Ricardo Dias Felner, in Jornal Público
Apesar do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ter ontem procurado veicular a ideia de que o desembarque de imigrantes africanos, ocorrido ontem no Algarve, foi um acontecimento fortuito, que não revela nenhuma tendência nem nenhum risco, a verdade é que esta possibilidade já era temida e prevista nos últimos anos pelos responsáveis da Administração Interna, bem como pelos especialistas do SEF.
Um dos que se referiram, com mais conhecimento, à "ameaça" da violação das fronteiras marítimas portuguesas foi, precisamente, o agora director regional do SEF no Algarve, José van der Kellen. Num artigo publicado na revista Política Internacional, em 2005, este especialista em redes de imigração ilegal, na altura responsável pela Direcção Central de Investigação, Pesquisa e Análise de Informação do SEF, alertava: "Da costa ocidental africana deparamo-nos com uma ameaça, por via marítima, que nos deve obrigar proactivamente a pensar numa hipótese de tais riscos chegarem à nossa costa", escreveu Van Der Kellen, acrescentando: "Destas rotas subsarianas, que por via terrestre chegam a Marrocos, e que visam essencialmente território espanhol, podem advir consequências directas para Portugal".
Esta previsão seria sustentada politicamente, com a criação de um plano de contigência, em 2006, por parte dos Ministérios da Administração Interna e da Defesa, destinado a prever o desvio de embarcações, sobretudo para a Madeira e para o Algarve, habitualmente com destino às Canárias e ao Sul de Espanha.
O ministro António Costa, que impulsionou o referido plano de contigência, admitia então que, à medida que iam sendo "blindados outros pontos da fronteira externa da União Europeia, o risco" para Portugal aumentava.