Luís Garcia, in Jornal de Notícias
Abrigos nas estações do metro são dos locais mais procurados para quem tem as ruas como única morada
Quando os voluntários da Comunidade Vida e Paz chegam à Avenida Almirante Reis, em Lisboa, são recebidos de braços abertos pelos sem-abrigo. Em Santa Apolónia são dezenas de pessoas que esperam pela carrinha na esperança de obterem alguma comida e agasalhos antes de se deitarem no chão ou de irem para casa. Já alguns "habitantes" das arcadas do Regueirão dos Anjos estão demasiado anestesiados pela droga para sequer perceber quem é aquela gente.
Ao todo são cerca de 450 as pessoas que beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987. Todas as noites do ano, três equipas de cinco a nove elementos - no total, mais de 300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção - percorrem as ruas da cidade distribuindo leite, fruta e outros alimentos básicos, para além de alguma roupa.
Porém, estes bens são apenas "meios para chegar a um fim", conforma explica o voluntário Miguel Morais. "Tentamos dialogar com eles de forma a conseguir que dêem o próximo passo" explica o militar de 28 anos. Um passo que pode ser dado nos centros de acolhimento da comunidade, onde se procura recuperar e reintegrar os sem-abrigo.
No entanto, nem sempre é fácil chegar-lhes. Quem o garante é Cláudia Amaral, 28 anos. "São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam", diz a técnica de saúde ambiental. Cláudia Amaral garante que, se participa numa equipa de rua há quatro anos, é não só para ajudar os outros, mas também porque este trabalho a faz sentir-se bem. Tão bem que optou por passar a noite de aniversário a bordo da carrinha da comunidade.
Seis litros de vinho por dia
Cada sem-abrigo tem a sua história. Alguns são consumidos pela droga, outros pelo álcool, como o jovem do Chiado que, por entre um elaborado discurso político, admite aos voluntários que bebe seis litros de vinho por dia. Desgostos de amor, morte de familiares, variados problemas psicológicos. Nas ruas da capital, não faltam exemplos destes e de outros casos análogos.
Manuel Alves, 45 anos, procura na Comunidade Vida e Paz conforto para o estômago e companhia. "Vivo sozinho, a minha família fugiu", queixa-se. A conversa só se azeda quando o tema é o desemprego "Não trabalho e não quero trabalhar!", diz.
A "Dona Catarina" é conhecida da maioria das equipas de rua. Encolhida pelo frio e pelo peso dos anos, a idosa conta as suas aventuras nos hospitais aos voluntários, preocupados com o seu estado de saúde.
Desta vez, "Dona Cataraina" aparece acompanhada por uma jovem. "Encontrei esta senhora e ajudei-a a trazer este saco", conta visivelmente emocionada a acompanhante. A experiência de ter auxiliado a idosa parece tê-la ajudado, de imediato, a despertar para a crua realidade.
Por isso, apressa-se a perguntar aos voluntários "O que tenho de fazer para ser voluntária da vossa comunidade?"
Técnica de Saúde Ambiental
São os sem-abrigo que nos escolhem. Eles é que nos abrem ou não as portas. Mas ganhamos carinho por alguns, que conversam connosco e brincam.
Voluntário
Esta acções de rua são apenas os meios que utilizamos para chegar a um fim. Tentamos dialogar com eles de forma a conseguirmos que sejam eles a dar o próximo passo.
450 pessoas beneficiam do trabalho dos voluntários da Comunidade Vida e Paz, uma Instituição Particular de Solidariedade Social de inspiração cristã que assegura as "voltas" por Lisboa desde 1987
300 voluntários participam quinzenalmente nesta acção, distribuídos alternadamente pelas três equipas de cinco a nove elementos, que saem diariamente para a rua.