18.10.07

As concessões

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Ainda que o novo tratado retome o essencial das disposições da Constituição europeia, foi preciso fazer concessões à França e à Holanda, que a rejeitaram em 2005, e aos países eurocépticos - Reino Unido e Polónia - para o tornar aceitável por todos. Os quatro países tinham em comum a reivindicação de expurgar a Constituição de todos os elementos "constitucionais", como o estilo, os símbolos (a bandeira, o hino e a moeda) e a sua característica de tratado consolidado substituto de todos os outros. O novo texto passa assim a ser um tratado "clássico" modificador dos restantes.

França
Um dos principais combates da França foi eliminar dos objectivos da UE o princípio da "concorrência livre e não falseada", que passa assim a ser uma mera componente, essencial, é certo, do mercado interno comunitário. Furiosos, os ingleses reagiram exigindo uma clarificação sob a forma de um protocolo anexo ao tratado (e com o mesmo valor jurídico) que confirma o carácter essencial deste princípio ao serviço dos objectivos da UE.

Em conjunto com os holandeses, os franceses exigiram outro protocolo sobre os serviços públicos de interesse geral, destinado a lembrar a autonomia de decisão dos Estados (e procurar contornar, pelo caminho, as regras da concorrência em sectores como a saúde e a educação ou em serviços como os transportes ou os correios).
Em coligação com os ingleses, Paris exigiu ainda que ficasse sublinhado no tratado o "carácter intergovernamental" da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) de modo a garantir que as decisões europeias não interferirão nas prerrogativas nacionais (nem porão em causa os lugares permanentes que os dois países têm no Conselho de Segurança das Nações Unidas).

Polónia
Depois de muito batalhar, a Polónia obteve o adiamento para 2014 (em vez de 2009) da nova regra da "dupla maioria" - 55 por cento de Estados representando 65 por cento da população - para as votações do conselho de ministros da UE. Igualmente por exigência dos polacos, entre 2014 e 2017 qualquer governo poderá pedir para as votações continuarem a processar-se de acordo com as regras de Nice. O que significa que a "dupla maioria" só se imporá como regra única dentro de dez anos.
Uma terceira reivindicação de Varsóvia, que só será ultimada em Lisboa, incide sobre a consagração no texto do tratado do velho compromisso de Ioannina (o nome da localidade grega onde foi concebido, em 1994), que permite a um grupo de países, próximos de uma "minoria de bloqueio" de uma decisão por maioria qualificada, pedir a suspensão de uma deliberação para obrigar ao prolongamento das negociações.

Reino Unido
Além da reivindicação central de despir a Constituição de todos os elementos constitucionais, os ingleses procuraram travar o recurso às decisões por maioria qualificada, sobretudo em matéria de cooperação policial e judiciária. Fracassada esta tentativa, exigiram uma cláusula de isenção que lhes permite ficar de fora. O mesmo acontece com a Carta dos Direitos Fundamentais que, de novo por pressão britânica, é retirada do tratado para figurar num anexo com o mesmo valor jurídico.
Os ingleses exigiram ainda acabar com a denominação do ministro europeu dos negócios estrangeiros, que passará a chamar-se "alto-representante" para a política externa, exactamente como já é o caso de Javier Solana.

Holanda
A primeira grande reivindicação da Holanda teve a ver com o reforço do papel dos Parlamentos nacionais no processo de decisão comunitário que foi criado na Constituição. Tal como o texto original, o novo tratado obriga a Comissão Europeia a reexaminar uma proposta legislativa se um terço dos parlamentos nacionais a considerar contrária ao princípio da subsidiariedade (que obriga a legislar ao nível mais próximo possível dos cidadãos). A segunda grande reivindicação holandesa incidia sobre a inscrição no tratado dos chamados "critérios de Copenhaga" impostos a todos os candidatos à adesão em termos de respeito pelos princípios da democracia, Estado de direito e direitos humanos, a par da economia de mercado. Face à recusa dos outros países, o tratado contém apenas uma referência implícita a Copenhaga.