo, contudo, a ordem é para minimizar publicamente a importância do desembarque. Para o director nacional do SEF, Manuel Jarmela Palos, e para o responsável do Algarve, José Van der Keller, tratou-se de um caso "isolado", "casual" e "excepcional" - que não significa que haja um "risco" de vulnerabilidade da costa portuguesa.
Entre os argumentos usados para minimizar uma eventual transferência das rotas de migração clandestina de outros países do Mediterrâneo para Portugal está a desvantagem económica, comparativamente com Espanha ou com Itália.
Foi isso que disse, há poucos dias, Van der Keller, o mesmo responsável que em 2005, num artigo da revista Política Internacional, alertava para o risco real de uma afluência às praias do Algarve e da Madeira.
Este raciocínio tem sido, porém, desmentido por vários indicadores, como a preferência por Portugal de comunidades específicas, como a do Leste europeu e, sobretudo, a utilização do território nacional para a entrada no espaço terrestre da União Europeia por parte de cidadãos de países terceiros.
A outra justificação para desvalorizar a inclusão de Portugal nas rotas marítimas do tráfico de imigrantes tem sido a sua localização geográfica mais periférica e já perto do Atlântico.
Radares não vêem barcos
O comandante da Marinha João Barbosa, que participou este Verão em operações da Frontex (Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas), junto à costa do Senegal, admite que há, de facto, outras viagens mais curtas e mais tranquilas. Só que os destinos tradicionais dos últimos anos - Andaluzia, Canárias, Sicília, Malta - "estão cada vez mais vigiados". E, nesta perspectiva, pode ser mais cómodo e mais eficaz mudar de rota e escolher Portugal. "Somos uma área de potencial risco", garantiu ao PÚBLICO, alertando para a necessidade do país estar atento. "Eles escolhem entrar na União Europeia por onde for mais fácil".
João Barbosa salienta que existem três lanchas da Marinha destacadas para a vigilância da costa algarvia, que têm a função genérica de zelar pela defesa nacional, sendo o controlo de imigração clandestina apenas um dos seus objectivos. Por outro lado, explicou, embarcações com cinco ou seis metros, como a que transportou os cidadãos marroquinos, não se distinguem nos radares de meros barcos de pesca.
O mesmo responsável chama aliás a atenção para uma hipótese que tem sido descartada pelo SEF: como vem sendo prática habitual das redes de tráfico de imigrantes, o barco usado pelos cidadãos marroquinos pode ter sido transportado numa embarcação maior, que depois o largou já junto à costa.