in Jornal Público
Falta ainda um acto que, de algum modo, simboliza o voluntarismo que marcou a presidência portuguesa da União Europeia: o alargamento do espaço Shengen aos oito novos estados-membros. O primeiro-ministro português e a chanceler alemã vão estar presentes no dia 21 na queda simbólica de uma das mais sangrentas fronteiras da história europeia, entre a Alemanha e a Polónia.
Portugal arriscou o objectivo político, que ainda estava em dúvida, ao oferecer a solução tecnológica que permite alargar o sistema de informações Shengen às novas fronteiras de Leste. Para terminar em beleza uma presidência que ontem José Sócrates declarou ter "cumprido todos os seus objectivos".
Depois de um Conselho Europeu sem história, esvaziado de qualquer questão polémica, o primeiro-ministro foi direito ao assunto. "Conseguimos um acordo sobre o novo Tratado de Lisboa e assinámo-lo", permitindo à União vencer a sua crise constitucional.
A história da presidência portuguesa já estava feita com a cerimónia dos Jerónimos. Ontem, o primeiro--ministro quis sobretudo sublinhar os contributos com que Portugal quis deixar uma marca na agenda europeia: a cimeira com o Brasil e a que levou a Lisboa no fim-de-semana passado 53 países africanos para relançar as relações entre os dois continentes, "pondo fim a sete anos de impasse".
Com a primeira, lembrou, Portugal conseguiu colocar o Brasil ao mesmo nível das relações com a China, Índia, Rússia e Japão. Fez uma diferença, impossível de marcar noutros palcos onde ainda pesa muito o protagonismo dos grandes países. Não ficarão na história, por exemplo, as cimeiras com a China ou com a Índia. E aquela que se realizou em Mafra com Vladimir Putin será sobretudo lembrada pelas piores razões.
Da agenda interna europeia, o primeiro-ministro elegeu quatro pontos, que somou ao alargamento do espaço Shengen: o Dia Europeu Contra a Pena de Morte (que teve de esperar pela mudança de Governo na Polónia); o acordo em torno da flexi-segurança (adoptado nas conclusões deste Conselho Europeu); um esforço para fazer avançar uma agenda integrada para lidar com as migrações (Durão Barroso, a seu lado, sublinhou as iniciativas da Comissão); e a resolução do financiamento do Galileu (o GPS europeu), que se arrastava há anos.
Com bolo-rei e champanhe e uma rapidez assinalável, a conferência de imprensa final da presidência não foi particularmente esclarecedora sobre o tema que verdadeiramente poderia ter azedado o ambiente e estragado o andamento quase perfeito da presidência portuguesa. O Kosovo mereceu ao primeiro-ministro apenas a leitura directa do texto das conclusões, alterado durante o debate dos líderes ao almoço. As coisas mais importantes foram ditas por outros líderes noutras conferências de imprensa.
Cumplicidade "sem falhas"
Terminou também neste Conselho Europeu de Bruxelas uma cumplicidade evidente entre o primeiro-ministro e o presidente da Comissão, muito sublinhada pelas respectivas entourages. A vantagem era mútua. A Comissão é uma peça fundamental do sucesso de qualquer presidência. Pode ajudar mas também pode empatar. Para Barroso seria impensável ser visto internamente como indiferente ao sucesso português.
A isso somou-se "um fácil entendimento pessoal", segundo uma fonte do
gabinete do presidente da Comissão. Ontem foi o momento para a troca de galhardetes entre ambos.
Agora, cada um pode seguir o seu caminho. Barroso em direcção ao objectivo de um segundo mandato. Sócrates de uma segunda vitória eleitoral. T.de S., Bruxelas
Com este Conselho Europeu encerra-se a cumplicidade evidente de Durão Barroso e Sócrates.