18.10.07

De Amesterdão a Lisboa, passando por Nice, a difícil procura do equilíbrio entre o peso relativo dos Estados

Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Encontrar o equilíbrio entre a representação dos Estados, grandes, pequenos e médios, e o seu peso económico, político e demográfico, é um dos grandes problemas da UE

De Amesterdão a Lisboa: as raízes do novo Tratado da União Europeia (UE) foram lançadas há dez anos, em Amesterdão, no quadro de uma tentativa falhada dos líderes dos então 15 Estados-membros de reformar em profundidade as instituições comunitárias.

Em 1997, os grandes países procuravam reforçar o seu peso relativo no conselho de ministros europeu (o principal órgão de decisão, embora cada vez mais em conjunto com o Parlamento Europeu), de modo a compensar a erosão de que se sentiam vítimas em resultado dos alargamentos sucessivos da UE.

Para isso, defendiam, era necessário encontrar um novo equilíbrio entre os princípios da igualdade entre os Estados e da representação democrática.

Votos ponderados

Na fundação da UE, a questão tinha sido resolvida com a invenção de um sistema de votos ponderados atribuídos a cada país consoante a sua dimensão. Um sistema cuja principal característica era garantir a sobrerepresentação dos mais pequenos.
A perspectiva do grande alargamento da UE ao Leste pôs a nu os limites deste mecanismo: na Europa a seis, os grandes países (França, Alemanha e Itália) eram metade dos Estados-membros; com 27, os seis grandes (estes três mais o Reino Unido, Espanha e Polónia), que reúnem 70 por cento da população da UE, passariam a ser pouco mais de um quinto do total dos Estados.

Ao mesmo tempo, a população representada numa decisão por maioria qualificada no conselho de ministros passou de 68 por cento em 1957, para 58 por cento em 1995. Sem uma reforma, voltaria a descer para 50 por cento na UE a 27.

Ao pôr em questão a legitimidade democrática das decisões europeias, esta situação ressuscitou o velho debate sobre a forma de conciliar a igualdade entre os Estados e a representação democrática. Que provocou, inevitavelmente, um confronto entre os grandes e os pequenos países. Confronto que ficou largamente por resolver na cimeira de Junho de 1997, em Amesterdão, que acordou o Tratado do mesmo nome.

A declaração de Laeken

A reivindicação de então dos grandes países de obter um reforço dos seus votos ponderados no conselho de ministros saiu reforçada com a decisão então tomada de reduzir a Comissão Europeia a um nacional por Estado-membro (acabando com o segundo comissário a que os grandes países tinham direito). Perante o impasse, de Amesterdão saiu igualmente uma declaração exigindo a resolução do problema logo que possível e em todo o caso antes de qualquer novo alargamento.

Foi o que os Quinze tentaram fazer na cimeira de Nice ao fim de cinco dias de acesas discussões e um braço-de-ferro entre grandes e pequenos países, de um lado, e entre Paris e Berlim, do outro: a recusa francesa de reconhecer o novo peso da Alemanha reunificada nas decisões e a sua exigência de manter a paridade histórica dos votos entre os dois países resultaram num sistema de reforço dos votos ponderados dos grandes países complicado e de difícil aplicação. Com a agravante que tornaria o processo de decisão ainda mais difícil do que antes. Ainda a tinta do novo Tratado de Nice não estava seca e já todos os participantes consideravam o acordo largamente insatisfatório.

Desta cimeira saiu assim nova declaração pedindo "um debate mais amplo e mais profundo sobre o futuro da UE". Debate que a presidência belga da UE tratou de acelerar fazendo aprovar, um ano depois, a chamada "declaração de Laeken" que lançou as questões a resolver num novo tratado: uma União mais democrática, transparente e eficaz, a aproximação dos cidadãos, o aumento da legitimidade democrática e da transparência das instituições e decisões e a simplificação dos tratados. Esta declaração interrogava-se sobre a oportunidade de este processo "conduzir, a prazo, à adopção de um texto constitucional".

Dupla maioria

Este trabalho foi encomendado a uma convenção reunindo representantes dos governos, parlamentos nacionais, Parlamento Europeu e Comissão Europeia que, sob a presidência de Valéry Giscard d"Estaing, produziu uma proposta de Constituição em Junho de 2003.
Este texto constituiu a base dos trabalhos da conferência intergovernamental (CIG), o método obrigatório de revisão dos tratados, que assumiu o essencial das suas propostas produzindo uma Constituição consolidada em Junho de 2004. Isto, não sem antes ter passado por uma tentativa de acordo falhado, em Dezembro de 2003, devido à oposição da Espanha e Polónia ao novo método de decisão substituindo os votos ponderados por uma nova "dupla maioria" de Estados e população e lhes retirava o peso desproporcionado que tinham obtido em Nice. O problema resolveu-se com a subida dos dois limiares para o cálculo da dupla maioria: 55 por cento dos Estados (contra 50 por cento inicialmente) representando 65 por cento da população (em vez de 60 por cento).

Os referendos francês e holandês de Maio e Junho de 2005 inviabilizaram a aplicação da Constituição, que, como qualquer tratado, precisa da ratificação de todos os Estados. Sem Constituição, o sistema de votações de Nice (em vigor desde 2004) permaneceria a regra, uma situação recusada por quase todos os países.
O impasse aberto em 2005 foi ultrapassado dois anos depois quando o novo Presidente francês, Nicolas Sarkozy, decidiu impulsionar a recuperação, num novo tratado, do essencial da Constituição, embora sem a estrutura, a linguagem e os símbolos, mas mantendo a totalidade da arquitectura institucional. É este tratado que vai ser hoje submetido à aprovação dos Vinte e Sete.